Mudança na Lei das Estatais não é um problema – JOTA

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Administração pública
Combate à corrupção se faz com órgãos de controle fortes e que tenham capacidade de investigar ações dos gestores
No dia 13 de dezembro de 2022 a Câmara dos Deputados aprovou o PL 2896/2022, de relatoria da deputada Margarete Coelho (PP-PI), e que efetivou a alteração da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), especialmente no inciso II, do §2º, do artigo 17.  
A redação atual do dispositivo normativo proíbe a indicação para o Conselho de Administração de pessoa que atuou, nos últimos 36 meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral. O texto aprovado pela Câmara reduz de 36 meses para 30 dias a necessidade de desligamento das funções partidárias ou de campanha eleitoral. 
Essa modificação tem sido alvo de muitas críticas, seja por juristas ou comentaristas políticos, sob dois argumentos: de que se estaria permitindo uma maior influência da política sobre as estatais; e que se estaria fragilizando o combate à corrupção. 
No que se refere à relação entre política e administração das estatais, é sempre importante lembrar a noção weberiana de que políticos e burocratas têm uma conexão complementar e complexa. De modo que não há política sem técnica, mas é a política que estabelece os limites à técnica.  
Cabe esclarecer também que a ideia de que o funcionário ou gestor público apenas cumpre deveres técnicos e ausente de influências políticas e que o político apenas pensa em privilegiar seu grupo político e na perpetuação do poder é um senso comum que não reflete a realidade.  
O governo eleito tem a legitimidade e o poder para fazer valer na realidade os planos de governo e as medidas que foram prometidas ao eleitorado. As estatais são mecanismos que o Estado possui para exercer atividade de interesse público ou que possui aspecto estratégico à soberania do país. Goste-se ou não, elas são mecanismos para realização de fins políticos.  
Não significa, contudo, que não deva existir limitação para esses fins e aos meios para atingi-los, não é disso que se trata. A própria Lei das Estatais, entre outros assuntos, tenta regular a relação entre os interesses políticos e técnicos.  
A regra atual não evita que se faça indicações políticas, tampouco traz transparência para as questões políticas. Pelo contrário, ela cria incentivos para ser burlada – basta ver a quantidade de exceções que foram criadas nos últimos anos para que ela não fosse aplicada – e para que se faça indicações políticas travestidas de técnicas.  
Cumpre destacar que não é alvo de discussão da proposição as normas que determinam um período mínimo de experiência na área, formação acadêmica compatível com o cargo e não estar inelegível. Estas regras, sim, é que têm o objetivo de proteger as estatais de pessoas sem a mínima capacidade técnica necessária. 
Percebe-se, assim, que a mudança no inciso II, do §2º, do artigo 17, da Lei das Estatais não trará prejuízo técnico efetivo para a tecnicidade das atividades e comando das estatais. Além disso, torna as questões e influências políticas atinentes às estatais transparentes e reconhecíveis.  
Resta abordar se há uma fragilização efetiva do combate à corrupção. De um modo intrínseco, só é possível dizer que há esse enfraquecimento se o ponto de partida da análise for de que as pessoas e políticos em geral são mais corruptos que os outros. O que seria mais um reflexo da demonização da política e do político.  
O combate à corrupção se faz com órgãos de controle – internos e externos – fortes e que tenham a capacidade de analisar e investigar as ações dos gestores. Não se faz combate à corrupção pela mera análise prévia do currículo dos gestores. 
Aqui é impossível não lembrar que Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró – atores destacados do esquema de corrupção na Petrobras – eram servidores de carreira e com currículo ilibado até se descobrirem os atos de corrupção.  
Currículo, histórico escolar e experiência profissional não é certificado de honestidade e boa-fé.  
À guisa de conclusão é possível dizer que os argumentos contra a mudança que o PL 2896/2022 propõe à Lei das Estatais não se justificam quando postos frente a um juízo mínimo de racionalidade, sendo mera negação da política. Ademais, negar a política é recusar o óbvio e a realidade, sendo um caminho para o insucesso de qualquer regulação que se queria fazer.
Ariel Uarian – Advogado, mestre em Direito Constitucional pelo IDP-DF e especialista em Direito Administrativo
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