O encontro de contas de Bolsonaro com o Direito – JOTA

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Publicistas
Punir para prevenir
Especialistas são unânimes em ressaltar a importância de implementação de uma “justiça de transição” para apurar e decretar responsabilidades de agentes públicos, na sequência de períodos históricos marcados por relevantes violações a direitos humanos e abalos institucionais e democráticos. 
Estudos empíricos indicam forte correlação entre a ausência (ou a fragilidade) de tais medidas e o volume de violações a direitos humanos nas décadas seguintes ao período traumático. A tese, intuitiva, é a de que a falha em punir atentados passados termina por encorajar que eles se repitam. É nessa linha que se lamenta a ampla anistia concedida, no Brasil, aos agentes responsáveis pelas violações realizadas durante o regime militar iniciado em 1964 e terminado duas décadas depois.
A ascensão de Jair Bolsonaro ao poder e a sua atuação no governo é mais um indício da correção das teses acadêmicas que abrem este texto. A sua queda é uma nova oportunidade para que o Brasil faça um encontro de contas com o seu passado. O pós-Bolsonaro exige a implementação de medidas judiciais contundentes de responsabilização de um governante desatinado, que desprezou o Direito e as instituições.
Todos os aspectos da tragédia nacional dos últimos quatro anos transformam-se em incentivos para uma reação. A vitória apertada obtida pelo futuro presidente Lula serve como alerta para a magnitude do risco a que estivemos expostos; margem mais ampla poderia passar a impressão de que ele não teria sido tão grave.
O teste de estresse quase diuturno a que submeteu as instituições responsáveis por conter os seus excessos, bem como as provocações e ameaças pessoais que Bolsonaro e o seu entorno impunham à quase totalidade de seus membros podem produzir o estímulo visceral necessário para que agentes tão inclinados a “deixa disso” façam, enfim, questão de agir com rigor. A destruição de ambientes familiares antes pacíficos e o espetáculo grotesco de múltipla exposição de seus seguidores ao ridículo, nos dias seguintes da decretação da derrota, forma o componente de preocupação humanística com a sanidade de nosso povo, tão afetada pela rede de mentiras do incumbente.
Nos últimos anos, por incontáveis vezes as nossas instituições falharam em barrar desvarios do presidente, ou agiram apenas na exata medida para evitar as suas consequências mais graves. Mas a apreensão realista das coisas impõe mesmo admitir que, a despeito da clareza e do volume dos crimes perpetrados, a responsabilização de governantes encontra uma série de dificuldades enquanto eles ainda estão no poder. A sua derrota nas urnas, no entanto, ao mesmo tempo em que oferece nova ocasião para colocá-lo frente a frente com o Direito, enfraquece as razões para não o fazer.
Como o Brasil responderá à longa lista de abusos e agressões de Bolsonaro? É esta resposta que definirá a probabilidade de voltarmos a lidar com figuras semelhantes a ele no futuro.
Eduardo Jordão – Professor da FGV Direito Rio e sócio do Portugal Ribeiro Advogados. Doutor pelas Universidades de Paris e de Roma. Mestre pela USP e pela LSE. Foi pesquisador visitante em Harvard, Yale, MIT e Institutos Max Planck
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