Política econômica do novo governo terá de conciliar agenda progressista com responsabilidade fiscal – InfoMoney

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Novo governo quer colocar “pobres no Orçamento”, mas já enfrenta dúvidas sobre gastos excessivos
Qual será a cara da política econômica do novo governo Lula, que começa hoje? Um bom ponto de partida para essa análise é a lista de compromissos e diretrizes que a coligação Brasil da Esperança apresentou ainda no início da campanha eleitoral.
O documento mesclou, por exemplo, promessas muito caras ao PT, como “recolocar os pobres no Orçamento”, com outras mais amplas, como a construção de um novo regime fiscal – em substituição ao teto de gastos –, a apresentação der uma proposta de reforma tributária “solidária” e a construção de uma estratégia nacional de modernização da estrutura produtiva por meio da reindustrialização.
Como não houve detalhamento sobre como chegar as esses objetivos – nem durante os debates eleitorais e nem durante a transição de governo comandada pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) –, uma onda de incerteza e até de pessimismo tomou conta não só nas análises voltadas ao mercado financeiro como também de economistas da linha liberal que deram apoio ao adversário do presidente Jair Bolsonaro (PL) na eleição.
Foi na discussão da PEC que autorizou gastos extrateto no Orçamento de 2023 que o novo governo começou a receber as maiores críticas. A proposta original previa despesas que poderiam superar os R$ 200 bilhões por um prazo de quatro anos, o que soou não só como exagero para as necessidades momentâneas como agregou leituras negativas sobre a tendência de explosão da dívida pública – com possíveis implicações até nas decisões de juros pelo Banco Central.
A isso se juntou a ausência inicial de um compromisso com a apresentação de uma alternativa ao ainda vigente, mas cada vez menos respeitado, teto de gastos. “O fiscal não é um fim em si, mas é importante para o governo implementar suas políticas, tanto social como de desenvolvimento produtivo. É essencial arrumar isso”, defendeu Nelson Marconi, economista e professor dos cursos de graduação, mestrado e doutorado em Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas.
Na última quinta-feira (29), Felipe Salto, que ocupou até a semana passada a Secretaria de Fazenda de São Paulo, alertou em entrevista à Jovem Pan que o Brasil vem crescendo pouco e que pode passar a crescer ainda menos se não houver uma reorganização das contas públicas, um compromisso efetivo com a geração de superávit primário e com o controle das despesas.

“Não tem segredo nessa questão fiscal: ou você vai aumentar a receita, ou vai ter um plano de contenção de gastos. Ou uma combinação das duas coisas. Até agora não vimos nada anunciado em nenhuma das duas frentes”, criticou Salto.
A advertência de Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV/Ibre, foi na mesma linha. Em entrevista publicada na semana passada no blog Conjuntura Econômica, ela disse ter preocupação com o entendimento do novo governo de que a economia está desacelerando por questões necessárias, de controle da inflação. “Para ser eficiente no campo social é preciso ser mais cuidadoso com os demais gastos para evitar um aumento do déficit público”, recomendou.
Ela apontou para exatamente para a falta de sinais concretos de que as medidas econômicas a serem implementadas serão consistentes com a política monetária do BC, embora o futuro ministro da Fazenda Fernando Haddad, demonstre ter consciência da necessidade de se ancorar o fiscal e controlar o déficit público.
Segundo ela, a escolha de Simone Tebet para o ministério do Planejamento será um bom contraponto para calibrar políticas mais heterodoxas, alinhadas com o PT tradicional, e que marcam a trajetória de outros nomes da Fazenda, como Guilherme Mello. Ter Geraldo Alckmin na Indústria e Comércio também colabora para isso, segundo a economista.
Haddad respondeu as essas críticas numa entrevista publicada no jornal O Globo nos últimos dias de 2022. Ele disse, por exemplo, que déficit exporto no Orçamento, de R$ 220 bilhões, não é o objetivo do novo governo. “Eu estou dizendo que não vai acontecer esse déficit. Porque não é a maneira que eu trabalho. Eu sei da importância de sinalizar a robustez do Estado brasileiro”, afirmou.
Um indício de que essa preocupação com as contas públicas pode ser mais factível do que um compromisso de campanha ou uma declaração pública foi o acordo feito na última semana do ano para que o governo Bolsonaro não fizesse a prorrogação da desoneração de impostos sobre combustíveis, que iria expirar em 31 de dezembro.

Isso foi elogiado por representantes do mercado financeiro. João Arthur Almeida, CIO da Suno Wealth chamou a medida de corajosa. “O caminho mais fácil e populista teria sido perpetuar essa perda de arrecadação. O IPCA será maior, mas a sustentabilidade das contas públicas é muito importante”, comentou em sua conta no Twitter.
O ex-BC e economista chefe da CM Capital, Tony Volpon, concordou. “Dado a aprovação da PEC temos que recompor a receita. Sim gente, temos que aumentar/repor a carga tributária”, respondeu. Para Rafaela Vitória, economista chefe do Banco, mesmo que volta do PIS/Cofins represente um impacto de até 0,70 p.p. no IPCA de 2023, a medida era necessária. “A arrecadação adicional de R$ 52 bilhões contribui para o caminho do equilíbrio fiscal e mais do que compensa o impacto da inflação para a política monetária”, afirmou.
Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda na gestão de Michel Temer e principal responsável pela regra do Teto de Gastos, foi na mesma linha. “Não prorrogar a isenção de impostos sobre combustíveis para 2023 é um exemplo de decisão que pode ser impopular, mas é absolutamente acertada ao priorizar a responsabilidade fiscal sobre o interesse eleitoreiro”, comentou.
Essa busca de receitas extras é outro ponto que vai merecer a atenção da nova equipe. Haddad afirmou mais de uma vez que considera a previsão de arrecadação no Orçamento enviado ao Congresso foi subestimada. Para Nelson Marconi, só a redução das isenções fiscais e dos subsídios já pode contribuir com algo entre R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões para o governo.
Principal formulador do programa econômico do candidato derrotado Ciro Gomes (PDT), Marconi, sugere que a criação de um fundo constituído por um parcela das reservas internacionais para ajudar o governo a recuperar sua capacidade de investimento.
E esse recurso extra seria importante para a doção de uma política industrial moderno e voltada à inovação, ao desenvolvimento sustentável e ao comércio exterior, defendeu o economista.
Como a reindustrialização é um dos compromissos explicitados no programa econômico de Lula, a adoção dessa política industrial é outro ponto de atenção, segundo os economistas. Ainda está vivo na memória o efeito ruim da política de “campeões nacionais”, que despejou bilhões de reais via BNDES em empresas escolhidas a dedo. A escolha de Aloizio Mercadante para presidir o banco só serviu para alimentar as suspeitas.
Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos disse num debate em dezembro que a preocupação com a presença do “petista da velha guarda” no banco é a volta a utilização massiva de bancos públicos nos financiamentos. “Isso coloca mais prêmio de risco aos ativos financeiros”, afirmou.
É exatamente o impacto do retorno dos juros subsidiados que tem feito o Banco Central alertar nas últimas semanas sobre o risco parafiscal sobre as expectativas de inflação, o que pode estender para além do previsto o atual ciclo de juros altos.
Longe de ser um crítico do uso do BNDES, Marconi sugere que o banco defina como destino de seus aportes setores focados em inovação, voltados às exportações e com contrapartidas como a internalização de novas tecnologia.
“Tem que ser uma política industrial com vínculo estreito com exportações e não escolher empresas que não têm um encadeamento produtivo tão forte. Precisa ter um componente horizontal, útil para todos os setores”, defendeu. Ele ponderou que o banco precisa usar seu próprio caixa, não recorrendo ao Tesouro, como no passado recente.
O ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira também é defensor que o BNDES recupere seu papel de seu indutor do desenvolvimento do País, o que segundo ele foi anulado desde o governo de Miche Temer.

Os economistas da linha heterodoxa têm apontado como prova de que tendência global atual têm sido essa participação cada vez maior dos governos nas políticas econômicas a atual gestão nos Estados Unidos, que apoia investimentos em energia novas, no setor de semicondutores, no meio ambiente e descobertas de novos insumos na área bioquímica e biomédica.
A recuperação dessa capacidade de investimento público permitiria, segundo os economistas, que o governo volte a estar à frente de algumas demandas. Marconi lembra que o setor privado não é atraído por investimentos em infraestrutura com prazos de retorno muito longos, como ferrovias, ou em alguns grandes projetos de transição como no caso de energias sustentáveis, mas que pode entrar em outros equipamentos do setor por meio de concessões e PPPs. As Parcerias Público-Privadas, aliás, são uma das especialidades de Gabriel Galípolo, escolhido por Haddad como secretário-executivo da Fazenda.
Outra proposta que a equipe econômica colocou nas prioridades é realizar uma reforma tributária no País. Para isso, o economista Bernard Appy ganhou uma Secretaria exclusiva na Pasta para se dedicar a negociar a mudança. Appy é o autor de um dos projetos sobre o tema que tramitam no Congresso Nacional.
Basicamente, ela substitui cinco tributos já existentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), nos moldes dos impostos sobre valor agregado (IVA) cobrados na maioria dos países desenvolvidos. A alíquota uniforme desse imposto será única para todas as operações com bens e serviços que tenham como destino determinado estado ou município.
Para o novo governo, essa simplificação vai garantir a redução da tributação sobre o consumo e permitirá restaurar o equilíbrio federativo. Segundo programa de governo, isso vai preparar o País para a transição rumo a uma economia ecologicamente sustentável, além de aperfeiçoar a tributação sobre o comércio internacional, desonerando, progressivamente, produtos com maior valor agregado e a tecnologia embarcada.
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