O sucesso eleitoral do bolsonarismo sepultou o golpe de Bolsonaro – CartaCapital
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Doutor em Relações Internacionais pela PUC-SP e Sorbonne Nouvelle e professor na Universidade Federal Fluminense (UFF)
Para que um golpe de Estado seja bem-sucedido, muitos elementos tem que ser combinados. Esse não é o caso do Brasil de hoje
A vitória de Luís Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições presidenciais deu vazão a reações de ódio e indignação por parte expressiva dos apoiadores de Jair Bolsonaro.
Multiplicaram-se pelo país bloqueios de rodovias, manifestações de rua, frenética atividade nas mídias sociais, vigílias diante de quartéis das Forças Armadas e cenas de agressão a qualquer não-bolsonarista.
Jair Bolsonaro demorou quarenta e cinco horas para se manifestar sobre os resultados eleitorais e, quando o fez, deixou uma mensagem lacônica de agradecimento aos seus eleitores, afirmou que os princípios de ultradireita saíram fortalecidos e sugeriu que aceitaria o resultado das urnas.
O aparente abatimento de Bolsonaro surpreendeu a muitos – a favor e contra ele – que esperavam uma reação mais vigorosa contra a vitória de Lula. Reação esta que levaria a um possível golpe de Estado. Esse temor não era infundado, pois, além do seu conhecido histórico como apologista da ditadura e da tortura, Bolsonaro e o seu “gabinete do ódio” passaram a flertar com essa ideia desde, pelo menos, a anulação dos processos contra Lula, fato que o tornou seu provável oponente em 2022. Além disso, para os bolsonaristas mais histriônicos, a “intervenção militar constitucional” era uma demanda antiga vinda desde as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, tempos em que o “bolsonarismo” ainda não tinha esse nome.
O receio de um golpe de Estado era plausível porque Bolsonaro aparelhou as forças de segurança e de inteligência sob a sua autoridade direta – como a Polícia Federal, a Política Rodoviária Federal e a ABIN – e aprofundou a simbiose com as Forças Armadas, garantindo salários faraônicos ao generalato e distribuindo funções remuneradas para altas e baixas patentes. Nos estados, a força do bolsonarismo nas polícias civis e militares tornou viável a formação de um grande corpo armado pró-Bolsonaro, completado por civis armados, bandos organizados em CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) e, até mesmo, pelo paramilitarismo miliciano em estados como o Rio de Janeiro.
No plano internacional, a tentativa da tomada do Capitólio dos EUA por apoiadores de Donald Trump, em 06 de janeiro de 2021, alimentou o devaneio bolsonarista de invadir o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, conduzindo o seu líder ao poder total. Bolsonaro pode ter tentado ou desejado um golpe, empurrado pelo clamor dos seus apoiadores. No entanto, essa expectativa foi se dissolvendo na medida em que as rodovias vem sendo desobstruídas, que os grupos bolsonaristas se desiludem com a falta de reação do “mito”, que a sociedade civil (e as torcidas organizadas e motoboys) reagem consistentemente e que as bandeiras nacionais deixam as janelas dos prédios e os vidros dos automóveis Brasil afora.
No plano econômico, é preciso haver um alinhamento do grande capital nacional com o internacional interessados, ambos, na quebra do regime democrático.
No plano militar e das forças de segurança, é preciso motivação ideológica, apoio financeiro do capital nacional e internacional e promessas de suporte militar estrangeiro.
Do ponto de vista diplomático, é necessário que os países mais ricos e militarmente mais fortes vejam a necessidade ou a vantagem geopolítica e/ou econômica do golpe.
Do ponto de vista social, é preciso uma mobilização de massa muito expressiva apoiando os golpistas ou, com efeito similar, uma maioria silenciosa que passivamente o aceite ou aprove.
Do ponto de vista político, é usual haver uma grande fragmentação das forças democráticas, evitando a formação de coalizações ou frentes amplas.
Por fim, na perspectiva da mídia, é fundamental que as grandes corporações, com interesses associados às elites nacionais e ao capital estrangeiro, estejam amplamente favoráveis ao golpe.
Esse não é o caso do Brasil de hoje. Se é verdade que o bolsonarismo conseguiu penetrar grandes áreas do capital nacional, da sociedade civil e das forças de segurança, não conseguiu a hegemonia necessária para avançar uma possível agenda de suspensão da ordem democrática. Faltaram muitos dos aspectos listados acima.
Logo após a divulgação dos resultados do segundo turno, chefes de Estado dos países centrais e personalidades políticas mundiais se apressaram em parabenizar Lula pela vitória. No Brasil, líderes políticos do “centrão” sinalizaram disposição para conversar e para compor uma nova governabilidade. O mercado sinalizou positivamente, com o dólar caindo e a bolsa subindo. Até mesmo pastores evangélicos bolsonaristas congratularam o presidente eleito. Bolsonaro ficou nu.
Nesse processo, é importante destacar como o sucesso do bolsonarismo nas urnas contribuiu para o isolamento de Bolsonaro. Apesar da derrota do “mito”, seus aliados mais próximos e figuras-chave do bolsonarismo – como o general Mourão, Ricardo Sales, o astronauta, Damares Alves, Tarcísio de Freitas, além do Filho 02 – elegeram-se ou se mantiveram em cargos importantes como o Senado Federal e a Câmara dos Deputados.
Para esses políticos, fortalecidos em 2022, não convém questionar a lisura do pleito, alimentar aventuras golpistas, tampouco ficar embarcados em um navio que afunda. Mesmo com a derrota, Jair Bolsonaro recebeu expressivos 58 milhões de votos, mostrando um país efetivamente rachado. O “bolsonarismo” – nome atual da combinação entre integralismo, neopentecostalismo reacionário e neoliberalismo – saiu forte das eleições, indicando que continuará vivo e influente, fazendo forte oposição ao governo de Lula e Alckmin, controlando estados importantes da federação e se cacifando para as eleições municipais de 2024 e as nacionais de 2026.
Pode ser que seja, como muitos cantam satisfeitos, a hora de Jair já ir embora. No entanto, a verdade é que as forças econômicas, políticas e ideológicas que, desde 2018, foram representadas pelo “mito” saem mais fortes do seu governo. Os democratas brasileiros, esgotados com o esforço dos últimos anos, terão que rapidamente encontrar novas forças porque a luta pela consolidação da democracia e da república no Brasil está longe de terminar.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Thiago Rodrigues
Doutor em Relações Internacionais pela PUC-SP e Sorbonne Nouvelle e professor na Universidade Federal Fluminense (UFF)
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