Lula reconcilia Brasil com Pindorama – CartaCapital

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Indígena guarani kaiowa; Pós-doutorado em História pela UFGD; Livre-docente e professor de Direito da PUC-SP.

Um país que celebre a ancestralidade indígena é o início de uma reconstrução urgente
Nós, povo indígena de Pindorama, nunca falhamos no papel de tomar as ruas em defesa dos governos populares e democráticos brasileiros. Jamais deixamos de denunciar os arroubos golpistas e as ameaças aos nossos direitos conquistados na Constituição Cidadã e Democrática de 1988, bem como em nossa luta de resistência às sucessivas ações de degradação do meio ambiente, que têm se agravado nos diversos biomas do Brasil.
É certo que se submetermos o “governo saído” a uma crítica não faltarão elementos a serem apontados. Em primeiro lugar, a atrapalhada e maldosa tentativa de deslocar a competência da FUNAI, logo no início do Governo, do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), a apelidada “FUNAI dos Generais sob Damares”.
Segundo, a transferência da atribuição, que sempre esteve na FUNAI, de realizar a identificação e delimitação das terras indígenas para a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Não bastasse a tentativa ser frustrada, a competência e vinculação da FUNAI ainda se manteve a cargo do Ministério da Justiça sob o comando do ex-juiz de Direito suspeito no julgamento do atual presidente, e depois de outros ministros totalmente ausentes ao tema, tendo como último o detido ex-ministro por suspeita de participar dos atos antidemocráticos.
E, como se não bastasse ter indicado para presidente da FUNAI um Delegado Federal que sempre foi e atuou contra os povos indígenas, durante todo o seu mandato o “governo saído” distorceu a missão do principal órgão indigenista do país de forma torpe e integracionista, extinguindo cargos, assediando e ameaçando servidores, e nomeando diretores e coordenadores regionais sem qualquer qualificação ou experiência na questão indígena, sucateando sua estrutura nacional e transformando a FUNAI num órgão alinhado com interesses contrários aos dos povos indígenas, os quais tem, por obrigação, que proteger.
Muito devemos falar do governo que presidiu o país, pois teve como estratégia, nos últimos tempos, esconder-se nos mais variados sigilos, como o de tirar do ar tanto a primeira como a segunda edição do livro institucional “Funai: Autonomia e Protagonismo Indígena”, que trazia uma visão extremamente integracionista e atrasada sobre o que se pensa do tema.
Curiosamente, as hordas odiosas buscam sempre diminuir o problema, relativizar a situação, criar uma suposta teoria para justificar o erro do “governo saído”. Ocorre, entretanto, que o desafio de justificar mais de 570 mortes de fome, de crianças yanomamis, nos últimos 4 anos, o não envio de um medicamento para o tratamento da malária nessas aldeias e sim o envio para tratar, de forma ineficaz, a covid-19 já seriam motivo mais que suficiente e razoáveis para tecermos críticas a essas escolhas etnocidas e possivelmente genocidas.
Mas a imagem de uma parente esquálida, um outro parente sem condições de se locomover, e de uma criança indígena desnutrida em uma rede fez com que outras redes, as sociais, fossem às ruas virtuais para revelar que Caetano estava certo: “O Haiti é Aqui”.
E assim surge a questão: e os governos anteriores aos anteriores, foram tão melhores que o “governo saído” (governo esse que inclui um ex-presidente que ascendeu ao poder tirando uma mulher legitimamente eleita)? A resposta é SIM, ainda que pela comparação de uma tragédia, do governo Bolsonaro a uma ausência dos governos anteriores. Vencer pela ausência, como fez o governo anterior, é agir para o mal. Mas, como nos ensinou Chico em outra época, mas com muitos dos mesmos figurantes: “Apesar de você amanhã há de ser outro dia”.
O mal foi tamanho que gerou uma premência a ponto de o governo que entrou no Brasil perceber, já em campanha, que Pindorama sempre precisou de politicas Públicas, e que em 2023 essas políticas salvarão nossas vidas.
A reconstrução começou com ações interministeriais exatamente com a população Yanomami. A ação conta com um grupo de ministros, ministras, o presidente da república e com a nova FUNAI presidida por uma mulher, amplamente reconhecida e apoiada pelos movimentos indígenas.
Que a força dos encantados mostre ao novo governo que é preciso ação e construção para uma Pindorama melhor em um Brasil de Verdade. Entre a FUNAI da Damaris e FUNAI Anti-indígena de integracionistas, eu fico com a nova FUNAI de Joênia. Nova até no nome, com cuja mudança este autor teve a alegria de contribuir: Fundação Nacional dos Povos Indígenas.
Que nossa luta seja cada vez mais forte. Como diriam minhas lideranças: “Terra, Vida, Justiça e Demarcação”.
Presidente, reconciliar-se com Pindorama é fazer um Brasil que não nega sua história e ancestralidade.
Nada sobre nós sem nós.
Aguyjevete, em guarani: Obrigado.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Alvaro de Azevedo Gonzaga Kaiowá
Indígena guarani kaiowa; Pós-doutorado em História pela UFGD; Livre-docente e professor de Direito da PUC-SP.

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