O novo governo do PT e a evitação da corrupção – politica.estadao.com.br

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REDAÇÃO
10 de novembro de 2022 | 16h27
Luiz Fernando Vasconcellos de Miranda, Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). É membro do conselho deliberativo da Transparência Brasil
A eleição para presidente da República deste ano teve o Partido dos Trabalhadores como vitorioso, encarnada na trajetória épica de seu líder maior, Lula. O ex-presidente, que fora condenado por processo oriundo da Operação Lava-jato, conseguiu obter a anulação do processo em que o juiz Sergio Moro foi considerado suspeito, reestabeleceu sua imagem frente parte do eleitorado, e se recandidatou à presidência para ganhar um pleito que teve até a Polícia Rodoviária Federal fazendo operações com objetivos suspeitos. A maioria da população soube esperar a apuração. Os apoiadores de Lula comemoraram e os de Bolsonaro parecem ter se resignado republicanamente, à exceção dos caminhoneiros e outros poucos. O fato mais importante é que apesar de um número grande de esforços legais e ilegais do grupo de Bolsonaro para reeleger o então presidente, o rito eleitoral conseguiu cumprir seu destino e o vencedor “levará as batatas”.
O PT ganhou a eleição com uma pauta de resgate da democracia, com valores republicanos, primando pelo direito das minorias, a boa manutenção do meio-ambiente e pleno atendimento aos mais pobres. Todas pautas muito justas e onde torcemos para ver êxitos. Um tema bastante importante não figura entre os que merecem a devida atenção quando tratamos de democracia e do PT. Me refiro ao tema da corrupção.
É corrente na literatura que estuda corrupção, mais especificamente os estudos de ciência política e economia, de ver como esperada a tentativa de descolamento que os políticos têm em relação ao tema da corrupção. A razão é simples: a imagem do político corrupto deteriora qualquer candidatura e o preço a se pagar pode ser a não eleição. A corrupção é um tema polêmico por si. Como não conseguimos medi-la com propriedade, a maneira como se enxerga o fenômeno pode ser subjetiva. Eleitores podem ser muito bons em detectar a corrupção do partido em que fazem oposição, mas ter uma visão bastante leniente da corrupção do partido que apoiam. Assim, a corrupção é sempre um fenômeno que ‘só atinge o outro’. A corrupção, enquanto crime, é mais órfã que a derrota.
O bom funcionamento da democracia prescinde de instituições com alto grau de accountability e que conduzam a baixos níveis de corrupção. O escândalo do Mensalão e do Petrolão, a despeito dos escândalos do atual governo (rachadinhas, apartamentos comprados em espécie e orçamento secreto), foram significativos escândalos de corrupção. Esses escândalos servem de motivo para o recrudescimento de parte da população em um comportamento conservador e, às vezes, violento. Infelizmente, o Partido dos Trabalhadores ainda não fez seu devido mea culpa. Lula passou por seus piores momentos sob análise de um juiz suspeito, ainda assim, tais ilegalidades não abonam os erros do PT. Uma vez que já tenha se passado uns bons anos do ocorrido creio que isto possa ser feio de maneira racional, de forma a expurgar esse espinho e que possamos seguir a vida.
Uma vez que o PT montou esquemas de corrupção isto significa que ocorrerá de novo? Não. É este o ponto da análise em questão: o que é possível ser feito para que o PT não incorra nos erros do passado? Aqui preciso me atentar um pouco sobre o debate do presidencialismo de coalizão brasileiro. Barry Ames (2001), em seu livro ‘O Colapso da Democracia no Brasil’ [1], já nos alertava que houve corrupção durante o processo da votação da emenda da reeleição no governo Fernando Henrique. Os governos do PT, Lula e Dilma, tiveram no Mensalão e no Petrolão os maiores casos. Tudo indica que o orçamento secreto tem sido usado de modo espúrio pelos parlamentares. Se imaginarmos que os montantes têm aumentado a cada governo podemos descrever o efeito da corrupção no que tange à relação Executivo-Legislativo como tendo o efeito de uma bola de neve. O contraponto, dado por Figueiredo e Limongi (1999), é o de que prerrogativas constitucionais (poderes de veto, medidas provisórias, colégio de líderes) são um contrapeso às demandas clientelistas dos parlamentares [2]. Os governos do PT e o de Jair Bolsonaro, ao gerenciar a coalizão com altos side payments parecem indicar que a explicação de Figueiredo  Limongi é circunscrita a determinados governos. Quanto maior a distância ideológica entre os partidos da coalizão e maior a fragmentação partidária, maior o custo da coalizão e maior as chances de ocorrer corrupção.
Qual seria a saída para diminuir e dificultar a corrupção no próximo governo, então? [3] Primeiro precisamos aguardar a montagem do gabinete e verificar os partidos que irão apoiar o presidente no Congresso. Embora os partidos não sejam igualmente disciplinados, a literatura mostra que os líderes conseguem controlar os processos de votação. A chance de corrupção aumenta quando encontramos blocos de partidos fisiológicos organizados. No Brasil este bloco foi apelidado de centrão. Por outro lado, a última reforma partidária parece estar diminuindo a fragmentação partidária. Chamo de medida frágil de controle da corrupção um complemento das agências de controle por parte da sociedade civil organizada, a chamada accountability societal. Digo frágil porque o nível de estrutura e organização da sociedade para este tipo de cobrança ainda é pequeno.  Uma medida robusta seria uma eficaz reforma política. O ‘porém’ é que a constituição brasileira é duramente imobilista, requer duas votações com aprovação de 3/5 dos voos nas duas casas para alterações constitucionais. Tais maiorias são parte do preço caro que pagamos pela democracia.
Uma vez que não está no horizonte do atual debate político o tema da reforma política, que exige longas discussões prévias antes das votações, nos sobrou a medida frágil. Note, o que é bastante curioso, ter uma população bastante atenta ao noticiário político não garante que esta mesma população fiscalize e cobre o Estado de maneira adequada. Isto também não quer dizer que a população não possa ser mobilizada a participar ativamente da política. Me refiro, aqui, a uma participação eminentemente republicana, e não a uma participação raivosa e cheia de bílis como nos tempos do Bolsonaro. O que fica de lição é que temos tarefas a cumprir. O governo tem a tarefa de se organizar melhor e evitar pork e log-roll como maneiras de obter vitórias mais eficazes. Seria altamente desejável reverter as antirreformas que o Congresso vem promovendo para com a legislação anticorrupção (toda uma legislação anticorrupção vem sendo descaracterizada). A sociedade civil precisa, por sua vez, entender seu papel fiscalizador num mundo mais facilitado pelo advento da internet. A eleição de Lula recupera aspectos democráticos sem igual, mas também precisamos olhar para a corrupção que corrói a credibilidade dos regimes democráticos onde se alastra.
Notas
[1] AMES, Barry (2003). Os Entraves da Democracia no Brasil. Rio de Janeiro: FGV.
[2] FIGUEIREDO, Argelina e LIMONGI, Fernando (1999). Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: FGV.
[3] Nas ‘Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil’, da coligação vencedora das eleições (PT, PSB, PCdoB, PPV, PSOL, REDE, SOL, AVT, AGR) há quatro pontos sore combate a corrupção. O ponto 111 estipula as medidas que os governos anteriores do PT tomaram para o combate à corrução: criação da CGU (gestada no governo FHC), ENCCLA (lavagem de dinheiro) e fortalecimento do COAF, PRF e Receita. O ponto 112ressalta que o governo reforçará o controle interno e externo. O ponto 112 ressalta que o governo primará pela transparência. São medidas necessárias, mas estipuladas da forma em que se encontram são medidas pouco claras e certamente insuficientes. Talvez precisaremos aguardar as primeiras ações do governo no que toca o combate à corrupção para vermos, em detalhe, a aplicação prática de tais políticas. É importante neste assunto saber como o governo lidará coma reversão da legislação anticorrupção feita pelo Congresso após a Lava-Jato. O documento encontra-se disponível em: https://pt.org.br/baixe-aqui-as-diretrizes-do-programa-de-governo-de-lula-e-alckmin/
Mais sobre o autor
Luiz Fernando Vasconcellos de Miranda: tem se dedicado a pesquisar temas com
foco em corrupção, principalmente nas áreas de instituições políticas, políticas públicas
e metodologia de pesquisa. Entre outros trabalhos destaca-se o artigo “Unificando os
conceitos de corrupção: uma abordagem através da nova metodologia dos conceitos”,
disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-335220182507 |
Contato: lfmiranda2005@yahoo.com.br twitter: @lfmiranda2005
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