Jovens são resgatados da escravidão em clube de futebol durante a … – UOL Confere

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em países como Timor Leste e Angola e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). Diretor da ONG Repórter Brasil, foi conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão (2014-2020) e comissário da Liechtenstein Initiative – Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos (2018-2019). É autor de “Pequenos Contos Para Começar o Dia” (2012), “O que Aprendi Sendo Xingado na Internet” (2016), ?Escravidão Contemporânea? (2020), entre outros livros.
Colunista do UOL
28/12/2022 10h31
Durante o período em que as atenções do mundo estavam na Copa do Qatar, ou seja, de 20 de novembro a 18 de dezembro, 235 trabalhadores foram resgatados de condições análogas às de escravo em 26 operações realizadas no Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima e Rio Grande do Sul. Entre eles, adolescentes escravizados sob a promessa de um emprego no futebol.
Sete jovens de 15 a 23 anos de famílias pobres do Pará, Minas Gerais e Santa Catarina, aliciados por “olheiros” que prometiam oportunidade de formação e profissionalização no Levi Futebol Clube, em Teutônia (RS), foram vítimas de tráfico de pessoas e escravidão contemporânea. A operação foi realizada pela Inspeção do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, a Vigilância em Saúde do Trabalhador e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social.

Alojamento, alimentação, estrutura para treinos, participação no Campeonato Gaúcho e contratação em clubes expressivos faziam parte das promessas. Contudo, além de pagar uma taxa ao “olheiro” e ao clube e bancar seu deslocamento até o município, eles mesmos tinham que arcar com R$ 700 por mês por alojamento, alimentação e treinamento. Os maiores de 18 anos que não possuíssem condições financeiras, eram encaminhados para trabalhar em fábrica de calçados ou frigorífico da região.
De acordo com relato da auditora fiscal do trabalho Lucilene Pacini, que coordenou a ação, a alimentação era inadequada e preparada, por vezes, pelos próprios adolescentes, bem como a limpeza do alojamento. A cozinha tinha alimentos estragados. “Quando o atleta se machucava, tinha que arcar com os custos do tratamento médico”, disse.
A associação responsável pelo clube foi notificada a pagar verbas rescisórias e devolver os valores cobrados aos jovens, totalizando R$ 38.728,95. Eles também receberão três parcelas do seguro-desemprego destinado a vítimas da escravidão e receberam passagens para voltar às suas casas.
A coluna tentou uma posição com a Associação Formando Cidadãos e Atletas para o Futuro Levi Futebol Clube, mas não teve sucesso.
Entres os 235 resgatados na Copa estavam principalmente trabalhadores em atividades rurais, dentre elas, produção de carvão, atividade em pedreiras, extração de carnaúba e de palha para produção de cigarros, cultivo de hortaliças, de soja e de laranja. Mas também foram encontrados pessoas na construção civil, no trabalho doméstico e na exploração sexual.
Uma operação em Roraima resgatou 15 trabalhadores, dentre eles migrantes venezuelanos, em um canteiro de obras de reforma de uma ponte. Um deles, um adolescente, calejado e descalço, trajava uma camiseta suja do Brasil e bermuda, segundo os auditores fiscais do trabalho. A ação fiscal que o resgatou iniciou-se no dia 10 de dezembro, um dia após a eliminação do Brasil da Copa do Mundo pela Croácia.
Eles estavam alojados em um barracão de madeira, com piso de terra com cascalho, coberto por uma lona azul, sem paredes nem portas que os protegessem integralmente das fortes intempéries amazônicas. As condições de higiene eram péssimas e não haviam instalações sanitárias.
Em outra ação, também em Roraima, trabalhadores aliciados em São Gonçalo do Amarante (RN) quebravam pedras para fabricação de paralelepípedos, utilizados em obras de construção civil. Alguns dos trabalhadores resgatados estavam no local há quase dois anos, sem direito a descanso. Como estratégia para retenção das vítimas no local de trabalho, somente a passagem de vinda era custeada pelo empregador.
Duas profissionais do sexo foram vítimas de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e de trabalho análogo à escravidão em Itapuã, região administrativa de Brasília. Oriundas do Ceará, elas estavam trabalhando em um bar e foram resgatadas pela Inspeção do Trabalho com a ajuda da Polícia Civil e acolhidas pela assistência social.
Aliciadas com falsas promessas de boa remuneração, elas já chegaram com a dívida da passagem de ônibus, que era, então, comprada por uma das responsáveis pelo bar. Ou seja, foram literalmente vendidas.
“Além de terem sido vítimas de tráfico de pessoas para exploração sexual, as duas mulheres estavam submetidas a todas as modalidades de trabalho análogo à escravidão: trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes e restrição de liberdade por servidão por dívida”, afirmou o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), Maurício Krepsky.
De acordo com ele, houve situações em que elas foram dormir às 4h após o último programa e acordadas pelas empregadoras às 5h para atenderem novos clientes. A principal responsável está foragida e conta com mandado de prisão em seu nome.
Em mais um caso durante a Copa, uma empregada doméstica de 59 anos foi resgatada, em São Gonçalo dos Campos (BA), após trabalhar por quase 35 anos no mesmo local sem nunca ter recebido salário ou qualquer direito trabalhista. Houve relatos de maus tratos e violências psicológicas.
O resgate foi coordenado pela Inspeção do Trabalho na Bahia e contou com a participação do Ministério Público do Trabalho, da Defensoria Pública da União, da Polícia Militar da Bahia e do Serviço de Assistência Social do Estado.
Os patrões fizeram algumas contribuições previdenciárias em nome da empregada e, com isso, conseguiram aposentá-la judicialmente por invalidez. Mas o salário mínimo ficava com a família, passando a ela eventualmente R$ 50 ou R$ 100 por mês para higiene pessoal e vestuário.
Familiares da vítima e vizinhos confirmaram que ela era tratada como empregada doméstica pelos moradores da casa e não como um membro da família.
Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
O grupo especial móvel de fiscalização, que completa 27 anos neste mês de maio e é a base no combate a esse crime no país, conta com a participação da Inspeção do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União.
Os quase 60 mil trabalhadores resgatados estavam em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, cebola, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis, entre outras atividades, como o trabalho doméstico.
O Radar SIT – Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil tem os números oficiais de trabalho escravo no Brasil. Para acessá-lo, clique aqui.
Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas, de forma remota e sigilosa, no Sistema Ipê, sistema exclusivo para denúncia de trabalho escravo, lançado em 2020 pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Leonardo Sakamoto
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