Orçamento apertado desafia política agrícola do novo governo – Revista Globo Rural
Por Cleyton Vilarino — Redação Globo Rural
30/11/2022 09h18 Atualizado 30/11/2022
Com pouco mais de 20 dias de formado, o grupo técnico de agricultura do gabinete de transição do novo governo eleito já tem mapeado ações prioritárias a serem adotadas após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro. Com um orçamento comprometido para o próximo ano, a equipe tem trabalhado em cima de temas emergenciais para o setor, entre eles a sanidade animal e controle da Peste Suína Clássica (PSC).
“A gente já detectou algumas ações que precisam ser emergenciais e precisamos trabalhar forte nessa questão sanitária da peste suína clássica da suinocultura. É uma coisa que preocupa muito e está muito baixo o orçamento pra gente trabalhar”, observa o deputado federal Neri Geller, membro do Grupo de Técnico de Agricultura, ao destacar que “esse é um perigo latente” tanto para o mercado externo quanto interno, convertendo-se em uma das prioridades da equipe técnica de transição.
Com flancos da disputa eleitoral ainda abertos, o agronegócio e o novo governo eleito no Brasil têm discutido intensamente qual será o futuro da política agrícola do país nos próximos anos. Embora o governo eleito tenha sinalizado prioridade ao setor, as diferenças ideológicas em relação a Jair Bolsonaro, apoiado por boa parte de representações do agro, ainda alimentam críticas e questionamentos em relação às possíveis medidas a serem tomadas a partir de janeiro.
"A volta já sugerida da divisão da produção rural brasileira de agricultura familiar e agricultura comercial, para no fundo sacralizar a primeira e demonizar a segunda. Essa é uma divisão artificial, com forte componente ideológico, cujo propósito é politizar uma atividade produtiva", disparou o presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária Brasileira (CNA), João Martins, durante evento promovido pela Frente Parlamentar Agropecuária em Brasília no último dia 20.
De acordo com o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Aristides Santos, a recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) foi um compromisso assumido pela campanha de Lula, que recebeu apoio da entidade. Na estrutura do gabinete de transição, a separação já foi feita, sinalizando que o mesmo deverá ocorrer com a configuração ministerial em Brasília a partir de janeiro.
“Eu acho que vai, sim, ter de volta o MDA. Ele é para pequenos agricultores, para agricultura familiar e aí envolve crédito e inclusive programa sociais, estimular o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e começar a estimular a agricultura familiar”, avalia Neri Geller.
Segundo ele, a criação do Ministério com atuação direcionada à agricultura familiar ainda está em discussão pelo novo governo. A discussão é como fazer esse desmembramento sem gerar a criação de novos cargos e, consequente, mais gastos públicos.
“Isso é um opção de governo. O MDA e o Ministério da Agricultura trabalham integrados. Os Planos Safra são feitos em conjunto, se discute orçamento em conjunto, mas tem programas mais específicos que envolve inclusive programas sociais que ficam mais na linha do mercado interno e da agricultura familiar como merenda, garantia safra enquanto o MAPA faz a política pro médio e grande produtor para produção em escala”, explica, ao se posicionar também, contrário à divisão.
Presente no encontro promovido pela FPA, no dia 20 de novembro, o também ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues não se furta de reconhecer as medidas que beneficiaram o setor de 2003 a 2011.
“Eu não acredito que haja um desapego ou desprezo pela agricultura até porque o presidente Lula considerou muito naquele tempo. No período dele foi criado o seguro rural, os títulos do agronegócio, a lei biossegurança, biodiesel. Enfim, não houve prejuízo para a agricultura nos primeiros mandatos do presidente Lula. Ele é um homem que entende do setor”, pontuou Rodrigues, coordenador do departamento de Agronegócios da Fundação GEtúlio Vargas (FGV Agro).
Crescimento
Segundo cálculo realizado pelo Cepea, o PIB do agronegócio cresceu 102% ao longo dos dois mandatos de Lula. “É um setor muito importante da economia para que seja desprezado ou que tenha a sua importância relativizada”, completou Rodrigues, ao mencionar projetos que desde a campanha estão sendo atribuídos ao novo governo, como a taxação das exportações. O gabinete de transição, contudo, nega que tal medida esteja em discussão.
Reforçando sua defesa da atuação dos primeiros governos petistas em relação ao setor, Neri Geller, destaca que houve abertura de mercados e outras medidas de apoio aos produtores rurais. E contesta o que chama de "fake news" em relação a um possível aumento dos conflitos agrários do país com um novo mandato de Lula na Presidência da República.
“Em 2005, estavam os produtores praticamente todos quebrados. Nós fizemos renegociação das dívidas. Em 2008, foi reestruturado todo o crédito com bônus, desconto, redução de taxas de juros numa medida provisória de 82 bilhões para o setor. Então, existe uma ficção, muitas fake news de que vai invadir terra. Reforma agrária se faz com responsabilidade. Foi feito na época dos militares, do Fernando Henrique e do governo Lula”, argumenta.
Políticas de apoio à agricutlura familiar devem estar entre as prioridades do novo governo — Foto: Manoel Marques/arquivo Editora Globo
Para o pesquisador Professor Titular do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e coordenador do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura (OPPA), Sérgio Pereira Leite, as principais diferenças entre as das gestões se darão justamente no campo social.
Em sua avaliação, as políticas públicas, principalmente as voltadas para a agricultura familiar, sofreram com cortes orçamentários e reformulações, que comprometeram sua execução. "O que é preciso nesse primeiro contexto, no meu entendimento, é primeiro um diagnóstico fino desse quadro para uma reconstrução das capacidades estatais nessas áreas, que ficaram fundamentalmente de lado. Isso não quer dizer em absoluto que se trata de voltar a fazer exatamente o que se fazia antes, temos que repensar diante até de um novo quadro institucional”, pontua o pesquisador.
Entre as medidas mais importantes mencionadas pelo professor da UFRRJ estão a recriação dos conselhos e comitês participativos extintos nos primeiros meses do governo Bolsonaro, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). O órgão reunia pesquisadores e representantes da sociedade civil para discussão e elaboração de políticas públicas na área alimentar, considerado estratégico no combate a fome, uma das principais bandeiras do novo presidente eleito.
“A mesma coisa aconteceu com o conselho nacional de desenvolvimento rural sustentável. Essas situações me parecem ser o primeiro grande desafio, o de reconstruir a capacidade estatal de manejo, implementação e execução de políticas agrícolas voltadas ao meio rural brasileiro”, completa o pesquisador.
Também pesquisador da CPDA-UFRRJ e membro do Grupo Técnico de combate a fome do gabinete de transição, Renato Maluf ressalta que a política agrícola será estratégica no cumprimento do compromisso de erradicar a fome no país nos próximos quatro anos.
“Mas não se trata de qualquer política agrícola, mas uma que esteja voltada para agricultores de base familiar. O agronegócio, conta e sempre contou com política agrícola” avalia Maluf, destacando que o país é um dos maiores produtores mundiais de alimentos e tem 33 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave.
Nesse sentido, ele revela que o grupo técnico de combate a fome e o de desenvolvimento agrário estão em busca de propostas que combinem ambas as frentes. A expectativa, conta, é que sejam elaboradas políticas agrícolas com ênfase na produção familiar e agroecológica. Nesse sentido, ele cita como necessidade imediata a correção do valor repassado ao programa de compras para a merenda escolar (PNAE) e a reformulação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
“É muito provável que haja uma versão melhorada do PAA porque ele também tinha algumas questões na sua execução. Temos a expectativa também que se retome a política de agroecologia e produção orgânica, além de um conjunto de propostas que estão sendo elaboradas relacionadas com assistência técnica e extensão rural. Então é um conjunto de programas que foram interrompidos ou deformados e que serão objeto de enfrentamento”, explica o membro do GT de combate à fome.
Crédito para a agropecuária
Outra política agrícola citada como prioritária por membros do gabinete de transição é o crédito agropecuário. Segundo Neri Geller, o objetivo é reduzir taxas de juros. “Sabemos que tem problema com relação a questão fiscal, mas isso é uma coisa que tem que estar no radar porque a cada um real que você investe ele retorna três a quatro porque movimenta toda a economia do Brasil, desde o campo até a indústria de caminhões e pneus e assim por diante”, pontua o ex-ministro.
Geller menciona ainda a discussão sobre medidas de incentivo a uma agropecuária mais sustentável e a recomposição dos estoques reguladores de grãos e outros alimentos como ferramenta para conter altas de preços, como a registrada desde o início da pandemia de Covid-19.
“Então tem duas vertentes que vamos trabalhar nesse sentido. A primeira dela fazer com que se tenha programas específicos para isso com taxas de juros mais baixas e com algum incentivo e a outra é trabalhar no mercado internacional esse ativo nosso, para que mais pra frente para começar a medir o quanto temos de carbono produtivo e sermos remunerados por isso. Então esses programas vão estar nessa linha. Estamos bastante animados, mas há bastante desafios a serem incorporados”, diz Neri.
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