Frente pró-Lula reúne 15 partidos e vira o diferencial petista na disputa – VEJA

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Com 4,9 milhões de votos no primeiro turno (4,16% do total), a senadora Simone Tebet (MDB-MS) chegou em terceiro lugar na corrida presidencial, a despeito de toda a resistência que enfrentou em seu próprio partido e da longa disputa para se firmar como o nome da terceira via. Aconselhada por pessoas próximas a se manter distante do segundo turno entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro e guardar o capital político que conquistou para a eleição de 2026, Tebet foi rápida ao dizer que o momento não permitia que se omitisse. Anunciou apoio ao petista, deu declarações ao lado do ex-presidente e assumiu um protagonismo nesta etapa que ajuda a unificar o MDB. Respaldada pela cúpula da legenda e vista como um apoio crucial por integrantes da frente ampla que Lula busca construir, a senadora em fim de mandato já se sente à vontade para criticar os rumos da campanha, sugerindo que a candidatura tenha menos vermelho e menos PT, para passar uma imagem de amplitude à candidatura e reduzir o impacto do antipetismo. A ideia foi acatada pelo partido.
arte alianças
Antes de se tornar aliada estratégica, Tebet obteve uma importante vitória interna. Apesar de o MDB ter liberado seus quadros para apoiarem Lula ou Bolsonaro, ela teve o endosso da direção para falar como uma “liderança nacional consolidada” — assim descrita em uma nota pelo presidente da sigla, deputado Baleia Rossi. A interlocutores, Baleia lamentou não ter conseguido um apoio uníssono a Lula. Prevaleceu o entendimento de que forçar a barra provocaria reação contrária dos emedebistas próximos do bolsonarismo, principalmente no Sul. Na prática, porém, o MDB tem mantido a estrutura da campanha de Tebet para auxiliar a de Lula. O marqueteiro da emedebista, Felipe Soutello, vem se reunindo com integrantes da equipe petista, e os perfis da senadora nas redes continuam a publicar mensagens críticas a Bolsonaro.
O apoio vai ganhar outra escala nos próximos dias, quando Tebet deverá ir às ruas para pedir votos a Lula. Ela deve participar de agendas organizadas pelo PT no Rio, em Belo Horizonte e Manaus — nessa última, ao lado do ex-presidente. Já em São Paulo, onde ela teve votação superior à nacional (6,34%), não há expectativa de subir no palanque, porque o MDB apoia o bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos). Há previsão, no entanto, de que ela participe de eventos com o candidato a vice na chapa, Geraldo Alck­min (PSB), e com a deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP). Além de percorrer o país, é dado como certo que a nova aliada aparecerá também no horário eleitoral de Lula.
A aproximação com o ex-presidente, no contexto da formação de uma frente anti-Bolsonaro, tem sido encarada por lideranças emedebistas como uma oportunidade de reconciliação entre os dois partidos. O MDB teve a Vice-Presidência nas duas gestões de Dilma Rousseff, até a ruptura causada pelo impeachment e pela ascensão de Michel Temer — que, aliás, não declarou em quem vai votar. O apoio do partido é importante para um eventual governo Lula porque o MDB elegeu a quarta maior bancada da Câmara (aumentou o número de deputados de 37 para 42) e terá a terceira maior no Senado (dez parlamentares), além de governadores como Helder Barbalho, no Pará, o campeão nacional de votos no primeiro turno (reeleito com 70,41%) e que declarou apoio a Lula.
A extensão, mesmo que informal, da aliança em torno de Lula não foi só em direção ao MDB. A candidatura ganhou também o apoio do PDT (embora Ciro Gomes esteja ausente da campanha), do Cidadania (que apoiara Tebet) e de lideranças do PSD em vários estados, como o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Além disso, embora o PSDB esteja fragmentado, Lula recebeu a adesão de lideranças históricas, como o ex-presidente FHC e os senadores José Serra e Tasso Jereissati. Os dois primeiros foram adversários de Lula em campanhas presidenciais, o que reforça o simbolismo político dos apoios. Com isso, a barca lulista, que já navegava com dez partidos, tem hoje ao menos quinze legendas envolvidas com a sua candidatura.
Afora o mundo político, a campanha vem conseguindo o embarque também de um amplo leque de economistas, advogados, empresários e outros representantes da sociedade civil. Um dos mais recentes acenos foi o encontro que reuniu em São Paulo uma variedade de nomes, como o economista André Lara Resende — um dos pais do Plano Real —, a herdeira do grupo Itaú Neca Setubal, o empresário Paulo Marinho — suplente do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) — e associações de defesa da educação. Para as próximas semanas, vem sendo negociado ainda um encontro com os outros três “pais” do Plano Real, que já declararam apoio: Persio Arida, Edmar Bacha e Pedro Malan — além de Arminio Fraga e Henrique Meirelles. Os responsáveis por aglutinar os apoios têm sido Marina Silva, Alckmin e os petistas Fernando Haddad e Aloizio Mercadante. Para coordenadores da campanha, a ampliação de apoios das mais diversas origens é uma boa estratégia. A declaração de FHC foi considerada um trunfo — em breve, deverá ser divulgado um vídeo do encontro dele com Lula. “São três coisas fundamentais para a vitória. Primeiro, é continuar nas ruas, como o presidente está fazendo. Segundo, potencializar cada vez mais as adesões que temos recebido, como a de FHC. E, terceiro, calibrar o desempenho nos debates”, diz o deputado José Guimarães (PT-CE).
O apoio do batalhão “liberal” de economistas é visto como a cereja do bolo, mas também acende o alerta sobre o tipo de desafios que um eventual governo “Lula 3” terá para acomodar a miríade de partidos e visões distintas sobre os problemas e as soluções para o país. O ex-presidente, por exemplo, tem se posicionado firmemente contra o teto de gastos, enquanto o “time dos sonhos” que almeja na Economia é categoricamente contrário ao fim da limitação do crescimento das despesas públicas. A expectativa é que, até novembro, não haja nenhum anúncio sobre a escolha de ministros, o que poderia ajudar a clarear a futura divisão de poder e os rumos de um eventual governo. Alguns candidatos, porém, são ventilados, como a própria Tebet, que, com trânsito no agronegócio, refratário ao petismo, é vista como um nome promissor para a Agricultura.
Além do significado político, a pergunta que se impõe é quanto essas adesões de última hora podem se traduzir em ganho eleitoral. Alianças e apoios heterogêneos não significam transferência automática de votos. O eleitor leva em conta uma série de aspectos, como questões econômicas, morais e religiosas, na hora de decidir em quem votar. Em 2002, Lula venceu o primeiro turno com 39 milhões de votos, contra 19 milhões de José Serra (PSDB). Mesmo com o apoio de Anthony Garotinho (então no PSB) e Ciro Gomes (no PPS), terceiro e quarto colocados e que tiveram juntos 25 milhões de votos, o petista fechou o segundo turno com 52 milhões de votos. O tucano recebeu 33 milhões.
Uma possibilidade que pode ajudar a atrair o eleitor é apostar na incorporação de projetos dos ex-adversários. Lula aceitou cinco propostas de Tebet, entre elas zerar as filas na educação infantil e no SUS, criar uma poupança para quem termina o ensino médio e garantir a igualdade racial e de gêneros. Com Ciro, o petista se comprometeu com a renegociação de dívidas, educação básica em tempo integral e programa de renda mínima. “O apoio da Tebet é mais importante, pois ela foi a que mais se destacou, não pelos ataques, mas pelo seu posicionamento”, diz Paulo Ramirez, coordenador do curso de pós-graduação em filosofia política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
A formação de uma ampla frente suprapartidária para tentar derrotar Bolsonaro emula a complexa aliança política que levou a esquerda ao poder em Portugal em 2015 e que ficou conhecida como “geringonça” — não por acaso, aliás, o termo já foi usado por lideranças do PT como Aloizio Mercadante e Tarso Genro e aliados como o PSOL. Naquele ano, o Partido Socialista, de centro-esquerda, liderado pelo primeiro-ministro António Costa, se uniu a três siglas de extrema esquerda para derrubar o gabinete de centro-direita que governava o país. O bloco, no entanto, foi se esfacelando, com divergências variadas entre seus líderes, e acabou em 2021, quando parte dele se uniu a partidos de direita para votar contra o Orçamento do governo. Na “geringonça” de Lula, por enquanto está cabendo de tudo. As adesões vão do americano Connor Kennedy, sobrinho-neto de John Kennedy, ao humorista Marcelo Madureira, ex-Casseta (que já foi ferrenho crítico de Lula), passando por Roberto Freire, presidente do Cidadania, que disse a VEJA que Lula é “corrupto” e não é “exemplo de democrata”. Inegável trunfo político nesta fase da disputa, a “geringonça” brasileira precisa se provar ainda em termos de eficácia eleitoral e de governabilidade no caso de uma vitória.
Publicado em VEJA de 19 de outubro de 2022, edição nº 2811
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