O que os “patriotas” querem é golpe, mas o STF precisa ser questionado – Jornal Opção

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27/11/2022
27 novembro 2022 às 01h42
A ira dos “patriotas” que persistem na porta dos quartéis pedindo para que os militares “ajam” – traduzindo para o português popular, o que querem mesmo é um golpe de Estado – tem como alvo o legítimo direito ao mandato de presidente que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve nas eleições mais fiscalizadas da história do País, por instituições e organismos internos e externos. Não querem que assuma o cargo um “ladrão”, porque não aceitam a nulidade dos processos que o levaram a uma cadeia de 580 dias e que foram conduzidos por um juiz, Sergio Moro, o qual, além de não ser o que deveria “pegar a causa” – os inquéritos não tinham ligação com a Operação Lava Jato, portanto não eram de sua competência –, ainda se portou de maneira parcial, como provaram vazamentos de conversas via Telegram com procuradores da investigação.
Entre todos os que oficialmente avaliaram as eleições, apenas as Forças Armadas fizeram um relatório com ressalvas ao TSE. O que disseram? Que não encontraram nada anômalo no processo, mas que não tinham como garantir que as urnas não seriam passíveis de fraude. Para completar, registraram no texto queixas sobre o que consideraram “restrições” de acesso ao código-fonte. Um relatório ambíguo que, como consequência, desejada ou não – e, se desejada, talvez por alguém acima da hierarquia do Alto-Comando das Forças –, serviu para consolidar, na parte derrotada nas urnas no segundo turno, uma desconfiança “pela metade”, que só existe para as eleições presidenciais.
Não é que seja outro o foco dos golpistas que não tirar o mandato de Lula, mas o embate direto ocorre mesmo contra o Poder Judiciário, em duas frentes: o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desde que ainda era candidato em 2018, o então deputado federal Jair Bolsonaro colocava dúvidas sobre o resultado que sairia daquelas eleições. Dizia que, se não fosse eleito, isso seria uma evidência de fraude. Quando enfim venceu ganhado de Fernando Haddad (PT) no segundo turno, passou a alegar que, não fosse a suposta “fraude”, teria vencido ainda na primeira votação.
Bastaria a lógica para pensar: o que levaria um partido a “comprar” um crime apenas para o primeiro turno? A fraude teria um “limite”, ou seja, o hacker ou qualquer outro violador do sistema não poderia garantir a vitória a quem a encomendasse? São dúvidas que desafiam qualquer parâmetro lógico.
O governo Bolsonaro causou crises com os demais Poderes e, nos livros de história de agora em diante, elas constarão como uma característica central deste período de instabilidade que, com a derrota do atual presidente, chega, senão ao fim – ou pelo menos ao epílogo de sua segunda temporada. Mas é importante voltar no tempo e recordar que já em 17 de março de 2019, com menos de três meses de mandato, houve a primeira manifestação golpista da direita radical pedindo deposição de ministros do STF – na época, o principal alvo era Gilmar Mendes. Bolsonaro, como sempre, deu guarida aos desejos antidemocráticos: compartilhou naquele dia um vídeo do filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, criticando a decisão do Supremo de retirar da Lava Jato investigações de campanhas políticas e transferi-las para a esfera da Justiça Eleitoral.
Judiciário na berlinda
No Legislativo, desde que fez a parceria com o Centrão para salvar seu mandato, em 2020, a relação do Planalto com a Câmara dos Deputados não teve mais problemas. O custo quem ainda paga é a Nação: sob a batuta do presidente da Casa, Arthur Lira (pP-AL), Bolsonaro ficou com os votos dos parlamentares e estes, com o orçamento da União. Há desarranjos com o Senado, que, com o moderado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no comando, não cede às pautas radicais, mas o foco do ataque é basicamente ao outro lado da Praça dos Três Poderes.
Lá, com o STF, há inquéritos em que bolsonaristas são investigados, como o das fake news, e que envolvem pessoas muito, muito próximas ao presidente. Não foram à toa, portanto, os brados dele no 7 de Setembro do ano passado contra Alexandre de Moraes. Berros bravos que viraram bravatas dois dias depois, na famosa “cartinha do perdão” que teve o ex-presidente Michel Temer como ghost-writer. Em outra crise grave, a condenação do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) por crimes de ameaça ao estado democrático de direito, em abril deste ano, foi seguida da graça presidencial, prerrogativa a que Bolsonaro recorreu para perdoar-lhe a pena e afrontar a decisão colegiada do Supremo. Foi ali o auge prático da escalada do desafio do chefe do Executivo ao Judiciário.
Tudo colaborava para um período eleitoral tenso e, claro, o TSE já vinha sendo outro alvo, a ponto de nenhum dos três presidentes do TSE desde o ano passado – Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes – terem sido do agrado do atual titular da Presidência. Mais: em agosto, a dois meses das eleições, Jair Bolsonaro convocou embaixadores para inacreditavelmente apresentar o que disse serem “provas” de fraude no sistema eleitoral – uma documentação, aliás, vazada ilegalmente em uma de suas lives semanais, porque estava em segredo de justiça.
Foi nesse contexto conturbado, com muita violência política, que veio a derrota eleitoral para Lula. Uma disputa acirradíssima, com polarização extrema e na qual foi usada toda a estrutura possível para tirar a vitória do petista: de pastores doutrinando fiéis a empresários assediando empregados; de benesses para o bolso de caminhoneiros e taxistas a aumento do Auxílio Brasil; de adiantamento de empréstimos e financiamentos a promessa de aumento real do salário mínimo (que nunca veio em quatro anos). Mas, para Bolsonaro, foi ele quem lutou contra o “sistema”. Por “sistema” entenda-se processo eleitoral.
O problema da cúpula do Judiciário brasileiro não são os processos de Lula ou alguma vulnerabilidade das urnas eletrônicas
Daí chegamos ao inescrupuloso relatório do PL sobre o processo eleitoral, juntado a um pedido de anulação de parte dos votos do segundo turno, baseado em uma suposta irregularidade na numeração de urnas. Por coincidência, com prejuízo a votos que dariam a vitória a Lula. Presidente do partido com a maior bancada eleita para o Congresso com as mesmas urnas, Valdemar Costa Neto deixou com o TSE a batata quente que Bolsonaro o coagiu a entregar.
Claro que judicialmente não vai dar em nada porque, fora das convenientes teorias conspiratórias, nada há para ser investigado. O problema da cúpula do Judiciário brasileiro não são os processos de Lula ou alguma vulnerabilidade das urnas eletrônicas.
Na verdade, urge que os membros do Poder voltem a ser discretos. A população não precisa ter mais conhecimento sobre os “onze” do STF do que da escalação da seleção brasileira. O Judiciário é, por natureza, um Poder “apopular” para inventar um neologismo: não pode ser regido pelo clamor do povo; deve, sim, ser escravo da Constituição. Para tanto, seus membros obrigatoriamente têm de deixar de ser midiáticos.
Isso passa, antes de tudo, por evitar eventos-promoções, como o que ocorreu em meados deste novembro, em Nova York, onde ministros do Supremo se misturaram a políticos e megaempresários a convite do ex-governador João Doria para participar da Lide Brazil Conference, na verdade sessões de lobby para fazer autoridades se encontrarem com seus filiados.
Não podem agir assim porque, obviamente, é alto o risco de algum processo de alguém dessas reuniões cair na mão de um ministro do STF. Ou pior: de já estar por lá, no Supremo, à espera de um relator.
Juízes não começaram a brotar “ontem” em eventos assim. No fim de 2016, o herói nacional daquele momento, Sergio Moro, posou ao lado de vários possíveis investigados pela Lava Jato em uma festa de personalidades do ano promovida por um veículo de comunicação. Uma foto daquela noite ficou clássica: Moro sorri entre cochichos com o então senador e presidente do PSDB Aécio Neves. Também lá estavam o então presidente Michel Temer (MDB) e outros tucanos. Depois desse flagrante, nem se quisesse (e, pelo que se viu depois, não faria muita diferença), Moro descolaria a imagem de “amigo” daquele grupo e de “perseguidor” de petistas.
Até de movimentos golpistas é possível tirar lições e recados para o futuro. As críticas ao STF são válidas. Não contra as urnas eletrônicas, ou contra a soltura de Lula. É que, também para o Judiciário – aliás, mais do que para qualquer outro Poder –, deve valer a velha lei da mulher de César: honestidade é obrigação, mas igualmente importante é parecer honesto.
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