Luta livre volta à TV brasileira e quer ser vista como esporte de entretenimento – UOL
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O estacionamento não é o espaço ideal, mas Tobias Correa Neto, 29, conversa de forma animada com Gabriel Gonçalves, 26. Ambos traçam planos, determinam quem vai fazer o quê. Simulam golpes e definem como tudo vai terminar dentro do ringue montado na Mooca, zona leste de São Paulo.
“Sempre que vou para uma luta, não tenho mais nenhum problema na vida. É outra pessoa que está lá, não eu. É algo muito bom. As pessoas compram a ideia de uma história que desejo contar”, diz Tobias.
Ele fica tão fora de si que quando sobe no ringue sextavado da BWF (Brazilian Wrestling Federation), não é mais Tobias. É Toko, o Infernal. Gabriel passa a ser Acce.
Durante anos, entre as décadas de 1970 e 1980, a luta livre, no Brasil chamada também de Telecatch, foi uma mania no país. Personagens como Ted Boy Marino e Fantomas foram vistos como heróis. Aquiles era vilão que não podia sair às ruas sob o risco de apanhar do público.
Um fenômeno da cultura pop nos Estados Unidos, a luta livre norte-americana está na TV com a exibição de programas da WWE (canais do grupo Disney) e de sua rival, a AEW (grupo Turner). Com as ações negociadas na bolsa de Nova York, a WWE é companhia com valor de mercado de US$ 5 bilhões (cerca de R$ 26 bilhões pela cotação atual).
A popularidade desses shows era o que Bob Leo Jr., 51, esperava havia anos. CEO da BWF, ele queria recolocar os eventos nacionais na televisão. Fechou acordo com a Bandsports para a transmissão, toda sexta-feira, às 23h45, do BWF Telecatch.
“É um laboratório para mostrar para as pessoas que existe luta livre no Brasil. Temos uma lista de 60 atletas e formamos de 10 a 15 novos por ano”, estima ele, filho de Bob Leo, um nome lendário no Telecatch nacional.
Um dos formados é o fisioterapeuta Arthur Godoy, 29, o Thuro Thuro. Enquanto outros lutadores combinam movimentos e conversam sobre o roteiro do combate, ele está sentado em um canto, apressado a se maquiar.
“No ringue, eu sou uma versão exagerada de mim mesmo”, afirma. “Gosto de entreter as pessoas, da adrenalina de estar no ringue. Gosto de ouvir as pessoas gritarem. Também serve para inspirar, para mostrar inclusão. Ganhar ou perder a luta é irrelevante. Interessante é entreter.”
Thuro Thuro faz parte da comunidade LGBTQIA+ que participa dos eventos da BWF. A irrelevância do resultado é porque, como quem acompanha sabe, as lutas são coreografadas, e os resultados finais, combinados. Havia, no passado, a preocupação de esconder isso. De tentar mostrar ser algo verdadeiro. Hoje em dia, não mais.
O conceito é do “esporte de entretenimento”. Um show atlético e esportivo para divertir o público. A ideia é fazer com que as pessoas mergulhem em uma história. Como em um filme.
“Luta livre é cheia de momentos. Amo cinema, mas nunca quis ser ator. Lutador de luta livre era algo que eu tinha de ser. É algo que você vive intensamente”, confessa Acce. Convidado por uma companhia inglesa, ele passou pouco mais de duas semanas em turnê pelo Reino Unido. Fez 20 lutas em 10 dias.
Não existe sequer a preocupação de fugir mais da crítica de que se trata de uma “marmelada”. A ideia é mostrar ser outro tipo de esporte, não o de competição.
“Não me ofende nada quando dizem ser marmelada. É entretenimento. Sempre falo para as pessoas quando escuto isso: acha que é fácil? Quer experimentar?”, questiona Roberto Piovesan, 33, o Rurik Jr.
Filho do Diabo Loiro, outro personagem histórico da luta livre nacional, Piovesan fez, com outros brasileiros, teste na WWE em 2019. Foi um dos aprovados, mas a pandemia de Covid-19, que chegou no ano seguinte, atrapalhou os planos.
Por causa de custo, as gravações são maximizadas. Em apenas um evento, como o realizado no mês passado na Mooca, são feitos três programas a serem exibidos pela Bandsports. A indisfarçável inspiração é o modelo americano, com a criação de rivalidades, os golpes acrobáticos e as “entrevistas” pós-luta. E este é outro componente importante: é preciso saber falar, ter carisma.
“Eu contratei um professor de teatro para dar aulas aos nossos lutadores”, afirma Bob Leo Jr.
Em um espaço onde há lanchonetes, bares com festas de aniversário e música ao vivo, o evento da BWF precisa disputar a atenção. Bob tem de sair correndo em algum momento para pedir que o motor de um carro em aceleração seja desligado para que o som não saia no programa. Aos poucos, gente que está em outros lugares para para assistir e entra. Especialmente crianças.
Força motora que viabiliza tudo na BWF, o dono corre para colocar mais cadeiras. Alugou 500, mas calcula que 700 pessoas estiveram presentes.
“Nossa missão é mostrar que é um show. Ninguém precisa acreditar ser de verdade, precisa só entrar na história, no entretenimento que queremos passar”, diz Rurik Jr.
Não se aceita dizer que não é esporte. Para eles, a condição atlética e força necessárias mostram que é, sim. E é opinião não apenas dos lutadores mas dos familiares deles. Alguns apoiam, outros têm medo.
“Meu pai não gosta porque diz que eu posso me machucar”, afirma Thuro Thuro, revirando os olhos com a descrença de que isso vá acontecer. Realmente não ocorre. Ele sai ileso.
A mãe de Tolo, o Infernal, chegou a treinar com ele. Queria ser juíza, na verdade. Mas deslocou o ombro e desistiu.
“A luta livre une as pessoas, todos se ajudam, as famílias participam…”, diz Rurik Jr, as mãos nos bolsos para se proteger do vento gelado no estacionamento que também serve como vestiário. Ele para porque chega um carro, buzinando.
“É a minha mulher! Veio trazer a roupa que eu uso no ringue”, completa.
Minutos depois, ela está na plateia, a aplaudir os mocinhos e a vaiar os lutadores que encarnam o papel de vilões, com outras 699 pessoas.
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