O homem que apostou em Neymar quer seu dinheiro – UOL

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Delcir Sonda ainda se lembra do momento em que viu o menino pela primeira vez. Anos antes de crescer e se tornar uma das maiores estrelas do maior esporte do mundo, anos antes de alguém fora de sua comunidade local em São Vicente –uma cidade-dormitório do porto de Santos– ouvir seu nome, Sonda notou Neymar jogando futebol em uma quadra.
Foi um encontro casual. Sonda estava passeando de barco com alguns amigos numa tarde de domingo, em meados dos anos 2000, quando viu um grupo de meninos jogando numa superfície dura dentro de um cercado. Intrigado, ele pediu aos amigos que parassem para que ele pudesse olhar mais de perto.
“Havia um garoto ali que era totalmente diferente dos outros”, disse Sonda sobre Neymar, que teria 11 ou 12 anos na época. “Ele ficou preso na minha cabeça. Nunca imaginei que esse garoto um dia se tornaria meu jogador.”
Anos depois, eles se cruzariam novamente: Neymar, uma estrela em ascensão prestes a se tornar o foco de uma guerra de lances intercontinentais, e Sonda, um magnata dos supermercados que havia apostado milhões de dólares em Neymar e sua família, no que ele acreditava ser um investimento garantido no prodigioso talento futebolístico do jovem.
Essa relação está sendo analisada em um tribunal espanhol desde segunda-feira (17), quando teve início o julgamento sobre uma das transferências mais notórias da história do futebol: o acordo de 2013 que levou Neymar ao clube espanhol Barcelona.
Sobre o que é o julgamento? Dinheiro, principalmente, embora as acusações oficiais envolvam corrupção e fraude. Em seu processo, Sonda apontou Neymar, seus pais, dois de seus antigos times e vários executivos proeminentes do futebol como arquitetos de um esquema elaborado que o fraudou em dezenas de milhões de dólares.
Mas o caso também é sobre promessas descumpridas, mágoas e o lado obscuro de um mercado de R$ 37 bilhões por ano, no qual os times de futebol mais ricos do mundo, auxiliados por uma rede de agentes, intermediários e investidores, negociam jogadores como commodities: avaliações de milhões de dólares feitas de carne, sangue e sonhos.
Os advogados de Neymar disseram que as autoridades espanholas não têm jurisdição para cuidar do caso. O Barcelona se recusou a comentar para esta reportagem.
Um homem já rico quando fez o acordo em 2009, Sonda está buscando pelo menos US$ 35 milhões (R$ 184 milhões), o valor que ele diz ser devido de acordo com os termos de seu investimento original nos direitos econômicos de Neymar. Mas Sonda realmente não precisa do dinheiro, ele admitiu, e não parece se importar particularmente com a possibilidade de Neymar e seus pais acabarem na cadeia, ou o risco de o julgamento atrapalhar a preparação do Brasil para a Copa do Mundo.
Tudo o que ele quer, disse em entrevista em seu escritório em São Paulo, é a verdade.
O Santos, time brasileiro que se tornou famoso há mais de meio século graças ao seu craque Pelé, estava em apuros em 2009. Precisava desesperadamente de um aporte de dinheiro, muito dinheiro, para manter Neymar, então com 17 anos, no clube por tempo suficiente para impressionar a multidão na Vila Belmiro, enquanto negociava a venda de seus direitos pelo enorme lucro que sabia que ele traria.
Como a maioria dos outros times brasileiros da época, o Santos temia perder o jovem Neymar antes mesmo de jogar pelo time principal do clube. O pai do jogador, Neymar da Silva Santos, já havia garantido que seu filho fosse conhecido no meio do futebol de elite; quando Neymar tinha apenas 14 anos, seu pai o levou para o Real Madrid, na Espanha, para um mês de treinamento.
As atuações de Neymar lá rapidamente criaram um mercado –o Real Madrid providenciou um exame médico para ele e um contrato foi preparado–, mas o Santos, citando os regulamentos da Fifa na época, exigiu que ele voltasse ao Brasil. (Neymar disse mais tarde que foi sua escolha voltar para casa.)
O Santos sabia que tinha um prêmio raro, mas a família de Neymar, também. Assim, um curioso arranjo foi feito: o Santos ofereceu a Neymar o controle de 40% de seus direitos econômicos em troca de um pouco mais de tempo.
A boa notícia, disse o Santos, é que o clube tinha um comprador para esses direitos: Sonda, que com o irmão havia concordado em pagar R$ 5 milhões, depois cerca de R$ 2 milhões, a Neymar e sua família pelos 40% que estavam em oferta.
“Eles ficaram ricos da noite para o dia”, disse Sonda, 74, em entrevista ao The New York Times, apontando para a mesa de mogno em seu escritório no 24º andar onde o contrato foi assinado.
Até então, homens como Sonda haviam se tornado componentes valiosos do ecossistema do futebol brasileiro. Com os clubes atolados em um estado aparentemente constante de crise financeira, eles tiveram que encontrar soluções criativas para manter seus elencos. Entram em cena os empresários.
Para atrair seus melhores jogadores jovens para ficar apenas mais um ou dois anos, as equipes dividiriam seus direitos econômicos e venderiam essas peças a investidores por injeções regulares de dinheiro.
Sabendo que o retorno não era garantido, os compradores normalmente seriam torcedores ricos dos times. Para Sonda, investir no Santos foi em parte sentimental, uma lembrança de sua infância, quando ouvia as partidas do time em rádios transistores.
“Pelé, Pelé”, disse Sonda, imitando um comentarista enquanto levava um rádio imaginário ao ouvido.
Sonda também investiu em outros clubes, com destaque para o Internacional, seu time favorito. O Internacional é sediado no Rio Grande do Sul, estado do Sul para o qual os avós italianos de Sonda migraram, onde ele e seus cinco irmãos nasceram e onde o império supermercadista da família começou como fornecedor local de feijão.
Os Sonda tinham sua própria história de sucesso: a família abriu seu primeiro supermercado em 1974. Hoje são 40, parte de uma empresa que emprega mais de 15 mil trabalhadores.
À medida que a fortuna da família se expandia, Sonda e seu irmão Idi foram incentivados a diversificar no futebol. Em 2004, fundaram uma empresa chamada DIS –suas primeiras iniciais e o nome da família– para comprar ações de jogadores.
Sonda e seu irmão viram o negócio como uma forma de investir em algo de que gostavam, disse ele, um projeto que poderia servir como um empreendimento beneficente, mas também oferecer retornos ocasionais. Os jogadores de futebol iniciantes que conheceu como investidor, disse ele, às vezes o lembravam de suas próprias lutas como menino pobre que sonhava com uma vida melhor.
Sonda disse que não conseguia se lembrar de quantos jogadores a DIS financiou ao longo dos anos, mas os que a DIS contratou receberam equipamentos de futebol e bolsas. Alguns acabaram jogando pela seleção brasileira. Alguns dos que não conseguiram, disse Sonda, acabaram sendo recrutados para trabalhar no império dos supermercados.
Esse nunca seria o caso de Neymar.
Neymar Jr. sempre foi destinado ao estrelato. Dois anos depois de sua estreia pelo Santos, aos 17, em 2009, ele estava perto o suficiente para tocá-lo. Mesmo antes de jogar um jogo, porém, as manobras para controlar seu futuro estavam tomando forma.
O dinheiro sempre foi um ponto de pressão na relação com a família de Neymar, disse Sonda. Antes de aceitar o acordo original com a DIS, disse Sonda, Neymar pai recrutou Wagner Ribeiro, então um dos principais agentes do Brasil, para tentar extrair um preço mais alto. Ribeiro sugeriu que outros clubes e outros licitantes, incluindo o então proprietário do Chelsea, Roman Abramovich, também estavam interessados na participação de 40% em Neymar. O preço devia ser mais alto, afirmou Ribeiro.
As conversas continuaram até a 0h antes que Sonda se cansasse. Ele não pagaria mais que sua oferta original de cerca de US$ 2 milhões (R$ 10,5 milhões, na cotação atual). As negociações, segundo ele, foram encerradas. No dia seguinte, Neymar e seus pais foram ao escritório de Sonda com lambris de madeira e assinaram a papelada.

Para Sonda, o primeiro indício de que algo estava errado veio mais ou menos um ano depois que Neymar começou a jogar pelo time titular do Santos. Até então, lembra Sonda, ele recebia convites regulares para jogar sinuca e comer pizza com Neymar e sua família depois de jogos na casa que Neymar havia comprado com parte dos US$ 2 milhões que recebera. Em 2011, porém, ele começou a notar a presença de outros convidados, incluindo Pini Zahavi, o agente israelense conhecido por intermediar alguns dos maiores negócios do futebol. “Ele começou a aparecer porque queria levá-lo para a Inglaterra”, disse Sonda.
Ao mesmo tempo, segundo Sonda, o pai de Neymar começou a lhe pedir que vendesse de volta os direitos econômicos de seu filho. As ofertas de Neymar pai não paravam de subir, chegando a 8 milhões de euros (R$ 41,5 milhões, na cotação atual), disse Sonda. “Você já ganhou muito”, disse, segundo Sonda, Neymar pai.
Ganhar dinheiro fácil sobre seu investimento, porém, era “uma proposta indecente”, disse Sonda. Ele já tinha visto notícias de que times europeus, incluindo o Real Madrid, estavam dispostos a pagar até 70 milhões de euros (R$ 363 milhões) por Neymar. Esse tipo de negócio teria dado quase 30 milhões de euros (R$ 156 milhões) para a DIS –um retorno de 15 vezes o que a empresa tinha investido em 2009.
No Santos, as apostas também aumentavam. O clube já tinha renegociado o contrato de Neymar. Cedera a uma demanda de Neymar pai para fornecer uma carta autorizando-o a negociar o preço de transferência de seu filho com outras equipes, mesmo que Neymar Jr. ainda estivesse sob contrato com o Santos.
Armado da carta –cuja legalidade a DIS contesta, mas é um documento exigido pelas regras da Fifa–, Neymar pai e um grupo de agentes conseguiram reuniões com alguns dos maiores times do mundo: Chelsea, Bayern de Munique, Real Madrid.
Nos bastidores, porém, em um acordo de que nem o Santos nem a DIS teriam conhecimento até anos depois, Neymar pai e Barcelona já haviam chegado a um acerto.
Nele, o clube concordou em pagar 10 milhões de euros (R$ 51,9 milhões) imediatamente a uma empresa criada pelos pais de Neymar, e depois mais 30 milhões (R$ 156 milhões) assim que Neymar assinasse com o Barcelona no final de seu contrato com o Santos em 2013. Quarenta milhões de euros (R$ 207,5 milhões) garantiram que Neymar não mudasse de ideia.
A DIS escreveu ao Barcelona, exigindo saber se os rumores de um acordo com Neymar eram verdadeiros. O clube negou que tivesse um acordo, disse Sonda. (O Barcelona se recusou a comentar a alegação de Sonda; a transferência de Neymar já causou problemas legais para a equipe, e tanto o clube quanto dois de seus ex-presidentes são réus no próximo julgamento.)
Na primavera de 2013, o Santos cedeu: preocupado com a possibilidade de perder seu maior ativo por nada, concordou em vender os direitos de Neymar ao Barcelona com desconto, por 17,1 milhões de euros (cerca de US$ 22,5 milhões na época, R$ 88,7 milhões na cotação atual)). Alguns acordos auxiliares suavizaram um pouco o negócio, e o preço total de Neymar –mais de US$ 100 milhões (R$ 527,1 milhões)– surgiu apenas depois que um membro do Barcelona levou o clube ao tribunal.
Como nenhum dos pagamentos secretos do Barcelona à família de Neymar fazia parte do preço oficial de transferência, porém, a empresa de Sonda foi cortada do que diz ser sua parte legítima. No final, a DIS recebeu apenas 6,8 milhões de euros (R$ 34,8 milhões).
“Eles venderam meus 40% para o Barcelona”, disse Sonda, furioso. “Eles me enganaram.”
Baker McKenzie, o escritório de advocacia que representa Neymar, recusou-se a discutir detalhes do caso. No entanto, rejeitou os próprios fundamentos da ação de Sonda, bem como a jurisdição do tribunal espanhol, porque a transferência envolvia cidadãos brasileiros e ocorreu no Brasil. Nesse país, destacou a empresa, a corrupção entre indivíduos não é crime.
Neymar foi obrigado a comparecer pelo menos ao primeiro dia do julgamento na segunda-feira. Foi dispensado após uma hora e meia, embora deva retornar para um depoimento.
Em uma audiência preliminar em Madri em 2016, Neymar afirmou não conhecer Sonda. Isso doeu, disse Sonda, lembrando os dias de pizzas pós-jogo, os churrascos e os ocasionais jogos de sinuca. Paulo Nasser, um dos advogados de Sonda, refutou a alegação do jogador pegando seu telefone para mostrar uma foto de Neymar sorrindo ao lado de seu pai e de Idi Sonda. A foto foi tirada na casa de praia de Idi Sonda no balneário do Guarujá.
Junto com os promotores espanhóis, Delcir Sonda está pedindo milhões de indenização, além de sentenças de prisão para Neymar, seus pais e vários executivos envolvidos no caso. Mas ele insistiu que o caso não era sobre dinheiro. Aos 74 anos e já rico, disse, quer apenas corrigir um erro.
As autoridades do Barcelona entraram em contato várias vezes ao longo dos anos para tentar resolver a disputa e até vieram à sua casa, disse ele. Mas Sonda sempre os rejeitou. “Eu poderia ter aceitado o dinheiro deles, mas não é importante”, afirmou. “Preciso saber o que aconteceu.”
Que o julgamento comece apenas algumas semanas antes de Neymar comandar o Brasil na Copa do Mundo não depende dele, disse. “Eu não posso decidir quando a justiça é feita”, disse Sonda.
Além disso, acrescentou: “Acho que não vão sentir falta de Neymar. Agora, se fosse o Pelé, aí seria um problema. Mas não é Pelé“.
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves
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