O efeito do aumento de ministérios nos cofres públicos e na política – Nexo Jornal

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Lula promete aproximadamente mais dez pastas em seu futuro governo, após reduções de Temer e Bolsonaro. O ‘Nexo’ traz análises sobre a relação entre quantidade de ministros, gastos e eficiência na gestão

Faltando pouco mais de um mês para a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência, o presidente eleito e sua equipe negociam com aliados e parlamentares quais serão os ministérios da próxima gestão. O petista e o coordenador da transição, o vice eleito Geraldo Alckmin, indicam que vão formar um governo com aproximadamente uma dezena de pastas a mais do que o governo Jair Bolsonaro.
Trata-se de negociação que envolve cumprir compromissos de campanha com setores sociais e econômicos, responder a partidos aliados em busca de presença no governo e, ao mesmo tempo, atender à parcela da opinião pública preocupada com os gastos do governo. Eleito por uma frente ampla que uniu os mais variados setores contra a reeleição de Jair Bolsonaro, Lula tem agora muitos a quem contemplar.
Neste texto, o Nexo organiza o que o petista já indicou sobre a estrutura de seu terceiro governo e traz análises sobre os impactos da criação de novos ministérios nas contas públicas, na gestão e na governabilidade.

Lula assume seu terceiro mandato à frente do Executivo federal após duas gestões marcadas por importantes cortes na Esplanada dos Ministérios. Em 2016, o PT entregou ao presidente interino Michel Temer um governo com 32 pastas. Sete anos depois, em 2023, o partido vai receber 23 de Bolsonaro.
Esse número já é maior do que Bolsonaro havia prometido em sua campanha de 2018, quando disse que seu governo não passaria de 15 ministérios. Para um segundo mandato, o atual presidente ainda tinha admitido a possibilidade de criar mais três. “Pela extensão do Brasil se justifica fazer isso daí”, disse ele.
Em 2019, para conseguir atender ao menos em parte à promessa de campanha, Bolsonaro fundiu uma série de ministérios. Agora Lula promete desfazer essas fusões, desmembrando os ministérios da Economia, da Justiça e Segurança Pública e da Mulher, Família e Direitos Humanos e recriando ministérios que viraram secretarias dentro das pastas. O ex-presidente também já prometeu a criação de pastas que nunca existiram no governo brasileiro.
Confira abaixo um possível desenho ministerial (incluindo ministérios e órgãos com status de ministério) para o mandato que se inicia em 2023, conforme as indicações que Lula deu em discursos de campanha e no atual momento de transição.
JÁ EXISTENTES
Advocacia-Geral da União; Agricultura; Casa Civil; Ciência, Tecnologia e Inovações; Comunicações, Controladoria-Geral da União; Defesa; Desenvolvimento Regional; Educação; Gabinete de Segurança Institucional; Meio Ambiente; Minas e Energia; Relações Exteriores; Saúde; Secretaria de Governo; Secretaria-Geral; Turismo.
DESMEMBRADOS OU RECRIADOS
Mulher; Direitos Humanos; Igualdade Racial; Desenvolvimento Social; Esportes; Fazenda; Indústria; Planejamento; Justiça; Segurança Pública; Trabalho; Previdência; Cidades; Cultura; Pesca.
INÉDITOS
Pequenas e Médias Empresas; Povos Originários.
Especialistas em gestão pública apontam que o aumento do número de ministérios, assim como sua redução, é medida que tem impacto maior em termos políticos do que financeiros.
Fernando S. Coelho, professor de gestão pública da USP (Universidade de São Paulo), afirma que não necessariamente a redução de ministérios significa redução de gastos, embora “a narrativa para a sociedade, que está distante dos bastidores políticos e administrativos de um governo, seja sempre de diminuição do inchaço da máquina pública, de desburocratização”.
“O processo de redução de ministérios, na verdade, não é invariavelmente de diminuição de funções de um governo, mas, recorrentemente, de justaposição de atribuições que antes estavam divididas em vários ministérios sob o ‘guarda-chuva’ de um ‘superministério’”, disse Coelho ao Nexo.
Nesse processo, segundo ele, o número de ministros é reduzido, mas “são criadas dentro do novo ministério diferentes secretarias executivas ou especiais”. “Enfim, pode-se haver a redução de alguns custos administrativos relativos às atividades-meio que são integradas com as fusões de ministérios (áreas de gestão de pessoas, TI, compras públicas, comunicação, patrimônio e administração financeira-orçamentária), mas o grosso, em termos de atividades finalísticas, tende a se manter”, disse o professor.
Coelho afirma que isso não acontece, porém, quando o governo opta por reduzir ou extinguir políticas públicas – algo que, segundo ele, foi feito no governo Bolsonaro. Exemplos disso, na visão de Coelho, ocorreram “no setor de cultura, na fusão com o Turismo, bem como quanto à igualdade racial, na fusão com a pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e quanto ao esporte, na fusão com o Desenvolvimento Social, originando o Ministério da Cidadania”.
A fusão de pastas que gerou o chamado “superministério” da Economia, por exemplo, envolvendo os antigos ministérios da Fazenda, do Planejamento e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além de partes do Ministério do Trabalho, levou à extinção de aproximadamente 3.000 funções gratificadas ou comissionadas que eram pagas a servidores dessas pastas, número correspondente a 30% do total dessas funções. Mas a grande parte das estruturas originais foi mantida.

R$ 30 milhões

por ano é a economia gerada pela fusão das pastas econômicas, segundo o próprio Ministério da Economia montado

0,01%
é quanto esse valor representa no total das despesas de pessoal (R$ 316,7 bilhões) do governo federal no ano anterior, em 2018

Na administração federal, a realocação de cargos pode ser feita por meio de decreto presidencial. Mas a criação de novos cargos, gerando despesa de pessoal a mais para ser acomodada no orçamento federal, deve necessariamente passar pelo Congresso, para que a Lei Orçamentária Anual seja alterada.
Dessa forma, é possível que em 2023, as mudanças na Esplanada ocorram na forma da reorganização de cargos já existentes, afirmou Coelho. Isso porque Lula vai governar no seu primeiro ano com o orçamento aprovado ainda sob a gestão Bolsonaro, e por enquanto não há previsão de criação de novo órgão no texto.
“Está ao alcance do presidente recém-eleito a redistribuição dos recursos – cargos de livre-provimento, burocracia pública e orçamento para custeio e investimento – que estão à disposição do Poder Executivo para 2023 entre os ministérios”, afirmou também Coelho.
Por esse caminho, a ampliação ministerial petista “não implica uma elevação significativa dos gastos públicos, mas tão somente incorreria em alguns custos de reorganização administrativa em termos de readaptação predial, isto é, instalações e equipamentos”, nas palavras de Coelho.
Professor de administração pública na Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo) da Fundação Getulio Vargas, Ricardo Gomes afirma, por outro lado, que os ministérios brasileiros tendem a se expandir ao longo do tempo. “Se olharmos a Esplanada dos Ministérios, os ministérios foram criados e depois foram ampliados: todos os ministérios passaram a ter anexos, o que tem de gente trabalhando em cargos comissionados é um número muito grande”, afirmou.
O professor da FGV defende, inclusive, que algumas decisões sobre a criação de ministérios fiquem para depois do início do governo, de forma que a nova gestão consiga acessar todos os dados da administração federal e entender as capacidades de cada pasta já existente.
“Se já temos um ministério que cuida de pesca e desenvolvimento agrário, será que precisamos de uma estrutura ministerial para essa atividade?”, disse ele, que também considera desnecessário um ministério exclusivo para Pequenas e Médias Empresas. Por outro lado, na visão de Gomes, a recriação do Ministério do Planejamento é urgente e deve ser uma das primeiras medidas de Lula.
“O país precisa precisa de política pública, o déficit educacional depois da pandemia está muito grave e questão da distribuição de renda também está muito séria. Mas não se faz política pública se não houver dinheiro, se não houver gestão. Não dá para fazer milagre
Ricardo Gomes
professor de administração pública da FGV-SP, ao Nexo, sobre a impossibilidade, segundo ele, de criação de muitos ministérios
Aumentar ou diminuir ministérios “é sempre uma decisão cujo trade-off [o que se troca] é a capacidade de coordenação macrogovernamental versus a amplitude da representação – simbólica ou concreta – de áreas e setores no primeiro escalão governamental”, afirma Coelho, da USP.
Um exemplo desse impacto na coordenação macrogovernamental acontece com as mudanças nas pastas econômicas. Em entrevista em 2018 ao podcast Politiquês, do Nexo, o cientista político Renato Perissinotto, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), afirmou que a fusão de outras pastas no ministério da Fazenda, como fez o ex-presidente Fernando Collor de Mello (com a Secretaria de Planejamento), tende a deixar essas outras áreas “sufocadas” pelas atribuições fazendárias.
A fusão entre Fazenda e Planejamento tampouco deu certo sob Bolsonaro, segundo Gomes. “Colocar gasto [função do Planejamento] e arrecadação [função da Fazenda] no mesmo ministério não funciona, foi uma dessas reformas de reduzir despesa que no final dão errado”, disse o professor da FGV.
Coelho concorda com ele, destacando que o PPA [Plano Plurianual, um planejamento orçamentário feito a cada quatro anos] apresentado pelo governo Bolsonaro “foi o primeiro da história, desde a criação do instrumento na Constituição Federal de 1988, a ser contestado pelo TCU [Tribunal de Contas da União]”.
“O planejamento governamental foi praticamente inexistente em muitas áreas de governo, e quando um governo não tem um planejamento formal empoderado politicamente, acontece, como observamos, de o orçamento público ser apropriado, ser alocado sem critério”, afirmou Coelho.
Para ele, o “orçamento secreto” que marcou o governo Bolsonaro é exemplo dessa apropriação indevida, “caracterizando má gestão do gasto público e portanto desperdício do dinheiro público”. Pelo “orçamento secreto”, bilhões de reais foram repassados a prefeituras sem critérios técnicos, conforme as indicações de parlamentares aliados, levantando uma série de suspeitas de corrupção.
“Pode-se até aventar que um superministério da Economia tenha um grau de eficiência em termos de economicidade dos gastos públicos, mas a experiência de quatro anos do governo Bolsonaro mostrou que ele ficou longe de uma eficácia e efetividade nas macrofunções, por exemplo, de planejamento-orçamento”
Fernando S. Coelho
professor de gestão pública da USP, ao Nexo

Somado ao problema da incompatibilidade de funções, a aglutinação de ministérios também pode simplesmente assoberbar uma pasta de trabalho, impedindo que ela discuta em profundidade todos os temas de que é responsável.
É o que diretores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública argumentam pela recriação de um Ministério da Segurança Pública. Em artigo no jornal Folha de S.Paulo, eles afirmaram que o atual Ministério da Justiça e Segurança Pública está sem capacidade institucional suficiente para analisar ideias, “em especial as inovadoras e conceituais”, sobre todos os temas securitários, incluindo o das carreiras policiais.
Já aliados de Lula, como o ex-governador Flávio Dino (PSB-MA), cotado para o comando do ministério, teriam preferência por uma pasta unificada, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo. Por enquanto, a equipe de transição de Lula tem um único grupo temático para as áreas de justiça e segurança pública.
A disputa pela exclusividade das pastas está presente até mesmo para os ministérios que ainda deverão ser criados. Lideranças indígenas defendem, por exemplo, que o Ministério dos Povos Originários, como está sendo planejado, tenha o nome de Ministério dos Povos Indígenas e se dedique exclusivamente a eles, não abarcando, por exemplo, quilombolas e ribeirinhos.
“Eu acho que cada um tem um espaço. Os povos indígenas têm uma legislação diferenciada e um sistema todo próprio, até a Constituição nos coloca assim. Misturar tudo fica confuso”, disse ao jornal O Globo a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), cotada para comandar a pasta.
Além dos debates sobre as funções institucionais, a expansão da estrutura de governo também serve para acomodar aliados. No governo Bolsonaro, por exemplo, a criação de ministérios se deu num momento em que o presidente buscava estreitar seus laços com os partidos do centrão, a fim de impedir que um processo de impeachment avançasse no Congresso.

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