Lula e Bolsonaro: o limbo da política externa – Thiago de Aragão – Estadão E-Investidor – As principais notícias do mercado financeiro – E-Investidor
Thiago de Aragão é diretor de estratégia da Arko Advice e assessora diretamente dezenas de fundos estrangeiros sobre investimentos no Brasil e Argentina. Sociólogo, mestre em Relações Internacionais pela SAIS Johns Hopkins University e Pesquisador Sênior do Center Strategic and International Studies de Washington DC, Thiago vive entre Washington DC, Nova York e Brasilia.
Twitter: @ThiagoGdeAragao
Escreve às sextas-feiras, a cada 15 dias
É comum o tema de política externa não ser levado a sério por eleitores ou lideranças políticas durante o período eleitoral. Afinal, o Brasil não tem tradição de engajamento social em temas de política externa, apesar de contar com um dos serviços diplomáticos mais sofisticados e bem-preparados do mundo, o Itamaraty.
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Mesmo com a existência do Itamaraty, uma andorinha só não faz verão. Cabe a cada chefe do Executivo eleito definir diretrizes básicas de inserção global e apontar qual o papel que ele espera que o país tenha nos anos subsequentes a sua eleição.
Infelizmente, não temos tido presidentes com fluência suficiente em política externa, ou até mesmo conhecimento básico sobre os impactos diretos e indiretos, positivos ou negativos gerados a partir das interações com outros chefes de estado.
No domingo, teremos a definição da eleição presidencial brasileira. Lula ou Bolsonaro disputam a o cargo. No entanto, já sabemos que, sem um auxílio profissional, não ideológico e eficiente, a grande possibilidade é termos uma política externa fraca, sem firmeza, seja com qualquer um deles.
Lula demonstrou nos seus governos anteriores que a “direção” da sua política externa era movida pelos interesses e apreços do Partido dos Trabalhadores. Enquanto o ex-presidente tentava passar uma imagem de pragmatismo na economia, a política externa era recheada de clichês no relacionamento com Cuba, Venezuela, Evo Morales, Kircheners etc.
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A sensação de que o Brasil atingia uma espécie de liderança regional era deceptiva. Como matéria paga em jornais, a influência brasileira nos diversos países da região não aparecia forjada pela narrativa, valores ou poderio nacional, mas pelas benesses e empréstimos subsidiados oriundos do BNDES, por exemplo. Liderança comprada não se sustenta, a não ser que o saco seja sem fundo, como na relação da China com vários países da região.
Lula era visto por Obama como “o cara” e foi celebrado por vários líderes globais. O objetivo macro do Brasil no campo da política externa era, ao mesmo tempo, valoroso e inatingível: uma cadeira de membro permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Aliás, esse objetivo é fantástico, pois o sentimento de propósito na busca do inalcançável mantém a máquina girando e oferece sentido no despertar de mais um dia (mais ou menos como os objetivos macros da política externa argentina de controle das Malvinas ou, de forma ainda mais surreal, da “Antártida” Argentina).
Obviamente a política externa de Lula não era apenas centrada na busca pelo lugar no Conselho de Segurança ou no fortalecimento da amizade com vizinhos por meio da carteira aberta.
Como disse, a qualidade dos nossos diplomatas gera inúmeros microcosmos de excelência pelo mundo, o que eleva a percepção positiva em relação ao Brasil. Isso ocorre apesar da política externa do presidente em exercício.
Caso Bolsonaro saia vencedor, espero que Carlos França siga à frente do leme do Itamaraty. Após alguns anos sem Ministro de Relações Exteriores (no início de seu mandato), Bolsonaro nomeou corretamente Carlos França para a função.
Mesmo assim, a característica de Bolsonaro como presidente não inclui o interesse ou a leitura do papel do Brasil no mundo. Alianças cristãs com a Hungria não contam, pois não fazem sentido para brasileiros ou húngaros.
O que realmente conta é como Brasil se posiciona no meio de um ambiente de tensão crescente entre as duas superpotências globais. Somos demasiados passageiros das decisões internacionais alheias para mantermos picuinhas com Joe Biden porque ele é do Partido Democrata, ou com Xi Jinping porque ele é do Partido Comunista.
Na política externa não há espaço para a esquizofrenia política tão comum na política doméstica. Por isso, a compreensão por parte do Executivo sobre tudo o que acontece em Pequim e em Washington é tão importante quanto o monitoramento legislativo feito em Brasília.
Para que o Brasil tenha um governo com posicionamento mais sofisticado no campo da política externa, temos de elevar as vozes que falam e escrevem sobre o tema. O CEBRI — Centro Brasileiro de Relações Internacionais — merece atenção do Parlamento e do Executivo, assim como especialistas espalhados pelo país.
Tanto Lula como Bolsonaro possuem características pessoais peculiares. Essas características se mostraram eficazes na política doméstica, tanto que cada um possui um volume alto de intenção de votos (apesar de serem igualmente rejeitados). Na política externa, as características dos dois precisam passar por um refino guiado e liderado pelo Itamaraty, por formadores de opinião e, acima de tudo, pelas circunstancias globais.
O mundo está mudando de uma forma que afetará a tudo e a todos pelos próximos 50 anos. Como falei, nosso costume de sermos passageiros das decisões alheias não condiz com as urgências que já estão aí dentro do contexto geopolítico.
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