MPMG apura denúncia de irregularidades na política ambiental de Minas Gerais – O Tempo

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A Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad) está sendo investigada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) após sete entidades ambientais fazerem uma renúncia coletiva às cadeiras que ocupavam nos conselhos estaduais de Política Ambiental (Copam) e de Recursos Hídricos (CERH). Na carta de renúncia, as ONGs fizeram uma série de denúncias contra a atuação da pasta na preservação do meio ambiente. 
De acordo com a assessoria de imprensa do MPMG, há uma investigação em curso sobre as irregularidades apontadas no documento. “Entretanto, para preservar o andamento das investigações, os promotores que atuam no caso não darão detalhes ou se manifestarão sobre ela no momento”, disse, por nota, o órgão. 
A investigação foi aberta após a deputada estadual Ana Paula Siqueira (Rede Sustentabilidade) encaminhar um ofício ao MPMG. Na carta de renúncia, as organizações afirmam, por exemplo, que o governo de Romeu Zema (Novo) excluiu a sociedade civil organizada da gestão dos recursos naturais, fazendo alterações nas leis ambientais sem consultar o Copam e o CERH. 
Elas também denunciam que a legislação é interpretada de maneira a “fragmentar o licenciamento ambiental”, além de o Estado não ter interesse em “discutir e implantar políticas públicas que sejam capazes de reverter o desmatamento, ao mesmo tempo que assume internacionalmente metas de redução de emissão de carbono e desmatamento”.
As entidades ainda acusam o governo de ser favorável à “concessão de licenças a projetos que preveem grandes desmatamentos, instruídos com estudos insuficientes, ignorando, muitas vezes, pesquisas da comunidade científica, presença de comunidades tradicionais, denúncias das comunidades e até dados técnicos publicados pelo próprio governo”.
Cerca de 10 dias após a renúncia coletiva, o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) – composto pelos dois conselhos, pela Semad e seus órgãos vinculados – emitiu uma nota de esclarecimento que respondeu uma série de pontos relativos às denúncias da carta de renúncia. 
Assinada pela secretária Marília Carvalho de Melo e outros servidores da Semad, o documento de 14 páginas rebate parte das acusações, alegando, entre outras coisas, que nos últimos 2 anos o Copam e o CERH não receberam “nenhuma proposta de aprimoramento de normas” por parte das “entidades ambientalistas”. 
Procurado por O TEMPO, Gustavo Bernardino Malacco, que preside a Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (ANGÁ), uma da entidades que assinou a renúncia dos conselhos, contestou este e outros posicionamentos apresentados pelo Governo de Minas para as acusações. 
Segundo ele, foi feito um “recorte providencial” dos dois últimos anos do governo Zema. “Nos primeiros dois anos a gente (ONGs) enviou as propostas e, raramente, elas eram discutidas. Falávamos nos encontros dos conselhos, mas o Governo não nos dava abertura, nunca tivemos retorno sobre o que colocávamos na mesa. Por isso fizeram essa contabilidade criativa para citar os dois últimos, quando já tínhamos entendido que não adiantava propor nada”, afirmou.
Questionada, a Semad informou, por nota, que fez o recorte dos dois últimos anos por considerar a vigência do mandato atual dos conselhos (2020-2022). “Incluindo-se o ano de 2019 no levantamento, ano de início da atual gestão, informamos que não foram localizadas propostas de aprimoramento normativo pelos então representantes da sociedade civil”, completou a pasta. 
Confira abaixo as ponderações de Malacco para outros pontos respondidos pelo Estado: 
Aumento das entidades representativas
O Governo também afirmou que o número de entidades representativas nos conselhos passou de 30 para 45. Para o ex-membro dos conselhos ambientais, o aumento nas “cadeiras” das entidades realmente existiu, porém, a maior parte delas ocorreu nas chamadas “unidades regionais colegiadas”, que não têm poder de deliberação, definindo apenas sobre recursos de multas. 
“Onde tem mais ONGs é onde menos se decide. Por outro lado, onde as decisões acontecem é justamente onde houve quase 100% de renúncia das entidades”, argumentou. 
Indagada, a Semad informou que, para conferir transparência sobre as alterações realizadas nos conselhos, a composição das unidades colegiadas do Copam e do CERH são publicadas em seu site e podem ser acessadas clicando aqui e aqui, respectivamente.
Avaliação dos impactos ambientais 
Em resposta à afirmação das entidades de que nos últimos quatro anos não houve avanço nas ferramentas de avaliação dos impactos cumulativos ao meio ambiente, o Estado citou o sistema Infraestrutura de Dados Espaciais do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IDE-Sisema) como uma importante ferramenta para este fim. 
Entretanto, ainda conforme Malacco, este sistema está desatualizado há 15 anos. “Em 2019 foi feito um importante estudo, bastante completo, que revisou as áreas de prioritárias para conservação da biodiversidade em Minas. Esse estudo foi entregue ao Estado e, apesar disso, segue ‘engavetado’ desde então, possivelmente para beneficiar algumas entidades do setor produtivo”, afirma. 
Mais uma vez, a Semad foi questionada sobre a acusação e informou, por nota, que o Instituto Estadual de Florestas (IEF) trabalha na atualização do estudo “Áreas prioritárias: Estratégias para conservação da biodiversidade e dos ecossistemas em Minas Gerais”. “Ele deve ser disponibilizado em breve na Plataforma IDE com os dados mais recentes”, completou a pasta.  
Desmatamento
No documento, o Estado ainda responde à afirmação das entidades de que o governo não tem políticas de “desmatamento zero”, mesmo sendo o campeão em desmatamento da Mata Atlântica e um dos que mais suprimiu o Cerrado.
Entretanto, o Sisema falou somente sobre a redução de 9% no desmatamento da Mata Atlântica. Ainda conforme Malacco, no documento de resposta o sistema de Meio Ambiente do Estado simplesmente ignorou o Cerrado, o maior bioma de Minas.
Analisando os dados nacionais de desmatamento da ONG SOS Mata Atlântica, apesar da queda indicada pela Semad, o estado liderou o ranking de destruição do bioma em 2021, com 9.209 hectares suprimidos. Para se ter ideia, o segundo lugar ficou para a Bahia, com 4.968 hectares desmatados. 
Já de acordo com o “Relatório Anual do Desmatamento”, do MapBiomas, o desmate do Cerrado cresceu 89% em Minas Gerais entre 2020 e 2021, atingindo 31 mil hectares destruídos no último ano. 
Confira o trecho completo da nota em que a Semad trata sobre o desmatamento: 
“Sobre a preservação da Mata Atlântica em Minas, em resposta ao aumento nas detecções de desmatamento no Estado, a Subsecretaria de Fiscalização da Semad implementou o Plano de Ação de combate ao desmatamento. O plano consiste num conjunto de ações e metas com o objetivo de intensificar o combate à supressão ilegal da vegetação nativa no Estado, de forma complementar e alinhada ao Plano Anual de Fiscalização (PAF).  
Na Fase 1, executada de novembro de 2021 a janeiro de 2022, as ações tiveram foco na intensificação das atividades de fiscalização, por meio da redução do prazo de atendimento ao monitoramento contínuo da vegetação e às denúncias, bem como na fiscalização de alertas provenientes de outras fontes de monitoramento da cobertura vegetal. Foram contabilizadas mais de 2.600 fiscalizações em 21.700 ha, alcançando mais de 1.200 infrações e 25 milhões de reais em multas. No mesmo período, também foram realizadas campanhas em caráter preventivo nas redes sociais.  
A Fase 2 foi executada de junho a agosto de 2022, quando se repetiu a intensificação das fiscalizações, inclusive com a deflagração de duas Operações Especiais denominadas “Floresta Viva I e II”. Apenas durante essas Operações, de caráter estratégico, foram realizadas 184 fiscalizações em mais de 13.700ha, inclusive abarcando a cadeia do carvão vegetal irregular, e aplicados R$ 118,83 milhões em multas ambientais num total de 466 infrações. O tempo de atendimento às denúncias reduziu de 48 dias para 33 dias. O tempo médio para atendimento aos polígonos do monitoramento contínuo atualmente é de 36 dias.   
Também foi realizado um seminário de boas práticas para utilização do carvão legal, voltado para grandes consumidores desse subproduto florestal. Nesta fase, além da intensificação das fiscalizações repressivas e ações preventivas, foi estabelecida diretriz para o processamento prioritário de autos de infração. Entre janeiro e outubro de 2022 houve um incremento de 31% no quantitativo de autos de infração encerrados, relacionados ao desmatamento, em comparação com o mesmo período do ano de 2021.  
Até outubro de 2022 já foram realizadas 8.424 Fiscalizações de combate ao desmatamento ilegal em todo o território estadual, incremento de 65% em relação ao mesmo período do ano passado e que já supera o total de fiscalizações do tema em 2022, 7.391.  
Dados apontam que desde agosto deste ano, o somatório mensal de áreas detectadas iniciou uma trajetória descendente, representando uma severa mudança em relação ao período de janeiro a julho, quando se alcançou o pico. Á área detectada de desmatamento em outubro foi de 1.850 ha, 73% menor que a área detectada em julho, 6.943 ha. No último trimestre, compreendido entre agosto e outubro, a área total detectada foi de 10.656 ha, enquanto no mesmo período anterior, maio a julho, a área detectada havia sido de 14.487 ha, queda, portanto, de 26%.
Com relação à política de desmatamento zero, o Governo de Minas aderiu à campanha global race to zero e, atualmente, está em fase consulta pública o PLAC-MG, que é o Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas e que apresenta o planejamento das ações para as próximas décadas no âmbito governamental, alinhado com aquilo que é necessário em nível local para contribuir com a comunidade global no que se refere às fontes das causas do fenômeno das mudanças climáticas. Entre as metas do PLAC, consta a de desmatamento zero até 2028″.
Criação de unidades de conservação
Na carta de renúncia, as ONGs denunciam ainda que, desde 2019, quando Zema assumiu o Governo de Minas, uma única unidade de conservação integral foi criada pelo Estado, no fim do último ano de mandato, em dezembro de 2022. 
No documento de resposta, a Semad alegou que o governo do partido Novo “estimula a formação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN’s)”. Trata-se de unidades de conservação criadas por iniciativa dos proprietários das terras e reconhecidas pelo poder público.
Procurada por O TEMPO, a secretaria confirmou que, em quatro anos de governo, uma única área de preservação integral foi criada, em 2022, sendo ela o Parque Estadual Mata do Krameck, em Juiz de Fora, com área de 291,98 hectares. 
“Além disso, desde 2019, já foram criadas 25 RPPNs, totalizando 14.090,66 hectares. Importante reforçar que Minas Gerais é o estado que possui a maior área remanescente de Mata Atlântica do país, com cerca de 12,8 milhões de hectares”, finalizou. 
Fragmentação dos processos ambientais 
Ainda na carta de renúncia, as ONGs afirmaram que o Governo de Minas vem interpretando a legislação de maneira a “fragmentar” os procedimentos de licenciamento ambiental. 
Em conversa com ambientalistas, pelo menos dois casos específicos em que isso ocorreu foram citados. O primeiro deles foi registrado no Triângulo Mineiro, onde um projeto de mineração de argila refratária teve o licenciamento “dividido” em partes menores e, por fim, o Estado não avaliou o dano ambiental que acontecerá com o empreendimento como um todo. 
O segundo exemplo foi, justamente, o caso da mineração na Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte, talvez o mais polêmico e que envolveu a aprovação por parte do Copam. Segundo os ambientalistas, neste processo o empreendimento se utilizou da estratégia de separar os licenciamentos com base em fases, de forma que o Estado não avaliou o impacto ambiental de todo o empreendimento e, com isso, ficou “mais fácil” obter a aprovação. 
Questionada sobre esse ponto, a Semad enviou uma nota em que se defende, mas não comenta os dois processos específicos citados por ambientalistas. Confira o texto na íntegra: 
“A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informa que o procedimento de licenciamento ambiental é iniciado com a caracterização pelo empreendedor da atividade ou do empreendimento, inclusive quanto à intervenção ambiental e ao uso de recursos hídricos, na qual deverão ser consideradas todas as atividades por ele exercidas, mesmo que em áreas contíguas ou interdependentes, sob pena de aplicação de penalidade caso seja constatada fragmentação do processo de licenciamento. 
A referida caracterização é efetuada no Sistema de Licenciamento Ambiental – SLA, onde são informadas as atividades a serem praticadas, localização do empreendimento, porte, existência de critérios locacionais, dentre outras informações necessárias à determinação da classe de enquadramento da atividade ou do empreendimento, definição da modalidade de licenciamento ambiental, bem como dos estudos e documentos exigíveis para análise do órgão ambiental. A análise é efetuada pelas Superintendências Regionais de Meio Ambiente.
Para análise dos empreendimentos ou atividades a serem licenciados é utilizada a ferramenta Infraestrutura de Dados Espaciais – IDE Sisema, que possibilita a identificação georreferenciada dos mesmos, auxiliando na verificação de possíveis fragmentações. Ademais, durante as vistorias realizadas para análise dos requerimentos de licença também é possível a verificação de tais situações. 
As ações fiscalizatórias preveem a possibilidade de autuação para infração classificada como gravíssima, para todo aquele que instalar, construir, testar, funcionar, operar ou ampliar atividade efetiva ou potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente sem a devida licença ambiental, desde que não amparado por termo de ajustamento de conduta com o órgão ou entidade ambiental competente; inclusive nos casos de fragmentação indevida do licenciamento ambiental”.
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