Lula deve ter lua de mel curta e aprovação mais baixa do que em outros mandatos, diz Christopher Garman – InfoMoney
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Diretor da Eurasia Group vê Lula seguindo tendência de pares da América Latina, mas acredita que presidente terá base para aprovar reformas no Congresso
Em seu retorno ao Palácio do Planalto depois de um hiato de 12 anos, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), enfrentará uma conjuntura muito distinta àquela que encontrou na maior parte do tempo em que governou o país, de 2003 a 2010. A vitória contra Jair Bolsonaro (PL), por 2,14 milhões de votos, em 30 de outubro, foi a mais apertada da história da Nova República e evidencia uma sociedade dividida, ainda em estado de profundo desencanto com a política e as instituições.
O contexto de dificuldades econômicas a nível global, as restrições fiscais acentuadas no plano doméstico e a já provada capacidade de mobilização popular do bolsonarismo podem ser ingredientes a dificultar sua gestão nos próximos quatro anos. Os recentes atritos com o mercado financeiro e as disputas por espaço entre distintos integrantes da frente ampla antes mesmo da posse evidenciam o tamanho do desafio de um governo que promete ser de um mandato só.
Para o analista político Christopher Garman, diretor para Américas da consultoria de risco político internacional Eurasia Group, o Lula III deve seguir a tendência recente observada em países vizinhos da América Latina, com luas de mel curtas e taxas de aprovação menores do que as observadas em outros períodos.
“O governo Lula tende a ter uma lua de mel curta e não vai repetir taxas de aprovação altas como vimos nos dois primeiros mandatos”, disse ao InfoMoney. “O ambiente polarizado, de difícil governabilidade perante à opinião pública, talvez coloque um teto para a aprovação dele. Eu ficaria surpreso se fosse acima de 60% [em uma métrica binária de ‘aprova’ ou ‘desaprova’]“.
A entrevista foi concedida na última terça-feira (8) ‒ antes, portanto, da derrocada dos mercados em reação ao primeiro discurso de Lula a aliados no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), QG do gabinete da equipe de transição, em Brasília, e em meio às incertezas quanto à equipe econômica e o futuro do quadro fiscal do país.
O especialista acredita que o ciclo de desaceleração da economia provocado por maior austeridade na política monetária pode contribuir para uma redução mais acelerada dos níveis de aprovação de Lula durante o primeiro ano de mandato ‒ movimento observado durante o início dos mandatos de Gabriel Boric, há oito meses na presidência do Chile, e de Gustavo Petro, presidente da Colômbia desde agosto, mas com um piso mais elevado do que a maioria dos pares da região.
“O aumento dos juros sugere que a sensação de bem estar econômico não vai continuar subindo. Os primeiros sinais para o ano que vem são de deterioração. Dado o ciclo econômico, o lado externo e o ambiente doméstico, ele deve cair ao longo do primeiro semestre para uma taxa de aprovação na casa dos 40%, em uma medida aprova/desaprova ‒ o que talvez signifique um ótimo/bom na casa de 30%”, projeta.
“É uma lua de mel curta, mas que não inviabiliza a governabilidade no curto prazo”, pondera. “Acredito que ele conseguirá construir uma maioria parlamentar. Boa parte do Congresso deve querer trabalhar com ele, ele tem condições de avançar essa agenda”. Garman aposta que Lula terá condições políticas de aprovar uma reforma tributária (ao que tudo indica, ancorada na unificação de tributos em torno de um IVA) e outra do lado fiscal, ambas fundamentais para o andamento da economia ao longo do mandato.
A Eurasia Group tem indicado a clientes riscos maiores associados à política brasileira a partir de 2024. Garman argumenta que eles estariam relacionados ao êxito ou fracasso do novo governo em equacionar promessas de campanha à necessidade de promover uma situação de equilíbrio fiscal com sinalizações de sustentabilidade da dívida pública a médio e longo prazos.
“Isso vai ser essencial para o Banco Central reduzir juros e gerar as condicionantes para a retomada do crescimento da economia no final do ano que vem e entrando em 2024. É preciso mirar para as condicionantes para recondução da economia”, argumenta. “Mas também há outros fatores que independem do governo, como qual vai ser o cenário externo. Vamos entrar em um hard landing da economia americana ou um soft landing? Os preços das commodities estarão mais elevados ou não?”.
“Lula precisa que a economia recupere no final do primeiro ano. Se não, como conciliar a pressão por mais gastos perante um ambiente de opinião pública difícil? Neste caso, os riscos para a gestão macroeconômica sobem. A mensagem que temos dado aos nossos clientes é: estamos menos preocupados com o primeiro ano. A distribuição de riscos está mais para o segundo e o terceiro anos”, aposta.
Veja os destaques da entrevista:
InfoMoney: As eleições de 2022 mostram um país dividido e com um nível de polarização inédito desde a redemocratização. Quais são suas expectativas para o novo governo? Como a resistência maior para os padrões brasileiros de parte da opinião pública pode afetar os primeiros meses de Lula?
Christopher Garman: Estamos vivendo um momento, na América Latina e na opinião pública brasileira, de governos mais fracos, luas de mel curtas e taxas de aprovação estruturalmente menores do que temos visto em outros períodos. Isso deriva de um profundo desencanto e descrédito perante o chamado “sistema”. A confiança no Poder Judiciário está baixa, [há uma] revolta com serviços públicos associada a uma classe política corrupta. Esses fatores ajudaram a eleger Bolsonaro [em 2018]. Não importa se ele compõe com o “centrão”. Perante a opinião pública, ele é visto como uma liderança que luta contra instituições do “sistema”. O fato de lutar contra a mídia tradicional, contra o Judiciário, o coloca como alguém que tem credenciais antissistema. Isso ajudou a eleger Bolsonaro, mas também é um fator que dificulta qualquer governo ter altas taxas de aprovação.
Com o impacto do choque inflacionário, casado com a pandemia, há demandas sociais importantes, há um descrédito muito grande, o que significa que as raízes do bolsonarismo são profundas. Acho que Bolsonaro tem condições de ser a principal face de oposição a este governo. Há uma base bolsonarista mais disposta a ir às ruas (público com educação mais elevada, pessoas que ganham mais de dois salários mínimos), e ele tem condições de ser candidato daqui a quatro anos.
O governo Lula tende a ter uma lua de mel curta e não vai repetir taxas de aprovação altas como vimos nos dois primeiros mandatos. Existe um exagero em olhar 49% da população é antipetista e 51% da população é progressista. Não é isso. O tamanho da base bolsonarista não é 49%. O presidente começou o ano com taxa de aprovação de 30% e foi para 45%/46% [em um modelo binário aprova/desaprova], porque a economia estava se recuperando. Foram três meses de deflação, desemprego caindo de 14% para 9%, a renda real estava se recuperando. Essa evolução é fruto da economia. E, no fundo, o normal é o governante ganhar a reeleição. Os fatores econômicos quase levaram o presidente à reeleição e vão ser igualmente importantes no governo Lula.
Esse ambiente polarizado, de difícil governabilidade perante à opinião pública, talvez coloque um teto para a aprovação dele. Eu ficaria surpreso se fosse acima de 60%, enquanto em outros períodos poderia ser maior. O teto é menor ‒ o que sugere também que, na medida em que ele entra em dificuldades, uma base mobilizada contra tem um efeito multiplicador. Em um cenário ruim, é pior porque há uma base mobilizada em um país dividido.
Lula deve começar com uma taxa de aprovação acima do que teve [de votos] nas urnas. Geralmente a aprovação sobe [após a vitória nas eleições]. Então, ele talvez comece com 55% a 60% e acredito que vá caindo, talvez em um ritmo mais acelerado ‒ não só devido ao ambiente difícil, mas também por estarmos num ciclo econômico de desaceleração da economia. O aumento dos juros sugere que a sensação de bem estar econômico não vai continuar subindo. Os primeiros sinais para o ano que vem são de deterioração. Dado o ciclo econômico, o lado externo e o ambiente doméstico, ele deve cair ao longo do primeiro semestre para uma taxa de aprovação na casa dos 40%, em uma medida aprova/desaprova ‒ o que talvez signifique um ótimo/bom de 30% e poucos.
Se olharmos para Gustavo Petro é um pouco por este caminho: começou com 56%/60% e agora está com 43% em 3/4 meses. A trajetória dele pode ser uma referência. Gabriel Boric começou com uma queda mais forte: caiu para os 30% e poucos rápido. Acho que o piso de Lula é um pouco maior. É um teto mais baixo e um piso mais alto do que algumas outras lideranças na região.
É uma lua de mel curta, mas que não inviabiliza a governabilidade no curto prazo. Acredito que ele conseguirá construir uma maioria parlamentar. Boa parte do Congresso deve querer trabalhar com ele, ele tem condições de avançar essa agenda. A preocupação que tenho com Lula não é tanto o primeiro ano, mas o segundo e o terceiro. Se a economia não recuperar, a pressão por gastos vai subir. Como ele vai conciliar essa pressão e uma posição política mais precária, sem gerar preocupação com a dívida ou sem ter que aumentar demais a carga tributária? Os trade-offs da política econômica ficam mais adversos. A distribuição de riscos de governabilidade não está no início de mandato, e mais para o final do primeiro ano e início do segundo.
IM: Os riscos, portanto, dependeriam sensivelmente do que pode acontecer nos primeiros meses de mandato. Das medidas aprovadas e condições econômicas geradas para o restante da gestão…
CG: Depende do êxito do governo em acertar esse equilíbrio fiscal: como contemplar o lado fiscal sem desancorar expectativas sobre a sustentabilidade da dívida, porque isso vai ser essencial para o Banco Central reduzir juros e gerar as condicionantes para a retomada do crescimento da economia no final do ano que vem e entrando em 2024. É preciso mirar para as condicionantes para recondução da economia.
Mas também há outros fatores que independem do governo, como qual vai ser o cenário externo. Vamos entrar em um hard landing (dura aterrissagem) da economia americana ou um soft landing (aterrissagem branda)? Os preços das commodities estarão mais elevados ou não?
Há também um debate no Brasil sobre se esse ciclo de reformas de seis anos aumentou o PIB potencial ou não. Alguns economistas acreditam que sim. A equipe econômica vem defendendo que os economistas têm errado e estão subestimando o dinamismo da economia brasileira, dado esse ciclo de reformas. Há economistas do setor privado que compram essa tese. Outros dizem ‘não, é só preços de commodities e ajuste via inflação. Não aumentamos muito o PIB potencial’.
Qual é o equilíbrio da taxa de crescimento da economia brasileira? Qual é o cenário externo? Isso, casado com o que o governo Lula fizer, vai pautar se vamos ter uma recuperação mais robusta ou não. Lula precisa que a economia recupere no final do primeiro ano. Se não, como conciliar a pressão por mais gastos perante um ambiente de opinião pública difícil? Neste caso, os riscos para a gestão macroeconômica sobem. A mensagem que temos dado aos nossos clientes é: estamos menos preocupados com o primeiro ano. A distribuição de riscos está mais para o segundo e o terceiro anos.
IM: Quando tempo o senhor imagina que dure essa lua de mel mais curta? Quais medidas seria possível aprovar durante este período? Ainda há indefinições sobre a equipe ministerial, o novo arcabouço fiscal, a saída que vai ser dada ao “waiver” do teto de gastos no Orçamento de 2023…
CG: Os primeiros passos que vão impactar expectativas do mercado são a estratégia para o “waiver” (o espaço para gastar) do teto e quem vai compor a equipe econômica. O desafio é que o PT está correndo contra o tempo, porque quer uma solução antes de Lula tomar posse, mas ele não indicou quem vai liderar a equipe econômica e a equipe. É como se o governo estivesse construindo o avião enquanto ele está decolando. A sequência não é ideal.
O governo de transição vai ter que encontrar um equilíbrio entre ver quais são as demandas prioritárias de gastos sociais sem desancorar expectativas. Nós acreditamos que o tamanho do “waiver” deve estar entre R$ 120 e 150 bilhões. E o mercado reagindo a balões de ensaio ou se o governo sai com uma estratégia que é mal recebida no mercado, isso acaba influenciando ajustes ao longo do caminho. Até por não estar com uma equipe totalmente pronta e com técnicos, pode haver ajustes… Qualquer anúncio pode sofrer ajustes ao longo do caminho. Talvez anunciem uma PEC com algum limite, dificuldades políticas ou de mercado, e mudem para um plano B, com uma solução via TCU ou qualquer outra.
É um cenário de construção. É natural que tenhamos ruído. Mas o importante é que encontrem um equilíbrio e não desancorem expectativas com esse “waiver”. No primeiro ano de governo, os primeiros seis meses vão ser importantes. Duas reformas vão ser bastante relevantes: a nova regra fiscal, se eles forem por este caminho; e uma reforma tributária. Acredito que a combinação das duas vai pautar se sinaliza o controle da dívida ao longo do tempo e se há algo positivo do lado da agenda de produtividade.
A estrela das reformas no governo Lula, em termos de produtividade deve ser a unificação do IVA. Há duas propostas (PECs 45 e 110) bem elaboradas e maduras, os governadores estão a favor. Existe um trabalho que pode ser construído em cima disso. Uma reforma do IVA, na nossa visão, sai. Isso é uma boa notícia, dadas as ineficiências do sistema tributário.
E, claro, vai ter uma perna mais de taxar riqueza, que é o lado progressivo. Isso pode gerar mais preocupação do setor privado, inclui taxação de dividendos e juros sobre o capital próprio. A cabeça do governo de transição é: aumentar a taxação de riqueza e reduzir a carga em outro lugar.
A qualidade dessas duas reformas, fiscal e tributária, vai pautar o êxito neste início de governo. Acho que o governo Lula tem condições de fazer as duas.
Mesmo que a taxa de aprovação caia, mesmo se houver uma lua de mel mais curta perante a opinião pública, não vai ser um governo muito impopular no primeiro semestre. Talvez caia de 50% e pouco para 40% e pouco, mas evidentemente ele tem condições de negociar no Congresso ‒ até porque isso é interesse de certos parlamentares, há interesse dos estados. Uma reforma do IVA não depende de um presidente muito forte.
O lado da reforma fiscal, acomodando mais gastos, dá para negociar. Não é um Congresso intrinsecamente fiscalista. É uma negociação difícil, mas há condições. É mais difícil no Senado do que na Câmara, mas dá para avançar.
IM: O IVA seria o caminho da reforma tributária. E no campo fiscal, qual seria a aposta? Durante a campanha, muito se falou sobre o uso de metas de resultado primário…
CG: É cedo para dizer. Vai depender de quem vai ser o ministro e a nova equipe. Há debates dentro do PT sobre os parâmetros, se é meta primária, teto diferenciado, ajuste do teto ou combinação dessas opções.
Há discussões que avançaram, mas realmente é uma discussão que só vai conseguir ser encaminhada com a nova equipe econômica e as indicações que vão ser feitas. Acredito que isso será elaborado no início de governo ‒ imagino que depois do carnaval, passadas as eleições para as presidências da Câmara e do Senado e as indicações para ministérios, talvez seja o momento em que qualquer proposta possa sair do lado fiscal.
IM: As discussões sobre o “waiver” do teto de gastos e a próxima equipe econômica estão conectadas e no centro das atenções do mundo político e do mercado. Qual é sua percepção sobre o limite aceitável para agentes econômicos?
CG: Se é um nome mais respeitado pelo mercado, há mais gordura para gastar mais sem preocupação. Se não é um nome que gere credibilidade de imediato, vão ficar de olho na equipe. Maior credibilidade, mais folga [fiscal]. Acho que existe um reconhecimento de que é difícil não haver um “waiver” de R$ 100 ou 120 bilhões, está incorporado. Entre R$ 120 e 150 bilhões, que é o nosso número na Eurasia, é um equilíbrio para não desancorar [expectativas]. Se subir muito além de R$ 150 bilhões, começa a ser visto como sinal ruim e pode impactar expectativas.
Mas não é um buraco sem fim. Se fizer isso e compensar com uma regra mais crível do lado fiscal ou [o anúncio da] equipe econômica… É um jogo de várias etapas, mas de R$ 150 bilhões a R$ 200 bilhões preocupa. Acima de R$ 200 bilhões, [preocupa] bastante. São graus [de preocupação]. Depende um pouco das outras decisões e sinalizações que virão.
IM: Governos de frente ampla têm um desafio permanente de coordenação, dada a pluralidade de vozes, interesses e forças políticas envolvidas. No caso de Lula, o presidente eleito já sinalizou que não tentará a reeleição, o que deve abrir uma disputa precoce por espaços na coalizão. Quais seriam os gatilhos de maior risco para o funcionamento orgânico desta frente ao longo do mandato?
CG: Do lado macroeconômico fiscal, se há um waiver de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões, é possível conciliar esse amplo arco. Dá para compor mais gasto social, alguns gastos de investimentos. Não existe um conflito inerente entre a equipe econômica e esse lado mais à esquerda. Há um lado de coordenação, que fica mais difícil, mas ao mesmo tempo estamos em um processo de consolidação do sistema partidário, que facilita um pouco. Então, acho que [a governabilidade] é manejável. Não vejo esse arco de aliança como algo que não pode ser manejado. Se não solucionarem o “waiver” do teto antes de entrarem e derem sinais de credibilidade lá na frente, essa dificuldade de conciliação se exacerba: a aprovação cai, cresce a pressão por mais gasto… Por isso, é o ano dois que me preocupa, não o ano um ‒ até mesmo na conciliação de agenda.
IM: O senhor poderia detalhar os riscos vislumbrados para o segundo ano de mandato e os cenários de estresse avaliados pela Eurasia Group?
CG: A qualidade da política macroeconômica pode deteriorar se o governo tiver uma combinação de popularidade baixa e falta de crescimento da economia. Neste caso, o governo pode tentar apaziguar preocupações e demandas políticas, seja com mais gastos (que geram preocupação com a dívida), seja com a qualidade da política industrial, com o possível uso mais agressivo de empresas estatais, uso de bancos de desenvolvimento, políticas mais intervencionistas no campo regulatório.
A qualidade das políticas fiscal e industrial podem se deteriorar se o governo se sentir politicamente encurralado com pressões maiores. Não é um processo dramático, mas uma deterioração da qualidade da política econômica, que pode minar o potencial de crescimento. A distribuição de riscos também vai depender muito do cenário externo e a trajetória da recuperação da economia brasileira na entrada do segundo ano de governo.
IM: Alguns parlamentares reclamam que o debate sobre a PEC da transição tem dado mais capital político a Arthur Lira (PP-AL) na busca pela recondução à presidência da Câmara dos Deputados na próxima legislatura. Qual é sua avaliação sobre o cenário para as disputas pelo comando das duas casas e como isso pode influenciar o mandato de Lula?
CG: Aliados de Lula que não querem o fortalecimento de Lira ficaram incomodados. Renan Calheiros é a voz maior disso. Mas a tendência é o PT acomodar e trabalhar com Lira. O presidente eleito não parece estar interessado em comprar uma briga que não tenha convicção de que vá ganhar.
No caso da PEC, acho que a equipe [de Lula] está trabalhando com dois cenários: plano A, de uma PEC; plano B, algum mecanismo extraconstitucional de liberação via TCU ou Supremo que possa permitir algum tipo de “waiver” ou gasto essencial. Eles vão trabalhar os dois simultaneamente. E [o caminho] também vai depender das dificuldades políticas no Congresso e da reação do mercado. O plano A permanece PEC, acho que dá para viabilizar. Mas é uma manobra não trivial em um espaço curto de tempo. Então, temos que ter certa cautela com a leitura de anúncios.
IM: Analistas dizem que a situação no Senado Federal é mais complexa para Lula, tendo em vista o fortalecimento do bolsonarismo nas últimas eleições. Como o senhor interpreta a nova composição das duas casas legislativas?
CG: Nós fizemos uma análise por partido, por deputado e por senador, para identificar a real base bolsonarista entre os parlamentares eleitos e distinguir aqueles dispostos a negociar com o presidente eleito. Sabemos que em um partido como o PP ou mesmo o PL há bolsonaristas raízes e aqueles que sempre negociam com quem está no governo. No fundo, a soma de partidos que deram apoio a Bolsonaro ou são de direita não é o tamanho do bloco antipetista.
Nas nossas contas, na Câmara, [o grupo bolsonarista] chega a 33%, mas essa é uma análise preliminar. Portanto, há condições de construir uma maioria parlamentar. No Senado, a direita de Bolsonaro é maior. Nas nossas contas, são cerca de 38%. O governo precisa de 3/5 para maioria constitucional, então a margem é menor no Senado do que na Câmara.
IM: Nos outros dois mandatos, Lula não tinha uma figura na oposição com tamanha capacidade de mobilização como Bolsonaro parece que terá. O atual presidente ainda está no prazo legal para fazer uma contestação formal ao resultado das eleições ‒ sinalização já feita por ele e aliados em alguns momentos do processo e que pode gerar reações da opinião pública. Como o senhor observa esses eventos? E como atribuir os devidos pesos a tais eventos em uma avaliação de cenários de risco político?
CG: Disrupções como bloqueios de rodovias federais a ponto de minar a economia acho difícil [de ocorrerem] de forma sustentada. Mas também não acho que esses protestos vão embora tão cedo. Eu diria que é um sinal de que existe uma base bolsonarista disposta a ir às ruas. Vejo isso como um efeito multiplicador em um ambiente mais difícil. Mas é mais relevante lá na frente, não deve impactar a governabilidade no curto prazo.
Não vejo grandes riscos de contestação mais séria dos resultados. Bolsonaro talvez entre com uma ação no TSE ou não ‒ não temos convicção nisso ‒ mas, mesmo se entrar, não vejo isso mudando tanto o quadro. O fato é que há uma base bolsonarista saindo desta eleição acreditando que foi roubada, no sentido mais amplo da palavra. Pela conduta do TSE, por todo o ciclo eleitoral. Não é uma questão de fraude nas urnas, mas que o jogo não teria sido equilibrado ou isento. Há um herança negativa.
O TSE adotou um grau de ativismo exagerado. De certa forma, entramos em um ciclo vicioso, porque os tribunais, enxergando Bolsonaro como ameaça à democracia, tomaram medidas que, ao puxar o limite das jurisprudências e as medidas em nome de defender a democracia, reforçaram a visão no campo conservador de que o sistema e o establishment são contra eles e politicamente enviesados. No fundo, não intencionalmente, eles aprofundaram a desconfiança nas instituições, erraram a mão. Se entramos nesse ciclo eleitoral com a desconfiança crônica nas instituições, na mídia, no Judiciário, no sistema mais amplo, ela aumentou ao final do processo. É um ambiente que outros países também vivem. É parte da razão pela qual acredito que exista um teto menor do lado do que podemos esperar da popularidade do próximo governo.
A conduta do TSE no ciclo eleitoral não ajudou, e, no pós-eleitoral, também com o fechamento de contas de Twitter. Uma coisa é ilegalmente questionar os resultados, outra coisa é fazer perguntas que estão flertando com o direito de expressão. É um ciclo vicioso. Temos um ambiente em que há grande desconfiança com as instituições, foi eleito um presidente [em 2018] que tem uma reputação de combatê-las, essas instituições se sentem ameaçadas e tomam medidas que só reforçam o tamanho do buraco. Isso me preocupa um pouco. O Judiciário não ter um ativismo tão grande talvez tivesse sido uma estratégia melhor, para não dar munição e evidências para o campo conservador de que eles estão sendo prejudicados de forma injusta.
IM: O presidente eleito Lula viaja para o Egito na segunda-feira para sua primeira viagem internacional após a vitória nas urnas. A convite, ele participa da COP 27, Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. O que o senhor espera do papel internacional do Brasil neste novo ciclo e com as sinalizações de maior atenção à agenda ambiental?
CG: Vai ser um ponto positivo para esse governo. Ele vai ter uma melhora reputacional da pauta ambiental enorme, uma reviravolta. O governo Lula tende a abraçar a agenda ambiental com uma política nova contra o desmatamento na Amazônia. É também um governo que vai ter melhor trânsito nas capitais da Europa e com a Casa Branca.
A política externa é um grande ativo. Será um governo mais protecionista ‒ talvez isso atrase negociações do acordo entre União Europeia e Mercosul e o acesso à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Mas o governo Lula deverá encontrar excelente receptividade em países europeus e nos Estados Unidos. Isso facilita, principalmente em um contexto em que o setor privado está colocando um prêmio muito maior nessa agenda ambiental. Acredito que seja um ganho de credibilidade externa importante.
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