Futebol e funk para a reconstrução da Nação. – UOL Esporte

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018. Colunas na Folha: https://blogdojuca.uol.com.br/lista-colunas-na-folha/
07/12/2022 08h28
POR RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO
Está virando moda a publicação de cartas abertas ao Presidente eleito, provenientes das mais distintas e qualificadas origens: umas com ideias técnicas e estruturadas, outras com desejos pessoais.

Assim, de Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, expoentes da inteligência econômica do país, ao escritor e jornalista Marcelo Rubens Paiva, tenta-se comunicar, ou melhor, comunica-se, por aquelas vias, com o futuro Poder Central.
O momento é adequado, pois, além do processo de transição em curso, arquitetam-se, a partir e ao redor de Lula, projetos e políticas que marcarão (ou não) o seu terceiro (e mais importante) mandato.
Paralelamente, também é o momento de revisar desacertos que acompanham, de algum modo, a história da Nova República, em especial relacionados à falta de percepção da relevância e de apoio às expressões essencialmente populares, que deveriam se tornar, a partir de políticas de Estado, atividades essenciais – e produtos, a um só tempo,de exportação e de afirmação do País (soft power).
Por esses motivos, aí vão mais alguns pitacos, para coleção dos milhares que o futuro Presidente deve receber, diariamente.
Refiro-me ao futebol e à música das comunidades e suas variantes – temas, parece-me, que o empolgam.
Sobre o primeiro, não se demanda muita atenção para identificar o tamanho do investimento que um país outrora desconhecido, como o Catar,empreende, no futebol, para se tornar um destino turístico e cultural – e, assim, criar fontes alternativas à exploração do petróleo.
Os Estados Unidos também tentam, desde o projeto NY Cosmos (que reuniu Pelé e Beckenbauer nos anos 1970), e mais recentemente com a iniciativa de tornar as ligas locais interessantes a jovens promessas e jogadores consagrados em fim de carreira (como Kaká e David Beckham), participar da festa para, então, impor meios de comandá-la.
Há não muito tempo, a China, mais longeva das potências mundiais, tratou de estimular o desenvolvimento da atividade, integrando aoambiente local jogadores estrangeiros, para, com eles, absorver conhecimento e difundi-lo internamente, em processo que visa (ou visava), no longo prazo, a dominação.
O Brasil, enquanto isso, único penta campeão mundial, único país relevante que ostenta mais de 20 times com mais de 1 milhão de torcedores, país cujos jogadores representam aproximadamente 11% das negociações mundiais e país de Pelé (dentre vários outros atributos), jamais concebeu uma política voltada à formação de uma atividade de base, viabilizadora do acesso de milhares (ou milhões) de crianças à escola, ao mercado de trabalho e ao protagonismo social e econômico.
Basta assistir à série Funkbol, produzida pela Kondzilla e disponibilizada na plataforma Prime Video, para entender que o esporte é uma das duas únicas formas de esperança de crianças que carregam, sobre seus ainda frágeis ombros, todo o peso das desigualdades que assolam seus antepassados.
O torcedor que acompanha a Copa do Mundo, esbanjando eventualmente centenas ou milhares de reais em festas caríssimas, não costuma ter ideia, ou sensibilidade, do duro percurso empreendido por quase todos os jogadores que representam o país, como Antony que, há três anos, morava, como se ouve na mencionada série, em uma favela e, segundo ele, sonhava em se profissionalizar para oferecer casa para mãe, tia e irmãos.
A segunda esperança, também retratada na série, consiste na música das periferias, da população que não tem conexão, ao menos na origem, com a bossa nova, a MPB ou outros movimentos ou ritmos que nasceram (ou nascem) em níveis sociaisintelectualizados (e não há, aqui, crítica; apenas uma constatação).
Assim, o possível impacto econômico e social da estimulação do rap, do trap e, em especial, do funk, como indústrias transformacionais, passa longe de ser percebido pelo establishment.
Esses segmentos ainda se desdobram em diversos produtos, por via do audiovisual, como se demonstra, por exemplo, o sucesso de mais uma iniciativa de Kondzilla, consistente na série Sintonia, disponibilizada na Netflix, que se tornou a produção brasileira com maior público da plataforma.
A música, ao contrário do futebol, talvez não tenha, com algumas exceções, vocação à internacionalização; mas se insere num ambiente e num mercado relevante, formado por dezenas de milhões de brasileiros.
Pois bem.
O sucesso de alguns poucos jogadores ou funkeiros advém, em regra, deles próprios, de seus familiares ou de pessoas ao redor que os projetam e, eventualmente, bancam. Não há política pública ou ação privada voltada a essa gente que, depois, quando atinge o sucesso, é cobrada para atuar socialmente.
Transfere-se (ou se imputa), pois, um dever do Estado àquelas pessoas que, desde cedo, foram desafiadas a resolver o problema da desigualdade, em seu entorno.
Suas ações deveriam, quando o caso, integrar um sistema, não como solução, mas como complemento de projeto maior, instituído para promover a transformação geral, a partir de políticas públicas, e não de ações isoladas e ou voluntárias.
Daí a oportunidade de criação, no país, no plano do futebol, de espécie de “futewood” e, da música, de outra espécie de “funkwood”.
Se os norte-americanos se infiltraram em todos os países e em todas as televisões por intermédio de Hollywood, e a Coréia do Sul pretende se afirmar, culturalmente, pelo K-pop, o governo brasileiro pode – ou deve – inserir no seu projeto de Nação a música que nasce na periferia e ferve em todo território, bem como ressignificar o futebol, instrumento de inserção social e desenvolvimento econômico, no plano interno, e de afirmação cultural do país, no externo.
Aí estão, pois, os meus pitacos ao Presidente Lula.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
Juca Kfouri
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