Os três golpes de Estado de Jair Bolsonaro – CartaCapital

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O que emerge de tal disposição repetitiva da busca pelo golpe de Estado é um caráter irremediavelmente antidemocrático e ditatorial. não podemos apostar num “gradualismo” inercial para combatê-lo
Bolsonaro nunca foi um democrata e o bolsonarismo, mesmo que vago e difuso, se caracteriza por uma doutrina racista, excludente e pelo cultivo do ódio e de mentiras como forma de mobilização de seus militantes. Ao longo de seus mandatos – foram ao todo seis mandatos, somando 27 anos de presença no Poder Legislativo – o ex-presidente deu provas constantes de truculência, ignorância dos valores éticos da Democracia e perfeito desprezo pela Cultura e as artes plásticas no Brasil.
O próprio Bolsonaro, ou em vários momentos seus filhos e correligionários, ameaçaram fechar o Supremo Tribunal Federal, produziram falsas alegações de fraude no processo eleitoral e, com patrocínio do PL – seu atual partido – pediram a anulação das eleições de presidenciais de 2022 por fraude nas urnas eletrônicas.
As recentes descobertas e depoimentos, incluindo a “Minuta da Comissão Civil-Militar” de intervenção no Superior Tribunal Eleitoral, mostram o que já se desconfiava desde longo tempo: Bolsonaro e seus correligionários, incluindo o Ministério da Justiça, planejaram um golpe de Estado no Brasil. Na verdade – podemos afirmar, com segurança agora – o ex-presidente tentou por três vezes derrubar o Estado de Direito no Brasil.
A primeira tentativa de Bolsonaro contra a Constituição Federal e o ordenamento democrático deu-se em 7 de setembro de 2021, quando o presidente reuniu multidões em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro para declarar que não mais aceitaria as decisões do STF, ofender seus ministros, que iria “devolver” o poder ao povo. Foi ovacionado pela multidão de extremistas aos gritos sintomáticos de “Eu Autorizo”.
A segunda tentativa de promover o golpe se deu, sabemos agora, logo após as eleições, quando Bolsonaro e Anderson Torres – conforme as evidências disponíveis – propôs através de uma “Minuta de Comissão Reguladora das Eleições” declarar um “Estado de Defesa”, conforme o Artigo 136 da Constituição, “no” STE, numa visão distorcida e inconstitucional do instituto constitucional. Em todo esse tempo o ex-presidente continuava a afirmar que agia todo o tempo “dentro das quatro linhas da Constituição”.
A questão, entretanto, que se afigurava é a própria capacidade de entendimento de que seriam as “quatro linhas” e da Constituição pelo ex-presidente. Não só se distorcia, com leguleio juridiquês, as noções de “ordem”, “segurança pública” e “paz social”, como ainda se produzia um entendimento de tais imperativos que podem desencadear o Estado de Defesa de forma distorcida para impor um resultado falsificado das eleições que dariam a vitória a Bolsonaro e, assim, lançariam o país na exata condição contrária alegada pelo presidente derrotado.
A transformação da “Minuta Civil-Militar” do golpe em decreto alçaria o STF e o STE contra o governo, que seria declarado “sedicioso”, conforme o Código Penal Brasileiro, levando o país ao confronto e ao caos.
Por fim, pela terceira vez se tentou o golpe de Estado no “Domingo da Vergonha” de 8/01/2023, quando após incentivo de Bolsonaro – que previu “algo maior do que o Capitólio” -, no twitter, e com a deserção do Secretário de Segurança do DF e a benevolência do Batalhão Duque de Caxias, a guarda do palácio presidencial, produziu-se um espetáculo de destruição, violência e ódio na Capital Federal. Particularmente é gravíssima a atitude do Batalhão Duque de Caxias e suas possíveis conexões, em especial se lembramos que o Ministro da Defesa de Bolsonaro, com o aval do Exército, endossou as desconfianças sobre a higidez das urnas eletrônicas. 
Assim, por três vezes num espaço de tempo bastante curto, o bolsonarismo procurou subverter a ordem democrática no Brasil. Por duas vezes houve uma intenção direta da Presidência da República, num movimento iniciado pelo próprio Presidente, em 2021, e através de seu Ministro da Justiça, no pós-eleitoral de 2022, coroando as 35 lives feitas pelo Presidente – inclusive com a presença do então Ministro da Justiça – em quem afirmou falsas evidências de fraude nas urnas eletrônicas. Por fim, através de uma vasta conspiração contra a Democracia, no último domingo, elementos bolsonaristas no Brasil e no Exterior, através da quebra da cadeia legal de comando das forças policiais e do próprio Exército, através da inação e benevolência com os depredares dos icônicos espaços dos Três Poderes.
Vemos, como um registro histórico, que Bolsonaro nunca foi um democrata, como sua defesa da ditadura e das torturas num passado tenebroso do Brasil demonstra. No entanto, o que emerge de tal disposição repetitiva da busca pelo golpe de Estado, é um caráter irremediavelmente antidemocrático e ditatorial.
Neste contexto não podemos apostar num “gradualismo” inercial para combater os inimigos da Democracia.
O bolsonarismo é um movimento de massas que conseguiu reunir o fundo comum conservador e escravista da nossa História, com o fundamentalismo religioso, a herança integralista e nazista dos anos de 1930 e o novo bonapartismo de corte trumpista numa nova correte política no cenário nacional.
Com um programa doutrinário simplório baseado no racismo e na negação dos movimentos que defendem os direitos de minorias, a inclusão social e a ampliação dos Direitos Civis – negando a denúncia da longa opressão de gênero, etnia e classe no país – conquistou vastas camadas das classes médias, atônitas e furiosas com a crise, real ou imaginária, de seu próprio status social. Tal movimento – como congêneres na França, Espanha, Alemanha e Estados Unidos – é uma nova realidade, permanente, das modernas sociedades industriais de massa.  E veio para ficar na cena política brasileira, com ou sem Bolsonaro.
Francisco Carlos Teixeira
Professor Titular de História Contemporânea da UFRJ e autor (com Karl Schurster) do livro ‘A República Sitiada’ e do ‘Dicionário de História Militar do Brasil’

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