FIA vai matar visão de F1 do Liberty Media se falhar na fiscalização do teto de gastos – Grande Prêmio

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No meio de algumas semanas em que Max Verstappen confirma o bicampeonato mundial e terminou com a disputa matemática na Fórmula 1 em 2022 e que a FIA se enrola cada vez mais com a maneira de atuar como direção de prova, uma outra bomba centra ações e atenções no paddock: como cuidar do teto orçamentário? A resposta é muito mais importante que parece e tem condições de delinear os próximos anos da categoria.
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Para exemplificar a situação que tem de ser esmiuçada depois, trata-se de uma questão que parte de uma premissa simples: o teto orçamentário não pode fracassar. O motivo é que se trata de ponto de destaque no formato como o Liberty Media, grupo de mídia que é detentor dos direitos midiáticos da Fórmula 1, enxerga o futuro de um negócio que comprou no fim de 2016 para desenhar de forma diferente de como vinha sendo tocado por Bernie Ecclestone.
E aqui nem se trata de uma crítica generalizada a Ecclestone, que tem outros tantos motivos para ser trazido à baila de forma pouco elogiosa. Sob Bernie, a Fórmula 1 se tornou uma fábrica de fazer dinheiro e soube negociar direitos de transmissão televisiva como talvez nenhuma outra organização esportiva na origem das discussões sobre TV. Os tempos mudaram, pois, e as mídias se multiplicaram. O Liberty Media, verdade seja dita, conseguiu explorar as novidades on demand melhor do que se esperava, até.
Apelar a fãs mais jovens, antes tratado como algo supérfluo, deu efeito: a Fórmula 1 vive um momento de popularidade entre os jovens que seria inimaginável apenas cinco anos atrás. É um efeito interessante. A Fórmula 1 resistiu aos perigos que a pandemia do novo coronavírus impôs e conseguiu consolidar a força financeira planejada anos atrás.
E, sim, dá para questionar os métodos. Inchar o calendário, abandonar ou ao menos negociar de abandonar praças tradicionais em buscar de praças sem história na categoria e pistas desinteressantes esportivamente falando e afins. Ninguém é obrigado a concordar com a maneira como o Liberty lidou com o negócio Fórmula 1 desde que assumiu o manche, no início de 2017, mas o bom senso dita que é necessário reconhecer que, ao menos até aqui, deu certo.
Naquele ditado péssimo do mercado financeiro, sobre o tamanho de guloseimas, dá para dizer que o bolo cresceu, conforme o Liberty acordou com as equipes. Era a primeira barreira, e funcionou. A próxima seria tornar a Fórmula 1 um negócio sustentável financeiramente, algo que nunca foi. Historicamente, a F1 custa dinheiro das equipes e é raro que dê lucro. Para as equipes particulares, garagistas, é um posicionamento entre a cruz e a espada: gastar dentro do orçamento e fracassar esportivamente ou investir para render na pista e gerar prejuízo. A intenção era tornar a F1 um negócio estável, no qual companhias tenham condições de subsistir.
Aí, sim, entra o teto orçamentário. A medida veio proposta pela FIA, mas em conjunto e central para que a ‘F1 de subsistência’ fosse posta em prática. A FIA soube fazer valer os pecados de 2019 da Ferrari e seu motor adulterado para virar um histórico veto da marca italiana a qualquer decisão que freasse a possibilidade de gastos desenfreados.
Era uma FIA parceira do Liberty Media, uma FIA diferente da atual. Jean Todt teve lá seus desagravos no cabo de guerra entre F1 e FIA que dura desde sempre e vai seguir até sempre, mas os tempos foram de paz. A chegada de um novo governo, 12 anos depois, mudou o panorama. Mohammed ben Sulayem chegou com outra visão das coisas e incomodado pelas críticas sem fim da F1 à FIA pela maneira de tocar a direção de prova perto na hora de decidir o campeonato passado.
O Liberty pode ser o fiador e contar com o teto orçamentário, mas quem fiscaliza é a FIA, órgão superior que é. É ela quem recebe os relatórios descricionários das equipes, coloca na balança e conclui o que foi que aconteceu e o que deu certo ou errado.
Entra o relatório, divulgado na última semana e com atraso, sobre o trabalho das equipes em função do teto orçamentário em 2021, primeira temporada em que o sistema foi aplicado e balizou gastos na Fórmula 1.
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“A revisão dos documentos enviados foi um processo intenso e todos os competidores deram seu apoio completo para prover as informações necessárias para avaliar suas situações financeiras durante este primeiro ano de regulamento financeiro. A Administração do Teto de Gastos da FIA nota que todos os competidores sempre agiram em espírito de boa fé e cooperação durante o processo”, afirmou a Federação em nota.
A conclusão da FIA foi que a Aston Martin quebrou os procedimentos das regras financeiras, enquanto a Red Bull, campeã de pilotos na temporada passada com Max Verstappen e também do campeonato de 2022, quebrou regras de procedimentos e gastos menores acima do limite orçamentário.
Por ser o primeiro ano da aplicação do regulamento orçamentário, a FIA se limitou em apenas revisar as documentações enviadas e não realizou uma investigação formal sobre elas. A divisão de Administração Orçamentária ainda estuda a punição que será dada para as duas equipes, e que mais informações sobre serão divulgadas de acordo com as regras.
A explicação reverberada sobre a Aston Martin é que não gastou mais que o teto. Entende-se que houve um descumprimento processual relacionado a uma série de protocolos administrativos de contabilidade, resultado de variações na interpretação regulatória. Outra informação divulgada pela FIA é que a Williams teve uma quebra de procedimento prévia, mas entrou em acordo com a Administração do Teto de Gastos em maio de 2022.
O mais grave tem relação à Red Bull. “Nós recebemos o posicionamento da FIA sobre ‘pequenas brechas de gastos excedentes no teto orçamentário’ com surpresa e decepção”, respondeu a Red Bull, em nota. “Nosso relatório de 2021 estava abaixo do limite estipulado pelo teto de gastos, então precisamos revisar cuidadosamente o que foi encontrado pela FIA, já que continuamos acreditando que os custos relevantes estão abaixo do teto orçamentário de 2021”, ressaltou.
O teto orçamentário de 2021 foi fixado em US$ 145 milhões (R$ 782 milhões, na cotação atual). Para 2022, a entidade optou por reduzi-lo em US$ 5 milhões (R$ 26 milhões), mas permitiu um acréscimo de 3,1% com o campeonato em andamento por correção inflacionária. Mesmo assim, as equipes do grid, sobretudo as ponteiras (Red Bull, Mercedes e Ferrari), já fizeram várias reclamações públicas sobre como o limite de gastos compromete o trabalho de desenvolvimento do carro.
É claro que esse tipo de falta é grave, uma vez que a Red Bull foi campeã mundial de Pilotos, superando sete anos seguidos de conquistas da Mercedes. Ainda que o jornal neerlandês De Telegraaf tenha publicado que a violação financeira da Red Bull não tem envolvimento com o desenvolvimento do carro, mas teria acontecido em questões de alimentação e ausências por doenças na fábrica da Red Bull, é uma justificativa que não basta. São realidades com as quais todas as equipes têm de lidar e, ainda que seja isso, dá para dizer que todas as outras equipes destacaram um pedaço do teto para cumprir com as obrigações junto aos funcionários e, com isso, ficaram com parte menor do todo para mexer com os desenvolvimentos aos montes ao longo do ano.
A FIA não oficializou o tamanho da falta da Red Bull, mas o que se acredita é que houve uma importância menor que USS 2 milhões acima do teto. Agora, a situação pode seguir em dois caminhos: a Red Bull pode concordar com que cometeu uma pequena infração e chegar a um acordo com a Administração Orçamentária ou pode rejeitar a ideia de um acordo e, aí, seria julgada por um conselho formado por seis a 12 juízes independentes que definiriam uma punição.
O que pode ser a punição? Uma multa, uma advertência pública, uma perda de pontos no Mundial de Construtores de 2021, uma perda de pontos no Mundial de Pilotos, uma suspensão por uma ou mais corridas e limitações na possibilidade de conduzir testes ou redução no teto. É improvável que uma quebra pequena no teto acabe por custar pontos no Mundial de Pilotos — que mudaria os rumos do primeiro título de Verstappen — ou de Construtores. O pior possível para a Red Bull seria mesmo perder tempo de testes ou ter uma parcela do teto para 2023, por exemplo, cortado.
A questão é que o teto é um limite e limites têm de ser respeitados. Com relação ao respeito ao teto orçamentário, há dois tipos de equipe: as que ficam dentro dos parâmetros financeiros estabelecidos e as que não ficam. E é hora da FIA cravar o que será ou não levado a sério para o futuro. Já que faz quase um ano que o campeonato passado acabou, a definição a sobre a punição não pode demorar muito mais. A Red Bull vai pedir uma revisão, mas se a falta orçamentária for confirmada, então a categoria precisa agir de maneira enérgica para não transformar o teto de regra em sugestão para as grandes equipes no futuro.
Mudar o resultado final do Mundial de Pilotos? É um escândalo de proporções bíblicas para a F1 e para a FIA, mas abocanhar pontuação do Mundial de Construtores, talvez não tanto. O mais efetivo para uma quebra ‘pequena’? Provavelmente limitações para desenvolvimento, corte no teto relacionado a novidades aerodinâmicas e a butuca da FIA junto à equipe ao longo de um ano.
Seja como for, fato é que a FIA têm de deixar a picuinha com a F1 e o Liberty de lado neste momento se pretende voltar a trabalhar com uma relação amistosa com os parceiros. Caso não faça isso, a visão que o Liberty criou para a F1 desmorona rapidamente, e a antiga Fórmula 1 dos gastos desenfreados volta com tudo, massacrando os planos de sustentabilidade.
“Há uma violação? Concordamos com a entidade sobre a violação, e isso, como resultado, confirma a regra que todos estão obedecendo? Então, acho que o que é muito crucial agora é que a FIA aplique totalmente as regras como estão escritas agora. E, depois, a punição é uma questão diferente. Pelo menos para nós, não há dúvida sobre qual é a interpretação do que fizemos, porque há discussões contínuas com a FIA. E acho que é assim que o processo deve ser”, disse o diretor-esportivo da Ferrari, Laurent Mekies.
“Vemos muito pouco espaço para surpresas na maneira de como debatemos sem parar nos últimos dois anos [com a FIA]. Se você pensar no nível de restrições que foram impostas às grandes equipes, perceberá quanto tempo de volta haverá se você não as aplicar (regras do teto de gastos) rigorosamente. Estamos muito limitados e, portanto, qualquer milhão, qualquer descumprimento que você permitir no limite orçamentário, se transformará em alguns décimos de segundos no carro”, encerrou, já pressionando. Como a Mercedes também ensejou. É um assunto que não vai embora assim, morrendo em silêncio e no escuro.
Resta ver como será.

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