Para frear golpismo, Lula deve indicar ministro da Defesa o quanto antes – UOL Confere

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Esta é uma coluna coletiva que pretende contribuir, sob diversos olhares ? da comunicação à psicanálise, da ciência política à sociologia, do direito à economia ?, para explicar o fenômeno da nova política. O “Entendendo Bolsonaro” do título indica um referencial, mas não restringe o escopo analítico. Toda semana, pesquisadoras e pesquisadores serão convidados a trazer suas reflexões. O compromisso é com um conteúdo acadêmico traduzido para o público amplo, num tom sereno que favoreça o debate de ideias. Convidamos você a nos acompanhar e a interagir conosco.
Colunista do UOL
21/11/2022 15h20
* Vinícius Rodrigues Vieira
Um cheiro de golpe paira no ar. O aroma fétido emerge de Brasília desde o fim de 2018, quando um conluio de generais deu uma forcinha (para ser eufemístico) à eleição do capitão Jair Messias Bolsonaro (PL) à presidência da República. Porém, a persistência de atos antidemocráticos em frente a quartéis e a retomada de bloqueios em rodovias fomentados pelo agrogolpismo, agora de modo mais radicalizado, sugerem haver, nas hierarquias inferiores ao Alto Comando das Forças Armadas, um movimento que trabalha para inviabilizar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva em seu terceiro mandato como presidente.

A atuação do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), considerado o “Xerife da Democracia”, não tem sido suficiente para constranger os rumores golpistas. O mais grave deles circulou no último domingo (20), por Augusto Nardes, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Em áudio enviado a amigos do setor do agronegócio, Nardes, que se tornou próximo a Bolsonaro nos últimos anos, afirmou que “está acontecendo um movimento muito forte nas casernas”, sendo “questão de horas, dias, no máximo, uma semana, duas, talvez menos do que isso”, para haver um “desenlace bastante forte na nação”, cujas consequências seriam “imprevisíveis”. Nardes ainda afirma saber qual seria o desenlace, mas não pode falar. Foi ele o responsável pelo relatório que rejeitou as contas da presidente Dilma Rousseff (PT).
Mais um blefe dentre outros? Se eu fosse o presidente-eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não pagaria para ver. A própria existência de rumores e atos golpistas é suficiente para questionar a legitimidade de um governo eleito e, se não impede sua posse, faz com que enfrente, desde o começo, um nível de instabilidade inaceitável. Muito se cobra de Lula para anunciar o ministro da Fazenda. Deveria antes indicar o ministro da Defesa e, assim, debelar qualquer eventual adesão do Alto Comando das Forças Armadas a movimentações golpistas de hierarquias militares inferiores, incluindo policiais militares, em particular aqueles de Estados com governos à direita.
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) disse que Nardes será convocado a prestar esclarecimentos ao Congresso Nacional, do qual o TCU é órgão assessor. Outras ações contra a fala golpista do ministro incluiriam a interpelação judicial via Supremo Tribunal Federal (STF) para que ele esclareça o que quis dizer de fato.
Não basta enquadrar Nardes. Ontem foi ele a supostamente blefar. Amanhã serão outros a fazer valer suas posições institucionais para atuarem como vermes que decompõem a democracia por dentro. Há quem acredite que Bolsonaro perdeu porque as instituições estão funcionando. É importante frisar que vitória de Lula se deu apesar da ruína institucional em que nos encontramos.
Por exemplo, o fato de Valdemar da Costa Neto, o presidente do PL, maior partido da próxima legislatura, insistir em questionar apenas as eleições para presidente, enquanto em plena luz do dia o comitê central do candidato derrotado à reeleição recebe golpistas impunemente, dá a exata dimensão do estado putrefato da democracia.
Antes de ser decretada sua morte, porém, os urubus circundam seu corpo débil, enquanto aqueles que poderão salvá-la tocam o barco normalmente, preparando-se para um batizado que, sem a devida cautela, pode se transformar num enterro sem velório.
Num primeiro momento, o país apenas estaria a testemunhar a estratégia bolsonarista de ameaça constante de golpe, o que ocorre de modo explícito desde que o titular do executivo trocou de uma vez só todos os comandantes militares em 2021, tendo antes passado pelo brado “vou intervir“, de 22 maio de 2020, dia após o qual as redes bolsonaristas começaram a defender abertamente o uso do artigo 142 da Constituição para expurgar ministros do STF.
Uma análise mais detalhada, porém, permite identificar que foi desenterrado o cadáver da anarquia militar, fato que esteve na base de rupturas institucionais que o Brasil sofreu no século 20. Por exemplo, o general André Allão, que comanda a 10ª Região Militar, com sede em Fortaleza (CE), até agora não foi punido por dizer que vai ignorar ordens da Justiça contra os golpistas que se aglomeram em frente a seu quartel.
Ademais, a viabilidade de um golpe seria prejudicada pelo fato de Bolsonaro já ter, aparentemente, jogado a toalha. Doente, em recuperação de uma erisipela, o presidente estaria contando os dias para se livrar do fardo que o cargo sempre lhe representou.
Nesse cenário, porém, a hipótese de golpe ainda faz sentido se considerarmos que Bolsonaro poderia continuar no poder, imune à possibilidade de prisão que tanto lhe atormenta, mas no papel de fantoche, que legitimaria um governo autoritário graças a seu prestígio junto a quase metade do eleitorado. Sem dúvida, nem todos desse grupo são bolsonaristas incondicionais, mas claramente preferiram o capitão a Lula, o que sugerem estarem tolerantes ao golpismo que o atual presidente sempre representou.
As vivandeiras que acampam diante de quartéis Brasil afora e seus apoiadores, cada vez menos enrustidos, na caserna e instituições ignoram o recado do vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) — eleito senador pelo Rio Grande do Sul — sobre as consequências do day after de um golpe. O general, que se subordinou a um capitão rebelde ao aceitar ser seu companheiro de chapa em 2018, deixou claro que uma intervenção militar deixaria o Brasil em “situação complicada perante a comunidade internacional“.
Como o comprometimento democrático da direita que não se aliou a Lula é apenas de fachada, abortar qualquer articulação golpista depende da ação direta do governo eleito, e não de nomes como Mourão e os governadores eleitos Tarcísio (Republicanos) e Zema (Novo), este último, aliás, membro de um partido cujos parlamentares aderiram ao golpismo explícito. Uma vez partidários do fascismo à brasileira, sequer o pragmatismo pode demovê-los de sair de cima do muro.
Aliás, quem hoje está em cima dele é, na prática, um golpista. Deixem para se opor a Lula e seu vice Geraldo Alckmin (PSB) depois da posse. Até ela ocorrer o verdadeiro embate não é entre governo e oposição, mas entre legalistas e fascistas. Esqueça a economia: é a democracia, estúpido!
* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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