Os militares resolveram ir para a política. E agora, PT? – Jornal Opção

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15/01/2023
15 janeiro 2023 às 00h01
Depois do sucesso/alívio na cerimônia de posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no dia 1º – ocorrida sob um ambiente de tensão e antecedida por vandalismo, depredações, prisões de terroristas e até o desmantelamento de um possível atentado a bomba no aeroporto de Brasília –, com segurança reforçada ao extremo, tudo parecia caminhar para que o País voltasse a respirar bons ares. Menos por Lula do que pelo Estado de Direito, a maioria dos brasileiros saudou o aroma democrático que exalava dos ares da Praça dos Três Poderes naquele domingo.
Foi tudo muito marcante e simbólico. Com a ausência de quem deveria, pelo ritual consagrado de regimes democráticos, lhe passar a faixa presidencial, o petista subiu a rampa do Planalto com pessoas que representavam a multiplicidade de perfis, rostos e etnias da população brasileira: Francisco, um menino negro de 10 anos que é nadador; Wesley, trabalhador metalúrgico e DJ; Ivan, um jovem com paralisia cerebral, ativista dos direitos das pessoas com deficiência; Jucimara, uma cozinheira que trabalhou no acampamento Lula Livre, em Curitiba; Flávio, um artesão de 50 anos; o professor Murilo, também bolsista de iniciação científica; e o cacique Raoni, hoje nonagenário, referência mundial da causa indígena desde a década de 80. O presidente recebeu a faixa de Aline, uma catadora de materiais recicláveis, que fez as vezes do ex que preferiu se refugiar em país estrangeiro a cumprir seu papel político.
Durou exatamente uma semana a sensação de paz e de que o Brasil, a despeito dos que ainda montavam campana em frente aos quartéis pedindo que militares dessem um golpe de Estado, começaria a retomar a normalidade institucional. No domingo seguinte, as rampas do Congresso e do Planalto foram novamente pisadas. Desta vez, não pela diversidade, mas pela barbárie e selvageria.
Foi a data em que o 8 de Janeiro virou substantivo próprio no Brasil, assim como são o 11 de Setembro e o 6 de Janeiro nos Estados Unidos. Lá, respectivamente, as datas designam: o maior e mais audacioso atentado terrorista praticado no mundo ocidental; e uma inédita tentativa de golpe contra a mais antiga democracia. Aqui, o 8 de Janeiro vai ser consagrado como a versão tupiniquim dessa efeméride estadunidense, uma espécie de “Capitólio 2” sem vítimas humanas, mas com danos materiais de milhões de reais e danos irreversíveis a objetos de arte de valor inestimável.
Entretanto, a maior de todas as destruições causadas por aqueles milhares de vândalos travestidos de patriotas foi a quebra da credibilidade das forças de segurança. A facilidade com que os três mais importantes prédios públicos do País foram tomados não dá para ser explicada somente pela incompetência: houve, sim, conivência e, mais do que isso – pelo que se vê nas próprias imagens divulgadas pelos revoltosos em suas redes sociais –, apoio de policiais e militares para a consecução do ato golpista.
Em artigos passados nesta coluna Conexão, abordamos inúmeras vezes o tema “militares e política” – até porque nos últimos quatro anos o Brasil viveu um governo militar de fato. Estavam, na estrutura do Estado e em sua folha de pagamento, mesmo em cargos civis, em todos os escalões, uma quantidade superior de fardados do que jamais houve em qualquer governo dos tempos de exceção de 1964 a 1985. Alguns textos, como “De volta à tutoria militar da República?”, de 10 de julho de 2021, ainda não estavam nem em contexto eleitoral e já sinalizavam sobre como, exatamente ao contrário de outros países, nos quais os militares buscam se esquivar dos assuntos políticos, por aqui, eles têm feito questão de se envolver cada vez mais.
Quantas vistas grossas os militares fizeram durante os quatro anos do desgoverno passado?
Nesse sentido, o exemplo antípoda do Brasil é o dos Estados Unidos: mesmo presidentes de perfis e ideologias bastante semelhantes causaram, entre os militares, efeitos opostos. Por lá, Mark Milley, chefe do Estado-Maior, um cargo equivalente ao comandante das Forças Armadas, registrou em carta suas desculpas por ter posado em foto durante a onda de protestos antirrascistas no país, em 2020. O flagrante, depois, foi usado por Donald Trump como propaganda política, e Milley fazia ali questão de desautorizá-lo, de forma educada mas firme, a se aproveitar eleitoralmente daquele episódio.
Por aqui, quantas vistas grossas os militares fizeram durante os quatro anos do desgoverno passado? Como declarou o próprio ex-vice-presidente e general da reserva Hamilton Mourão – hoje senador eleito pelo Republicanos-RS –, ainda no início do mandato que acabou em 31 de dezembro, “Se o nosso governo falhar, errar demais – porque errar todo mundo erra –, mas se errar demais, não entregar o que está prometendo, essa conta irá para as Forças Armadas”.
O governo errou muito mais que demais. Errou feio, errou rude, como diz aquele esquete famoso do grupo Porta dos Fundos. Errou tanto que não se reelegeu, mesmo tendo a máquina do Estado, financeira, política e humana, em suas mãos. E os militares tiveram partícipes em todos os escalões, a começar do quadro ministerial, inclusive com nomes da ativa – casos dos generais Luiz Eduardo Ramos, quando foi chefe do Governo, e Eduardo Pazuello, que só foi para a reserva depois de deixar para trás seu desastroso trabalho no Ministério da Saúde. Pazuello é hoje deputado federal eleito pelo PL do Rio de Janeiro – o segundo mais votado no Estado.
Contradições da democracia, temos uma política em que os militares – das Forças Armadas ou das PMs – estão cada vez mais presentes pelo voto. É um fenômeno que já vinha ocorrendo e que foi agravado, obviamente, nos últimos quatro anos. A grandíssima maioria, se não a totalidade, está no espectro da direita e vem na esteira do voto antipetista.
Lula tem um grande desafio pela frente, o qual pode significar seu fracasso ou êxito no terceiro mandato: enquadrar as forças de segurança de modo a que atuem de forma republicana e respeitem a hierarquia. Os acontecimentos do 8 de Janeiro só foram tão danosos porque houve leniência de parte do contingente e também de quem os gerencia. Governo do Distrito Federal – agora sob intervenção na segurança pública –, Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e Ministérios da Defesa e da Justiça precisam fazer, cada qual, sua autocrítica.
Policiais que foram “generosos” com os golpistas precisam ser punidos. E cada governador tem de estar atento ao que ocorre no seu quintal: é bom lembrar que, ao contrário do que dizia como diferencial dos governos de esquerda, o ocupante anterior do Planalto trabalhou o tempo todo sob viés ideológico, especialmente com os militares.
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