Moda em 2022 estampou tensão da guerra, androginia e briga por Bolsonaro e Lula – UOL
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A modelo americana Bella Hadid em desfile da Coperni na Semana de Moda de Paris, em 30 de stembro de 2022 Julien de Rosa / AFP
Tanto as passarelas da alta-costura quanto o concreto dos asfaltos urbanos refletiram em 2022 um clima político que há tempos não era visto na bolha fashionista.
Logo no início deste ano que agora chega ao fim, os ares soturnos da Guerra da Ucrânia guiaram a Semana de Moda de Paris. A começar pelo boicote à Rússia movido por grifes como Chanel, Gucci, Bottega Veneta e Saint Laurent, que interromperam suas atividades no país.
O movimento veio depois de o estilista Valentin Yudashkin ser banido do evento parisiense por ser considerado um apoiador do presidente russo Vladimir Putin —o designer fez as roupas do Exército russo e em nenhum momento manifestou repúdio à guerra em curso há dez meses.
Demna Gvasalia, o estilista à frente da Balenciaga, levou ao evento francês um desfile-protesto, que foi acusado de glamorizar o conflito entre os países e virou meme nas redes por conter uma bolsa em formato de saco de lixo. Seus modelos desfilaram dentro de uma caixa de vidro coberta de neve, enfrentando uma tempestade cenográfica e simulando alguns dos obstáculos vividos por pessoas refugiadas.
A tensão bélica do leste europeu também foi emulada no resgate do new look da Dior. Surgido no pós-Guerra dos anos 1940, a chamada “bar jacket” voltou numa versão de saia não plissada e um blazer menos arredondado do que o original.
No Brasil, o teor político ficou cristalizado na polarização da eleição presidencial mais tensa desde a redemocratização do país. Na penúltima São Paulo Fashion Week, em junho, por exemplo, a grife Meninos Rei exibiu um cartaz contra Bolsonaro, enquanto a LED levou à passarela uma toalha vermelha com o rosto do presidente eleito Lula.
Nas ruas, a simbologia visual que marcou as eleições de 2018 voltou com ainda mais ênfase. Vestir vermelho se tornou quase um sinônimo de apoiar o petista. A camisa amarela da seleção brasileira de futebol ficou dividida entre apoiadores de Bolsonaro e a crescente tentativa de resgate de símbolos pátrios, que há anos são associados ao presidente e à ultradireita brasileira.
Durante a Copa do Mundo realizada no Qatar, torcedores antibolsonaristas aderiram a looks que iam da clássica camisa amarela da CBF a customizações dela com o número 13, do PT. Houve também a blusa de oncinha azul criada para a seleção, sinal da força do “animal print” e pegando carona no sucesso das mulheres que viravam onça no remake da novela “Pantanal”, grande sucesso da TV neste ano.
Nem só de política, porém, se resume a moda de 2022. O setor perdeu o estilista Issey Miyake, ícone do modelo plissado, o designer francês Thierry Mugler, criador de roupas esculturais, e o brasileiro Jefferson Kulig, conhecido por unir a tecnologia científica à criação têxtil.
No campo estético, o conceito de moda agênero ganhou ainda mais fôlego. Grifes apostaram em homens de calcinha, mulheres de cueca e desfiles com bastante androginia.
O ano, que marcou o retorno às ruas, também refletiu a sensação de catarse pós-pandêmica —algo que aflorava aos poucos no ano passado e, agora, se firmou de vez com looks cheios de recortes generosos, pele à mostra e um explosão de cores vibrantes que lembra a tendência apelidada de “dopamine dressing”, hedonismo em forma de tecido.
Em sintonia com esse desejo de prazer, o rosa-choque dominou vitrines e passarelas, com roupas que vão da coleção “Pink PP”, da italiana Valentino, ao streetwear da tendência que ficou conhecida como “Barbiecore”, por exagerar na cor favorita da boneca mais famosa do mundo, que vai virar filme no ano que vem.
O jeans, o brilho e a calcinha à mostra tão marcantes dos anos 2000 também voltaram com força. A luva longa, peça que há décadas estava esquecida no fundo do guarda-roupa, também foi resgatada.
Nos tapetes vermelhos, dois vestidos se destacaram —e ambos no Met Gala, a balada fashion anual do Metropolitan, em Nova York. Um deles foi o de Blake Lively, que usou uma roupa de pedraria reluzente e visual multicolorido. E o outro de Kim Kardashian, que vestiu uma peça que pertenceu à atriz Marilyn Monroe e virou assunto por não caber no bumbum da socialite, que parece ter danificado o tecido.
Além disso, dois ícones da moda brasileira retornaram à ativa neste ano —o estilista Alexandre Herchcovitch e a modelo Gisele Bündchen. Depois de quase sete anos afastado da grife que fundou, o designer reassumiu as rédeas da direção criativa da marca homônima e apresentou uma coleção de streetwear e alfaiataria.
Bündchen, por sua vez, voltou a posar para editoriais de moda, o que não fazia desde sua aposentadoria das passarelas, em 2015. Depois de se divorciar do jogador de futebol americano Tom Brady, episódio que agitou tabloides e sites de fofoca, a top brasileira ainda veio ao Brasil promover uma marca de joias num jantar cheio de celebridades.
Mas a modelo que fez mesmo os queixos caírem foi Bella Hadid, que protagonizou o desfile histórico da Coperni, na Semana de Moda de Paris. A americana teve sua roupa desenhada ao vivo e a cores, com um spray gotejando líquido sobre seu corpo nu, que aos poucos, deu forma a um elegante vestido branco.
A ideia de vestir um líquido é, no mínimo, curiosa, mas não chega a ser estranha como os polêmicos Paris Sneakers, lançados no primeiro semestre pela Balenciaga.
Despedaçado, o calçado com marcas de sujeira e rasgos foi anunciado pelo valor de mais de R$ 9.000, o que reergueu o antigo debate sobre o luxo na moda e gerou uma enxurrada de memes. O mesmo aconteceu com uma microssaia da Miu Miu, croppeds feitos de chuteira e um guarda-chuva nada funcional da Gucci.
Envolvida agora em outra polêmica, a espanhola Balenciaga se tornou alvo de críticas fervorosas nas últimas semanas. Depois de encabeçar campanhas publicitárias controversas, a grife foi acusada de romantizar a pedofilia e, desde então, tenta limpar a imagem da marca diante de uma de suas piores crises.
A onda de frenesi contra a grife encerra 2022 sob a certeza de que, agora, o setor têxtil terá uma passarela mais aglomerada, ousada e, sobretudo, cheia de tensões e calafrios.
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