Josias de Souza – Lula precisa acender a luz sobre o balcão da transição antes que seja tarde – UOL Confere

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na “Folha de S.Paulo” (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro “A História Real” (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de “Os Papéis Secretos do Exército”.
Colunista do UOL
05/11/2022 05h25
Aconteceu mais cedo do que se imaginava. As urnas ainda nem esfriaram e operadores políticos de Lula já abriram negociações com a banda fisiológica do Congresso. Enquanto Bolsonaro se tranca em seus rancores, o centrão se abre para experiências seminovas. O grupo está de novo no noticiário, pela enésima vez, pleiteando, pedindo, querendo… Prepostos de Lula, em diálogos subterrâneos com Arthur Lira, revelam disposição para jogar o velho jogo. Nos próximos dias, o próprio Lula fará um giro por Brasília. Convém acender a luz.
No debate presidencial promovido pelo pool UOL, Folha, Band e TV Cultura, questionei Lula e Bolsonaro sobre a relação com o Congresso. Perguntei como fariam para obter governabilidade a partir de 2023 sem comprar apoio legislativo, como fizeram com o petrolão e o orçamento secreto, respectivamente. A resposta de Bolsonaro foi imprestável. Mas perdeu a relevância. Lula absteve-se de falar sobre o petrolão. Incluiu no seu lero-lero apenas a perversão da gestão do rival. Vale a pena rememorar o que disse o agora presidente eleito:

“Um presidente da República, quando ele é eleito, ele governa e lida com o Congresso que foi eleito. Quem elegeu o Congresso foi o povo brasileiro. Se os deputados são bons ou não, o povo brasileiro tem responsabilidade porque indicou. Eu vou tentar confrontar essa história do orçamento secreto. Eu vou tentar criar o orçamento participativo […]. Nós vamos pegar o orçamento e vamos mandar para o povo dar opinião, para saber o que ele quer e o que seja feito, para a gente diminuir o poder de sequestro que o centrão fez com o presidente Bolsonaro”.
No momento, discute-se em Brasília a reformulação da proposta de orçamento federal para 2023. O texto enviado por Bolsonaro ao Congresso é inaceitável. Nele, reservaram-se R$ 19 bilhões para as emendas secretas do orçamento paralelo dos congressistas. Mas faltou dinheiro para manter o Bolsa Família de R$ 600 a partir de janeiro. Falta verba também para pagar coisas tão essenciais quanto merenda escolar, Farmácia Popular, saúde indígena, fiscalização ambiental, manutenção de estradas e um interminável etcétera.
Ainda não se ouviu em Brasília nenhuma voz petista disposta a “questionar essa história de orçamento secreto.” Nem sinal, por ora, dos defensores do “orçamento participativo”. Na primeira semana após a contagem dos votos, Lula descansou numa praia baiana. E seus operadores incluíram nos planos da transição as conversas com a banda bandalha do Congresso. Alega-se que o novo governo precisa de 308 votos na Câmara e 49 no Senado para aprovar antes da posse de Lula a PEC da transição, como foi batizada a emenda constitucional que promoverá os remendos emergenciais no orçamento para 2023.
Em meio a conversas sigilosas e conchavos nebulosos, o orçamento do Brasil virou uma encrenca alagoana. O senador Renan Calheiros, incomodado com o diálogo cordial do petismo com Arthur Lira, seu adversário na política de Alagoas, levou os lábios ao trombone. Considerou “um erro político recorrer ao centrão na semana seguinte à eleição.” Aliado tradicional de Lula, disse que “não podemos repetir velhos erros.”
Renan sugeriu que, em vez de elaborar uma PEC, a equipe de transição deveria pleitear autorização do Tribunal de Contas da União para injetar as promessas de campanha no orçamento por meio da abertura de créditos extraordinários. Com isso, Lula resolveria o drama emergencial sem ceder às “chantagens” do centrão. Poderia se concentrar na costura de uma base congressual para os próximos quatro anos. “Precisamos construir uma frente partidária sólida, com 51 senadores e 312 deputados, para eleger o presidente da Câmara, do Senado e para aprovar as reformas necessárias”, lecionou Renan.
A discussão conjuntural é bizantina. Com PEC ou com MP, o Congresso não tem como sonegar ao Brasil a aprovação dos ajustes de um orçamento que teria que ser modificado mesmo se Bolsonaro tivesse prevalecido nas urnas. Que congressista teria a desfaçatez de votar contra a continuidade da renda mínima de R$ 600? Quem ousaria defender no plenário que as escolas continuassem servindo bolachas na merenda? Qual deputado ou senador votará contra o fornecimento de remédios baratos à clientela da farmácia popular?
Enquanto o debate é incendiado por um inusitado fator alagoano, perde-se a noção do essencial. Políticos de todos os quadrantes aceitam a premissa de que Lula precisa aumentar os gastos e furar o teto de gastos em 2023 para atender compromissos eleitorais como o Bolsa Família turbinado e o reajuste do salário mínimo. Entretanto, a licença para gastar impõe certos compromissos ao presidente eleito.
Passada a fase de campanha, Lula precisa, por exemplo, divulgar o nome de um ministro da Fazenda capaz de fixar os parâmetros fiscais do novo governo. A plateia ignora os detalhes técnicos que se escondem atrás do debate sobre a falência da regra do teto de gastos na administração pública. Mas qualquer criança de cinco anos perceberá o drama fiscal quando o aumento do déficit e da dívida pública bater no orçamento doméstico na forma de inflação alta, juros escorchantes e trabalho escasso.
De resto, Lula deveria se recordar das perversões pretéritas para tentar evitar escândalos futuros. Nas articulações sobre a governabilidade, a política costuma se desenvolver em duas dimensões. Numa, as negociações ocorrem na arena pública, sob a luz do Sol. Noutra, os interesses são trançados no escurinho.
Durante a campanha, Lula chamou o orçamento secreto de “maior bandidagem já feita em 200 anos.” Acusou Arthur Lira de “comprar os votos dos deputados” com o propósito de fazer “desgraceiras”. Agora, enviados do presidente eleito tricotam com Lira em conversas reservadas. O próprio Lula desembarcará em Brasília para cumprir uma agenda que incluiu encontro com Lira e assemelhados.
Tudo é muito lindo e necessário. Sem fazer política, nenhum governo sai do lugar. Mas falta responder com clareza algumas perguntas singelas. Neste novo capítulo do velho toma lá, dá cá, o que a turma do centrão quer tomar do futuro governo? O que Lula se dispõe a dar? Para elucidar as dúvidas, seria conveniente acender a luz. Ficaria mais fácil descobrir se, além dos remendos orçamentários emergenciais, há sobre o balcão reformas e políticas públicas essenciais.
A boa notícia é que o fisiologismo no Congresso não aumentou depois das eleições de 2022. Continua nos mesmos 100%. A má notícia é que o centrão —esse aglomerado político que é contra tudo ou a favor de qualquer outra coisa, desde que paguem o seu preço— não abre mão dos R$ 19 bilhões já reservados para as emendas secretas no orçamento de 2023. A péssima notícia é que os operadores da transição já não consideram absurda a hipótese de manter no ano que vem aquilo que Lula chamou de “maior bandidagem”. Convém acender a luz.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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