OCDE avisa que Portugal precisa de reforçar combate à corrupção estrangeira – Novo

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Discretamente e ao fim de um longo “reinado” de mais de 18 anos, Jerónimo de Sousa, o simpático e popular secretário-geral do PCP, cede o seu lugar a um ilustre desconhecido, Paulo Raimundo, num processo totalmente opaco, obscuro e que, caso não se tratasse do PCP (ou mesmo do BE), seria “mimado” de uma outra forma pela opinião pública e publicada nacional.
O que noutros partidos seria classificado como “práticas antidemocráticas” ou violadoras de direitos fundamentais, aqui, é visto pela intelligentsia nacional como simplesmente diferente ou místico.
Um partido político (porque é só disso que se trata) que em 101 anos de história logrou “apenas” ter cinco líderes (Paulo Raimundo será o sexto), dos quais três em 48 anos de vida democrática (no país, que não no “partido”), revela muito sobre a sua democraticidade interna, bem como a aplicabilidade prática do princípio republicano da renovação (ou não eternização) dos titulares nos cargos.
Com toda a admiração (também pessoal) que tenho pela história, organização e trabalho do PCP (antes e depois do 25 de Abril), o facto de um partido político – sempre a falar nos valores de Abril e a espalhar “superioridade moral” – subsistir, em democracia, com processos de decisão antidemocráticos, em circuito fechado e à margem da lei geral, causa-me confusão e perplexidade.
Uma escolha feita, na calada da noite, pelo comité central, constituído na sua quase maioria por funcionários do partido, sem qualquer adesão à realidade do país do século XXI, mascarando com o “colectivo”, desde logo, o facto de o secretário-geral do PCP (qualquer que seja o titular do cargo) ter mais poder efectivo interno do que qualquer outro líder partidário nacional.
No seu desígnio branqueador, seguindo à risca as melhores práticas estalinistas, o PCP prossegue com o perfil do novo secretário-geral.
Apresentado como “operário”, quando se trata de um funcionário do partido, à semelhança da actual secretária-geral da CGTP, há mais de 20 anos, revela bem a longa e lenta clausura em que se encontra o PCP e o seu braço armado no movimento sindical.
Por outro lado, tendo nascido em Cascais e vivido grande parte da sua vida em Setúbal, um percurso de vida normal e tão comum aos portugueses, que não para o PCP, para dourar a pílula, é apresentado como tendo raízes em Beja (podia ser em Baleizão ou no Couço), essa cantera comunista, palco da luta de classes nacional e da opressão do “homem pelo homem”.
A lenta agonia do PCP (e do movimento sindical) em Portugal e no mundo democrático de hoje constata-se pela incapacidade de se adaptar, a sua opacidade de processos e falta de abertura e transparência.
Numa época extremamente mediática, do imediatismo e da exigência, em particular para os mais jovens, o contraste entre o que é novo – a Iniciativa Liberal, por exemplo, com todos os seus estruturais problemas de crescimento – e o que é velho – o PCP – nos processos (curiosamente simultâneos) de renovação das suas lideranças, bem como no perfil do escolhido (no caso comunista) e dos candidatos (no caso da IL), diz tudo sobre os próximos capítulos de um e outro partidos.
Quando, nos anos 90, foi anunciada a Expo 98, o então presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Jorge Sampaio, disse que a realização da exposição na zona oriental de Lisboa seria um pretexto para recuperar aquela parte da cidade. Eu conhecia-a relativamente bem porque, em adolescente, fazia vela no Clube Oriental de Lisboa, junto ao Poço do Bispo. Era uma zona extremamente degradada, pejada de fábricas abandonadas, terrenos insalubres, contentores e indústrias poluentes.
O saudoso Vasco Pulido Valente julgou absurdo que fosse necessário um “pretexto” para recuperar uma zona da cidade. Não tinha razão. Eram tantos os obstáculos políticos, tantos os interesses que só com a imposição de uma data-limite, assumida internacionalmente, se conseguiria avançar com um projecto daquela dimensão. Em Portugal, se não houver um deadline, um ponto de não retorno, uma imposição externa ou uma situação-limite, os projectos que impliquem uma grande concatenação de forças terão uma tendência inexorável para se arrastarem ad aeternum.
Em 1519, Hernán Cortés desembarcou na costa do México com 11 navios e 500 homens. O seu objectivo era derrotar o Império Asteca, que contava com meio milhão de guerreiros. Como dar aos seus homens a energia e a focalização necessárias a tão gigantesca tarefa? Cortés subornou os seus pilotos para sabotarem os navios, tornando-os incapazes de navegar. Os homens de Cortés não tinham alternativa senão ficar e lutar com toda a intensidade, pois qualquer hesitação significaria sofrer uma morte terrível. Dois anos depois conquistaram o Império Asteca.
O que une estas histórias separadas por 500 anos e de relevância histórica e ética tão díspares? Em ambos os casos, a raiz do problema não estava tanto nas dificuldades das tarefas em mãos, mas sim no facto de ter sido criado um sentido de urgência que não permitia alternativa (o adiamento, no primeiro caso, ou a fuga, no segundo).
O sentido de urgência deriva de não haver plano B nem fuga possível. A ausência de rede de protecção aumenta a determinação e a conexão com o presente: em vez de sonharmos com uma salvação futura, temos de enfrentar o problema em mãos. Esse sentido de urgência pode nascer do acaso mas, por vezes, é útil que nos coloquemos numa situação de “terra queimada”. O que Cortés fez parece maquiavélico, e é, porque o próprio Maquiavel o escreveu mais tarde: “Os antigos comandantes de exércitos, que conheciam bem a poderosa influência da necessidade, e como esta inspirava nos soldados a mais desesperada coragem, faziam os possíveis para sujeitar os seus homens a essa pressão.”
Voltando a Portugal e a tempos mais recentes, temos o célebre “ir além da troika” de Passos Coelho. Ricardo Araújo Pereira, alinhando na tese de que Passos era a encarnação do mal, defendeu que o eventual regresso deste à vida pública, qual D. Sebastião, deveria, de facto, ocorrer numa manhã de nevoeiro, de forma a passar despercebido ao povo ultrajado. Não tem razão, e eu vou explicar-lhe porquê.
Em 2011, o Estado português estava numa situação financeira desesperada, sem possibilidade de se financiar e, consequentemente, de continuar a cumprir os seus compromissos, nomeadamente o pagamento de salários a funcionários públicos ou de pensões a reformados. Quando a troika (Comissão Europeia, BCE e FMI) aprovou um empréstimo a Portugal, impôs condições duras ao governo português, ainda liderado por José Sócrates.
Portugal precisava (e precisa) de reformas, mas, em Portugal, as reformas só são feitas em situações-limite. Sabia-se, por exemplo, que o congelamento das rendas era iníquo, socialmente perverso e destruidor do mercado de arrendamento. No entanto, os governos preocupavam-se com os votos dos inquilinos, ricos ou pobres, que pagavam rendas irrisórias, e a situação arrastava-se há décadas. Foi a troika que, finalmente, impôs a alteração da lei, com excelentes resultados neste mercado.
Penso que Passos terá intuído, ainda antes de ser primeiro-ministro, que a troika dava o “pretexto” de que Portugal precisava para realizar reformas profundas, que fossem além das medidas circunstanciais impostas pelos credores. Depois de formar governo, Passos afirmou: “Independentemente daquilo que foi acordado com a UE e o FMI, Portugal tem uma agenda de transformação económica e social que é decisiva para pôr fim a modelos de endividamento insustentáveis.” Assim, o Governo não incluiu no seu programa “apenas as orientações que estavam incorporadas no memorando de entendimento como várias outras que, não estando lá, são essenciais para o sucesso desta transformação”.
A troika foi para Passos o que a Expo foi para Sampaio e os navios destruídos para Cortés. A troika foi um catalisador de vontades, um imperativo exógeno inultrapassável, desagradável a curto prazo, mas necessário e benéfico para o futuro do país.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) avisou esta terça-feira que Portugal precisa de reforçar a sua acção contra a corrupção estrangeira, sublinhando que o país não tem dado resposta às “preocupações de longa data” identificadas pelo grupo de trabalho que se dedica a esta matéria.
“Desde a entrada em vigor, há mais de 20 anos, da Convenção Anticorrupção da OCDE, Portugal não teve uma única condenação por corrupção estrangeira. A detenção continua baixa e as autoridades portuguesas fecharam prematuramente casos de suborno estrangeiro, sem investigarem minuciosa e proactivamente as alegações relevantes, tendo o número de casos encerrados aumentado significativamente”, sublinha a organização liderada por Mathias Cormann.
E, apesar das reformas recentes, continua a OCDE, Portugal não tem dado resposta às “preocupações de longa data” do grupo de trabalho que se dedica a esta matéria, quanto ao enquadramento jurídico, e as sanções por corrupção estrangeira contra pessoas singulares e colectivas “não parecem ser eficazes, proporcionais ou dissuasivas”.
Assim, e ainda que valorize os esforços e as medidas tomadas por Portugal para a implementação da referida convenção, o grupo de trabalho avançou esta terça-feira com um conjunto de recomendações para melhorar a capacidade de Portugal para prevenir e combater a corrupção estrangeira, nomeadamente manter os esforços de sensibilização e formação sobre corrupção estrangeira de todas as partes interessadas e relevantes dos sectores públicos e privados, mas também avaliar os elementos centrais do quadro jurídico no que respeita à responsabilidade das pessoas colectivas e as sanções aplicáveis, melhorar os mecanismos de detecção de corrupção estrangeira e dar passos urgentes para assegurar que as autoridades investigam de forma rigorosa e proactiva as alegações de corrupção, evitando encerramentos prematuros de casos.
À parte as críticas, a OCDE realça as boas práticas e os desenvolvimentos positivos verificados em Portugal, como a adopção da Estratégia Nacional Anticorrupção, o Regime Geral de Prevenção da Corrupção, o estabelecimento do Mecanismo Nacional Contra a Corrupção e a promulgação de legislação sobre protecção de denunciantes.
O grupo de trabalho da OCDE sobre corrupção completou agora a sua quarta fase de avaliação da implementação da referida convenção em Portugal. O país terá agora dois anos para apresentar um relatório escrito a esse grupo de trabalho sobre a implementação destas recomendações e sobre os seus esforços para aplicação da convenção.

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