O que o governo Lula pretende fazer nos primeiros 100 dias? – TradeMap
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Os primeiros cem dias de governo de um novo presidente costumam ser vistos como o período de lua de mel, em que os investidores geralmente dão o benefício da dúvida ao novo governante e o Congresso costuma apresentar maior boa vontade para aprovar medidas. Em seu terceiro mandato, contudo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) parece que não irá se beneficiar desse período.
Lula terá o desafio de conseguir aprovar no Congresso medidas econômicas que devem ser o foco desses primeiros dias de governo como o novo arcabouço fiscal, a reforma tributária e a nova política de preços dos combustíveis.
Antes mesmo de assumir o governo, Lula teve que passar pelo teste de negociar com o Congresso a aprovação da PEC da Transição para manter em R$ 600 mensais o valor do Bolsa Família em 2023.
A demora para aprovar a medida mostra que as negociações com os parlamentares não serão fáceis, dado que o governo não tem a maioria dos assentos no Congresso.
“Não vai existir lua de mel. A reação do mercado nos primeiros dias foi muito forte e o presidente tem citado o mercado como vilão”, diz Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos.
A volatilidade no mercado deve permanecer até o governo mostrar de fato as primeiras medidas econômicas , afirma Matheus Pizzani, economista da CM Capital.
“A situação só vai normalizar quando se tiver clareza de qual vai ser o novo arcabouço fiscal e o governo mostrar evidências empíricas, como pautar a reforma Tributária”, disse Pizzani.
Veja abaixo quais as medidas econômicas que devem ser foco do governo nos primeiros 100 dias de mandato do presidente Lula.
Em seu discurso de posse, em 2 de janeiro, o ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT) afirmou que o Ministério enviará ao Congresso no final de abril a proposta de uma nova âncora fiscal para substituir a regra do teto de gastos (que limita o aumento das despesas do governo à inflação).
Na PEC da Transição, há um prazo até agosto de 2023 para que o governo eleito envie um plano com a nova regra, que poderá ser aprovada por maioria simples.
Haddad ressaltou que a nova regra fiscal deve ser confiável, factível, desafiadora e demonstrar a sustentabilidade das finanças públicas no longo prazo.
Para a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, o importante é o governo sinalizar claramente a trajetória de queda na relação dívida/PIB, que hoje está na ordem de 74%, no médio e longo prazos. “Esse patamar de dívida não é sustentável e a taxa de juros nesse patamar [13,75% ao ano] deixa a situação ainda mais preocupante”, diz.
Para isso, segundo a economista, o governo terá que reduzir o déficit fiscal e buscar um superávit de pelo menos 1,5% do PIB. Isso reduziria a dívida para um patamar próximo de países pares, ao redor de 60% do PIB.
“Mas acho difícil o governo alcançar um superávit de 1% do PIB já em 2024”, diz Rafaela.
O orçamento de 2022, aprovado pelo Congresso Nacional, prevê um déficit de R$ 231,5 bilhões nas contas do governo em 2023, o equivalente a 2% do PIB.
Para reduzir o déficit fiscal o governo pretende atacar em duas frentes. A primeira será aumentar a arrecadação com o fim de desonerações tributárias oferecidas a alguns setores e isenções de tributos sobre os combustíveis, o que deve vir junto com a reforma tributária, afirmou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, em entrevista à Globonews, em 3 de janeiro.
“Não parece que o governo tem fonte de recursos factíveis. A expansão fiscal foi feita sem contrapartida da parte de arrecadação”, diz Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos.
No fim de 2022, o Tesouro Nacional chegou a apresentar uma proposta de nova regra fiscal que limita o crescimento real dos gastos do governo federal à trajetória da dívida líquida, que leva em conta os ativos do governo como as reservas internacionais e estava em 58,3% do PIB no fim de 2022. Quanto menor a dívida, maior poderá ser crescimento de despesas do governo e vice-versa.
Galípolo comentou ser favorável a proposta do Tesouro de considerar a dívida líquida como base, mas se mostrou reticente em trabalhar com uma meta específica, afirmou em entrevista à Globonews.
A ideia do governo seria ter uma meta de superávit primário sem se comprometer com um patamar específico de meta de dívida/PIB, explicou Sanchez.
“O mercado quer ver algo crível e fiscalmente sustentável”, disse Sanchez.
A segunda frente deve vir de um corte de gastos com a revisão do Orçamento, afirma Rafaela.
Uma das primeiras reformas a ser endereçada pelo governo será a tributária. Haddad disse que a reforma deve ficar para abril, quando as comissões já estiverem montadas na Câmara e no Senado.
A ideia do governo é partir da proposta de Bernard Appy, nomeado como secretário especial para a reforma.
A mudança proposta por Appy é da unificação dos tributos cobrados sobre bens e serviços em um único Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Já há dois projetos no Congresso, a PEC 45/19 e a PEC 110/19, que tratam desse tema.
“O governo deve encontrar dificuldades no Legislativo para aprovar a reforma que passa a tributar de maneira mais relevante alguns setores, como o de serviços”, disse Sanchez.
A reforma do Imposto de Renda, em que seria discutida a tributação dos lucros e dividendos e a eventual redução da alíquota para empresas, deve, segundo Rafaela, ser discutida em um segundo momento.
“A questão da tributação de dividendos já está bem debatida no Brasil, mas o impacto vai depender de qual vai ser a combinação com o Imposto de Renda para Pessoa Jurídica”, diz Rafaela.
O governo pretende usar a reforma tributária para retirar algumas desonerações de setores específicos e, assim , aumentar a arrecadação.
O governo prorrogou a desoneração de tributos federais sobre os combustíveis, com incentivo fiscal para a gasolina acabando no fim de fevereiro, a fim de ganhar tempo para discutir uma nova política de preços até lá.
O presidente Lula chegou a criticar durante a campanha a política atual de Preço de Paridade Internacional (PPI) adotada pela Petrobras para os combustíveis.
O indicado para presidir a estatal, Jean Paul Prates (PT-RN), no entanto, negou que haverá uma mudança da política, mas disse que poderá deixar de usar o preço de importação como referência.
“Não quer dizer absolutamente que você vai se desvincular das oscilações internacionais, mas apenas usar a vantagem competitiva de quem está aqui versus quem está lá fora”, disse Prates em 4 de dezembro.
“A ideia que ele mencionou seria desvincular os preços da paridade de importação e considerar o custo de produção local”, disse Sanchez. “Isso poderia gerar prejuízos à estatal”, completou.
O próprio Prates apresentou um projeto lei (PL 1.472/2021) que muda a política de preços de combustíveis (PL 1.472/2021) e propõe a criação de uma conta de estabilização de preços, aprovado pelo Senado no ano passado.
A ideia seria utilizar as receitas extraordinárias obtidas pelo Estado, com a distribuição de dividendos e royalties, para formar essa conta. Assim, seria estabelecida uma banda de preços dos derivados de petróleo.
Quando os preços estivessem abaixo do mínimo estabelecido, os recursos seriam acumulados nessa conta. Quando os preços ficassem acima do teto proposto, o governo poderia utilizar os recursos dessa conta para suavizar o impacto para os consumidores.
“Se for esse caminho, será bem recebido pelo mercado porque é melhor que uma intervenção direta na Petrobras”, diz Cruz.
Prates ainda defendeu a volta da cobrança da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre os combustíveis para recuperar a arrecadação dos estados.
Em seu discurso de posse, Lula disse que pretende retomar o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) criado em segundo mandato de governo com foco em obras de infraestrutura.
Lula mencionou que o governo pretende retomar as obras paralisadas. De acordo com painel de acompanhamento de obras do TCU (Tribunal de Contas da União), existem hoje 8.674 obras paralisadas no país que, juntas, acumulam um investimento de R$ 6,9 bilhões.
A PEC da Transição, que permitiu um aumento das despesas públicas acima da regra do teto, liberou R$ 145 bilhões em despesas dos ministérios no ano que vem, além de mais recursos para investimentos.
“Acredito que os recursos extrateto aprovados na PEC da Transição serão suficientes para bancar esses investimentos, mas muitas das obras foram paradas por questões legais pelo TCU [Tribunal de Contas da União] e isso demorar para reverter”, diz Rafaela.
Rafaela lembra que antes de investir, o governo deveria rever a política de gastos. “O PAC não é um bom exemplo de investimento que traz bom retorno. Houve obras da Petrobras no PAC que tiveram perda de ativos e foram superfaturadas”, diz.
O governo petista pretende retomar as obras da faixa 1 do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) para atender a famílias de menor renda que não conseguem ter acesso à moradia sem o subsídio público.
A faixa 1 do programa Minha Casa, Minha Vida atendia famílias com renda de até R$ 1,8 mil, em que o governo financiava a entrega de moradias, sem a cobrança de juros.
Em 2020, o governo Bolsonaro mudou o programa para Casa Verde e Amarela e não fez contratações para essa faixa de menor renda, focando em terminar as obras inacabadas do programa.
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