Futebol que se joga caminhando busca se tornar esporte oficial – UOL
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Maria Célia Oliveira, 75, joga futebol andando. Se na infância era tida como “café com leite”, quando sua participação no jogo era desconsiderada pelos meninos na rua, agora é uma das melhores do time de longevos atletas.
“Em casa eram 11 filhos, sempre tinha duas ou três bolas. Eu só entrava no jogo porque era a dona da bola, pois diziam que mulher não nasceu para o futebol“, diz a aposentada que treina no Núcleo Walking Football Brasil, em São Paulo.
“Com minha idade, é difícil ver mulher jogando bola, pois somos vistas como donas de casa, para cuidar de neto, mas eu não penso assim.”
Na modalidade adaptada, recentemente introduzida no Brasil e voltada a pessoas com mais de 60 anos, é proibido correr e tomar a bola do pé do adversário. O contato físico e o tempo de jogo são reduzidos, o que diminui chances de queda ou lesão.
“Atividade física com idoso não é simplesmente fazer algo leve. Precisa saber atuar com quem tem diabete, hipertensão, osteoporose, problemas de locomoção”, afirma Demerval de Souza, 52, professor e diretor técnico da Walking Football Brasil (WFB), organização que trouxe o esporte do Reino Unido para cá.
E, ao apito do professor, os passes e chutes a gol confirmam: nem Maria Célia nem ninguém ali é café com leite.
As aulas acontecem em núcleos de convivência para idosos, em parceria com entidades como a Liga Solidária, em São Paulo, Guarulhos, Cajamar e Itapevi (SP). Pelo menos 600 pessoas já participaram das atividades, que combinam a prática com indicadores de saúde e bem-estar.
“O esporte mexe com memória, equilíbrio, coordenação motora e fortalecimento de membros inferiores”, explica Souza. “Eles têm que pensar nos movimentos em quadra, onde estão seus colegas de time, os adversários, o que precisam fazer com a bola.”
A Walking Football criou uma trilha metodológica e um modelo de mensuração do desenvolvimento do esporte e dos participantes. A cada três meses, os longevos atletas são examinados. E os resultados vão além da evolução física.
“Há interação com pessoas da nossa idade, nos divertimos. Além da melhora no condicionamento, esquecemos as dores e os problemas”, diz Hideko Uekai, 83, que só se interessava por futebol durante a Copa do Mundo.
Ela representa os 80% de mulheres que participam das aulas, contra 20% de homens. Isso porque os núcleos de idosos são bem mais frequentados por elas, uma vez que os homens abandonam os exercícios na maturidade.
Modalidade esportiva é regulada pela Walking Football Brasil no país
Segundo pesquisa Datafolha de 2017, menos de 2% dos idosos brasileiros jogam bola. A porcentagem cai a zero para aqueles com mais de 80 anos.
Caso de Moacir Martins, que não imaginava que pudesse voltar ao esporte com 71 anos. “Eu me sinto orgulhoso, pois meu corpo voltou a ser elástico. Não vejo o dia de chegar sexta-feira, transbordo de alegria”, diz ele.
Outro objetivo da WFB, que dissemina e regula o esporte no país desde 2019, é promovê-lo de forma oficial. Uma convocatória deve formar 300 professores em 2023.
“A ideia é levar a modalidade para as cinco regiões do país, com clubes, campeonatos e eventos nacionais”, diz Ricardo Leme, 46, fundador e diretor-executivo da Walking Football Brasil.
Tarefa que se soma à missão de quebrar tabus com a prática do futebol que se joga caminhando.
“Por mais que seja inclusivo, o esporte enfrenta preconceito etário e machismo. Simples não é, mas nascemos com olhar de impacto social, de cuidar para que pessoas que nunca jogaram futebol possam praticá-lo”, diz Leme.
Ele mesmo só se aproximou da modalidade depois dos 40 anos. “Eu era o último a ser escolhido.”
A WFB utiliza leis de incentivo ao esporte e fundos municipais do idoso para financiar seus projetos. Mas o investimento de empresas em envelhecimento ativo é restrito.
“Ainda há um entendimento de que idosos só precisam de instituições de longa permanência [antigos asilos] ou ações sociais, mas há uma parcela imensa que precisa de atividades educativas e de lazer, pois vamos envelhecer cada vez mais“, diz ele.
Para se consolidar como referência no país, a organização conta com parcerias como o programa Voa, da Ambev.
“Eles atingiram a maior parte das ações que havíamos traçado e agora estão colhendo os frutos desejados”, diz Amanda Fagundes, gerente jurídico da Zé Delivery e mentora da WFB no programa. “É um projeto lindo que preza por inclusão, saúde e respeito.”
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