Na batalha do mal contra o mal, quem sempre vence é o Inferno – JOTA

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Eleições 2022
Antipetismo ou antibolsonarismo não deveriam poder definir a eleição de um governo
“A fraqueza do argumento do mal menor sempre foi que aqueles que escolhem o mal menor esquecem muito rapidamente que escolheram o mal.” A frase de Hannah Arendt, a mais consciente pensadora política dos últimos cem anos, reflete perfeitamente o (falso) dilema que nós, eleitores, nos encontramos neste segundo turno das eleições presidenciais. Querem nos impingir a ideia de que temos que escolher entre a cruz e a caldeirinha, ou, como dizia Brizola, entre o Diabo e o Coisa Ruim, insistindo com que esqueçamos que, assim, o Inferno vai ganhar sempre.
Chegou o momento em que os princípios devem orientar nosso voto para a terceira opção, politicamente válida, de não apoiar nenhum dos candidatos, votando branco ou nulo, deixando assim o recado de que a eleição de qualquer um dos dois remanescentes, apesar de legítima e democrática, não é consagração de seus nomes ou a apoteose de seus programas de governo. Trata-se mais de eleição triste e deprimente a confirmar a degeneração de nosso regime democrático e republicano, incapaz de dar solução para o problema de deslegitimação de nosso processo político. Somente assim se explica que boa parte dos brasileiros não vai votar naquilo que deseja ou acredita, mas contra aquele que lhes parece um “mal maior”.
É claro que um antipetismo ou um antibolsonarismo não deveriam poder definir a eleição de um governo a ponto de ser o argumento básico – e para alguns, único, para a escolha de nosso futuro; mas, infelizmente, assim o é. Dessa forma, não há o debate suficiente de propostas, mas a definição abstrata de uma candidatura por sua oposição à outra. Bolsonaro será melhor no combate à corrupção, pois o governo Lula foi o campeão da propina, com os dois maiores escândalos de corrupção de nossa história, o mensalão e o petrolão. Errado! Lula é melhor para a democracia brasileira que Bolsonaro, pois este constantemente ameaça as instituições com um golpe militar. Errado. Tudo isso é o que querem que acreditemos para justificar escolhas equivocadas que pretendem que façamos, mas que não precisamos fazer!
Vejo agora que dois nomes que simbolizam a Lava Jato e, portanto, a luta contra a corrupção, Sergio Moro e Deltan Dallagnol, logo após as suas eleições para o Congresso Nacional, fizeram manifestação a favor de Jair Bolsonaro neste segundo turno, sendo criticados, dentre outros, pela Transparência Internacional por essa decisão. É claro que há inúmeros argumentos a justificarem esse apoiamento, desde o conhecimento íntimo e exaustivo dos esquemas de corrupção do governo do Partido dos Trabalhadores, mas também pela própria escolha de Lula de ambos como seus inimigos pessoais. Nós que fomos da Lava Jato temos sido alvo de inúmeras manobras do PT – com apoio de bolsonaristas, diga-se – em abusivos procedimentos administrativos, o que, por si só, explica muito desse apoio.
Considerando tudo isso, bem como pelo fato de que aos políticos a neutralidade cobra um preço bastante intenso, quase insuportável, para esses dois novos políticos o apoio a Bolsonaro é a única forma de manterem relevância para o futuro. Entretanto, concordo com a Transparência Internacional em considerar uma falácia o argumento de que um governo Bolsonaro será melhor para o combate à corrupção que um governo Lula. Se esse foi um dos argumentos que embasaram a decisão de Deltan ou de Moro, trata-se de um engodo.
Nenhum dos dois candidatos à presidente merece qualquer credibilidade nesse campo. Ambos lançaram mão de corrupção para governar. Não é possível esquecer o mensalão e o petrolão – como faz a Transparência Internacional em sua manifestação, mas também não é correto dizer que não houve corrupção no governo Bolsonaro. Muito pelo contrário. Ao que parece os presentes de amigos, como o tríplex ou o sítio, que mancharam Lula pessoalmente, correspondem ao esquema familiar da rachadinha de Bolsonaro. Aliás, aqui Bolsonaro revela-se mais venal, pois o valor dos bens suspeitos de terem sido adquiridos com dinheiro desviado dos cofres públicos é bastante superior à módica propina de Lula.
Mas, por outro lado, o esquema de controle sistêmico da corrupção posto em prática pelo Partido dos Trabalhadores, centralizando as propinas em grandes players sob contato e supervisão direta dos seus tesoureiros, não encontra correspondência em qualquer outra época ou regime brasileiro. E essa centralização obedecia a um projeto de poder do partido, que pretendia deturpar a democracia com o abuso do poder econômico, fazendo do PT uma nova versão do PRI mexicano.
A nenhum dos dois interessa, portanto, colocar um procurador-geral da República independente, promover leis penais mais duras ou estabelecer um processo penal mais eficiente. O que veremos, isto sim, é a subordinação de ambos aos interesses do centrão e de sua máquina sanguessuga de recursos públicos. Como sei que Deltan e Moro acreditam no combate à corrupção, o primeiro passo nesse sentido é não se esquecerem que Bolsonaro é ainda um mal para o país, mesmo que o considerem menor, e que devem servir dentro do Congresso Nacional como anteparo a qualquer aventura antidemocrática deste, se eleito.
Carlos Fernando dos Santos Lima – Advogado especialista em compliance e procurador da República aposentado
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