Política monetária: entre a ciência e a arte – SCC10

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Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago
As políticas monetárias “não convencionais” do Banco Central dos EUA explicam, em parte, o porquê de a inflação continuar alta nos EUA
11/01/2023 14h33 • Atualizado há 23 horas
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A sociedade ocidental está cada vez mais aderindo ao credo positivista. Como o filósofo francês Auguste Comte defendia, muitos parecem acreditar que somente o conhecimento científico é válido. Sendo assim, supomos que todas as políticas públicas devem ser embasadas na ciência para serem adequadas e eficazes. A experiência, porém, mostra-nos que, muitas vezes, existe uma grande diferença entre a teoria e a prática, sobretudo quando lidamos com uma ciência social, como a economia.
Pode parecer, a princípio, que essa discussão filosófica é irrelevante para um artigo que visa analisar a política monetária dos Estados Unidos. Todavia, considero indispensável advertir o leitor pouco familiarizado com economia e questões de políticas públicas, que muitas, senão a maioria, das decisões econômicas tomadas pelos “técnicos” são guiadas pelos seus instintos práticos e pela necessidade de resolver novos problemas. Estudos científicos para determinar qual seria a melhor política pública para promover o crescimento e a estabilidade econômica de um país, geralmente, só são realizados anos após uma crise econômica. O caso da evolução da política monetária americana desde a Crise Financeira Global de 2008, sem dúvida, está inserido nessa discussão.    
Em 2008, os Estados Unidos enfrentaram uma das maiores crises econômicas e financeiras de sua história. O colapso do sistema financeiro americano fez com que o Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, tomasse medidas extraordinárias para que o país não voltasse a enfrentar uma severa crise, como a Grande Depressão ocorrida durante a década de 1930. Diante daquele cenário conturbado, o Fed e outras autoridades econômicas dos Estados Unidos, não se limitaram a seguir a receita usual para atenuar recessões econômicas: redução dos juros e aumento do gasto público. Os estímulos fiscais e monetários tradicionais não se mostravam suficientes para estimular a economia americana e restaurar a confiança dos agentes econômicos sobre o sistema financeiro do país. 
No livro Firefighting (2019), que traduzido para o português, poderia ser chamado “combatendo o incêndio”, as três principais autoridades econômicos dos Estados Unidos durante a crise — Ben Bernanke, Tim Geithner e Henry Paulson — relatam como eles precisaram criar soluções para os problemas que emergiam a todo momento contra a economia dos Estados Unidos. A teoria e história econômicas, com toda a certeza, contribuíram para a elaboração de muitas das soluções de curto prazo para o enfrentamento da crise. No entanto, os efeitos a longo prazo não foram devidamente calculados. 
Em uma palestra concedida em janeiro de 2020 para a Associação de Economia dos Estados Unidos (AEA), o presidente do Fed durante a crise de 2008, Ben Bernanke, explicitou os motivos pelos quais o Fed começou a implementar medidas “não convencionais” de política monetária. Bernanke explicou que após os juros terem caído a zero, que seria o limite da política monetária tradicional, e foram incapazes de estimular a economia americana, outras políticas precisaram ser tomadas. 
Uma das medidas empegadas naquele momento que estão impactando a eficácia da política monetária dos Estados Unidos hoje é o chamado afrouxamento quantitativo — em inglês, Quantitative Easing (QE). Essencialmente, a política de afrouxamento quantitativo visa aumentar a liquidez da economia. Sendo assim, o banco central compra ativos financeiros nos mercados de capitais, inclusive com prazos de vencimento longos, para achatamento da curva de juros e, consequentemente, estimular a economia no longo prazo.   
Ocorre que este tipo de política foi concebido para um cenário econômico de baixa inflação ou mesmo de deflação. No entanto, devido à crise da Covid-19, o cenário inflacionário dos Estados Unidos sofreu uma mudança significativa. A crise logística e de produção, aliadas às políticas de expansão fiscal e monetária dos Estados Unidos, fizeram com que a inflação aumentasse significativamente no país. Assim sendo, a política de afrouxamento quantitativo transformou-se em um grande dilema para o Fed. 
Com o aumento da inflação nos Estados Unidos, o Fed precisou enxugar a liquidez da economia. Logo, tornou-se necessário aumentar o juro e começar a vender os ativos que o Fed possuía de sua política de afrouxamento quantitativo. No entanto, à medida que o banco central americano começa a controlar as taxas de inflação, também está aumentando os riscos de uma crise financeira com a reversão da política de afrouxamento quantitativo. 
Em um estudo, ainda em andamento, dos pesquisadores Viral Acharya (Universidade de Nova Iorque), Rahul Chauhan (Universidade de Chicago), Raghuram Rajan (Universidade de Chicago) e Sascha Steffen (Escola de Finanças e Administração de Frankfurt), mostrou-se que a política de afrouxamento quantitativo criou problemas para o sistema financeiro americano. Em resumo, os bancos começaram a considerar este tipo de política monetária como sendo permanente. Logo, eles reduziram a duração dos depósitos (passivos) enquanto aumentavam a duração de seus empréstimos (ativos), assim os colocando em uma posição de maior vulnerabilidade. Destarte, a retirada de liquidez pode fazer com que os bancos parem de emprestar em momentos de choque de liquidez, o que estressa mercados como o de bonds. Dessa maneira, seria necessária uma intervenção por parte do banco central, a fim de injetar mais liquidez na economia para conter as crises de liquidez nos setores financeiros. 
Os economistas responsáveis pelo estudo advertem que a instabilidade no mercado financeiro provocada pelo relaxamento da política de afrouxamento quantitativo nos Estados Unidos atrapalhará a meta do banco central americano de controlar a inflação. Por um lado, caso o processo de retirada de liquidez da economia seja muito rápido, o Fed poderia gerar instabilidade no mercado financeiro. Sendo assim, seria preciso voltar a injetar dinheiro na economia. Dificultando, portanto, o objetivo de diminuir as taxas de inflação. Se, por outro lado, o Fed buscar diminuir a intensidade de sua política monetária restritiva, visando evitar crises no mercado financeiro, o processo de desinflação também se tornaria mais longo.   
Dado que a política monetária está entre a ciência e a arte, será de responsabilidade dos formuladores de políticas econômicas dos Estados Unidos analisarem como devem superar o atual dilema entre controle inflacionário e instabilidade financeira. A ciência está alertando que a política de afrouxamento quantitativo não é ideal. Agora, a liderança do Fed terá que desenvolver uma nova arte — digo, um novo arcabouço de política monetária — para se desvencilhar desse dilema.

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