Popular e carismático, ACM Neto reinventa o ‘carlismo’ e sonha com projeto nacional – InfoMoney

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Herdeiro do espólio de uma dinastia política, ACM Neto foi o deputado federal mais votado da Bahia e prefeito de Salvador por dois mandatos
Apontado até mesmo por adversários como um dos políticos mais habilidosos de sua geração, Antônio Carlos Peixoto de Magalhães Neto carrega o legado e o peso simbólico – para o bem e para o mal – de uma das dinastias mais importantes da política nacional. 
Neto do ex-prefeito de Salvador, ex-governador da Bahia e ex-senador Antônio Carlos Magalhães (1927-2007), ACM Neto é herdeiro do “carlismo” – como ficou conhecido o movimento de apoio a seu avô, eleito deputado estadual pela primeira vez em 1954, pela União Democrática Nacional (UDN). Vestindo um figurino mais moderno, o grupo se reinventou sob a liderança de um jovem e carismático líder que parece planejar milimetricamente cada passo de sua já vitoriosa trajetória política. 
ACM Neto nasceu em 26 de janeiro de 1979, em Salvador. Filho de Antônio Carlos Magalhães Júnior e Maria do Rosário Magalhães, ele sempre teve a política “correndo nas veias”: assim como o avô, seu pai foi senador da República. Seu tio, Luís Eduardo Magalhães (1955-1998), foi presidente da Câmara dos Deputados entre 1995 e 1997 e era considerado potencial candidato ao Palácio do Planalto – na época, contava com a simpatia do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Em 1998, durante sua pré-campanha ao governo da Bahia pelo PFL, Luís Eduardo morreu precocemente, aos 43 anos, vítima de um infarto fulminante. 
Aquele que viria a ser o principal herdeiro do carlismo estudou no Colégio Marista e no Colégio Módulo, dois dos mais tradicionais da capital baiana. Neste último, no qual completou o segundo grau, ACM Neto deu os primeiros passos na política estudantil e fundou o grêmio acadêmico. 
Em 2001, então com 22 anos e já se preparando para iniciar a inevitável trajetória política, ACM Neto se tornou bacharel em Direito, concluindo o curso pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Três anos mais tarde, aos 25, casou-se com a dermatologista Lídia Salles em concorrida cerimônia na Catedral Basílica de Salvador que mobilizou a elite social e política da Bahia.
Em dezembro de 2006, uma nova tragédia quase se abateu sobre a família Magalhães. ACM Neto foi vítima de um atentado a faca, golpeado nas costas por uma mulher identificada como Rita de Cássia Sampaio de Souza. A agressora era servidora pública aposentada e, segundo a polícia, alegou que o político não teria cumprido uma suposta promessa de liberação do pagamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Ela também se dizia indignada pelo aumento de salário dos deputados e senadores. A mulher foi presa e indiciada por tentativa de homicídio. ACM ficou internado por uma noite Hospital Bahia, em Salvador. 
Em 2007, aos 28 anos, ACM Neto tornou-se pai de uma menina, Lívia. A segunda filha, Marcela, veio em 2010. No fim de 2011, ele e Lídia se separaram. Quase uma década depois, em dezembro de 2020, em meio à pandemia de Covid-19, ACM Neto, então com 41 anos, casou-se pela segunda vez, com a administradora de empresas Mariana Barreto. A celebração, restrita a apenas 20 convidados, foi realizada no apartamento de seus pais, ACM Júnior e Maria do Rosário. 
Leia também: Quem é Jerônimo Rodrigues, candidato que disputa o governo da Bahia contra ACM Neto
Preparado desde muito jovem para seguir a trilha do pai, do tio e, principalmente, do avô, ACM Neto começou a escrever sua própria história na política em 1997, quando se filiou ao Partido da Frente Liberal (PFL), de viés conservador, dissidência do Partido Democrático Social (PDS). Em 1999, aos 20 anos, assumiu a direção nacional do PFL Jovem. Entre 1999 e 2002, foi assessor na Secretaria de Educação do estado da Bahia, durante a gestão do ex-governador César Borges (PFL). 
O ponto de virada na trajetória de ACM Neto, no entanto, se deu nas eleições de 2002 – que levaram Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da República depois de três tentativas fracassadas. Naquele ano, ACM Neto disputou pela primeira vez uma vaga na Câmara dos Deputados – e venceu, tendo sido o candidato mais votado na Bahia. Em janeiro de 2003, iniciou seu primeiro mandato na Câmara.
Antes de ser reeleito, em 2006, o neto de Antônio Carlos Magalhães ganhou projeção nacional por sua participação na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios, que investigou o “mensalão” – escândalo de corrupção que marcou o primeiro mandato de Lula no Planalto e abalroou algumas das figuras de maior proeminência do PT e do governo federal. 
Reconduzido pelo eleitorado baiano para mais quatro anos como deputado federal, ACM Neto intensificou, especialmente a partir de seu segundo mandato, as críticas ao governo petista e ao presidente da República. Tornou-se uma das vozes mais combativas da oposição no Parlamento, o que o consolidou como uma liderança nacional.  
Nesse mesmo período, o carlismo sofreu uma derrota histórica na disputa pelo governo da Bahia em 2006. Apoiado por Lula, Jaques Wagner (PT) derrotou o governador e candidato à reeleição Paulo Souto (PFL) e pôs fim a décadas de hegemonia carlista no estado, dando início a um longo ciclo de domínio petista na região. Menos de um ano depois, em julho de 2007, a morte de Antônio Carlos Magalhães tornou nítida a necessidade de renovação do carlismo. Tal missão caberia justamente a ACM Neto.  
Consolidado como uma importante liderança do Legislativo, ACM Neto decidiu alçar novos voos e mirou o Executivo pela primeira vez em 2008. Nas eleições municipais daquele ano, foi candidato à Prefeitura de Salvador, já pelo Democratas (DEM), sucessor do PFL. 
Apesar de ter liderado as pesquisas de intenção de voto no início da campanha, ACM Neto não conseguiu chegar ao segundo turno, terminando em terceiro lugar, com 346 mil votos (26%). Ele foi superado por João Henrique (PMDB) – que seria eleito no segundo turno – e Walter Pinheiro (PT). 
Em 2010, ACM Neto foi eleito para o terceiro mandato na Câmara dos Deputados – foi novamente o candidato mais votado da Bahia e o oitavo do Brasil. Já sob o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o neto de ACM manteve uma oposição dura, embora adotando um tom mais moderado. Dois anos depois, lançou-se mais uma vez para a disputa municipal. 
Em 2012, aos 33 anos, ACM Neto se elegeu prefeito da capital baiana. No segundo turno, em um confronto direto com o PT, derrotou Nelson Pelegrino com mais de 53% dos votos válidos no segundo turno. Em 2013, teve início uma das gestões mais bem avaliadas do país. 
Segundo levantamento do Vox Populi na época, ACM Neto foi o prefeito mais bem avaliado das capitais brasileiras por duas vezes, em 2013 e 2014, com mais de 60% de aprovação. Em 2015, de acordo com o Instituto Paraná, o índice de popularidade do prefeito superava 84% entre os soteropolitanos.  
A boa gestão em Salvador o credenciou para mais uma disputa pela prefeitura, em 2016. ACM Neto foi reeleito com uma votação acachapante (74% dos votos válidos), ainda no primeiro turno. Quatro anos mais tarde, concluiu o segundo mandato com altíssima aprovação e elegeu o sucessor, Bruno Reis, com mais de 64% dos votos.
Em março de 2018, já na condição de maior liderança nacional do DEM, ACM Neto assumiu a presidência do partido, substituindo José Agripino Maia (RN), velho cacique da legenda. 
Principalmente a partir de seu segundo governo, Neto deixou de lado a retórica virulenta do período como parlamentar e construiu pontes com a esquerda – o trabalho em conjunto com Rui Costa (PT) no combate à Covid-19 é considerado um exemplo de sucesso. 
“A ausência na Bahia de qualquer outra alternativa de centro ao PT fez, inclusive, com que uma parte do eleitorado anticarlista, que sempre votou contra o Antônio Carlos, passasse a votar em Neto. Ele se transformou em um político com um discurso mais moderno”, afirmou Paulo Fábio Dantas Neto, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ao InfoMoney, em reportagem publicada em junho de 2022
Ao mesmo tempo, ACM Neto manteve distância protocolar do presidente Jair Bolsonaro, com quem evitou embates mais duros durante a pandemia. O ex-prefeito de Salvador chegou a ser acusado de tentar emplacar cargos no governo federal – ele nega – e foi sondado até para ocupar um ministério, mas as conversas não avançaram.  
A suposta aproximação com o governo Bolsonaro foi pivô de uma grave interna no DEM em 2021, que levou à saída de quadros importantes do partido. Na ocasião, houve fogo cruzado entre Neto e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (RJ) – que acabou expulso da legenda depois de ter chamado ACM de “oportunista”. 
Testado e aprovado pelo eleitorado com dois governos bem avaliados em Salvador, ACM Neto não poderia mesmo seguir outro caminho que não fosse disputar o governo da Bahia em 2022. Comandar o estado governado por seu avô é o grande sonho do herdeiro político do carlismo, que vê nessa oportunidade uma alavanca capaz de impulsioná-lo para maiores desafios no futuro. 
Desde o início da disputa pelo Palácio de Ondina, ACM Neto definiu como estratégia “estadualizar” a campanha, fugindo da polarização nacional entre Lula e Bolsonaro. Hoje filiado ao União Brasil – partido fundado em 2021, a partir da fusão entre DEM e PSL –, o ex-prefeito de Salvador optou por não declarar apoio a nenhum dos finalistas do segundo turno da eleição nacional. No primeiro turno, defendeu a candidatura da senadora Soraya Thronicke, lançada ao Planalto por seu partido, mas sem grande entusiasmo ou participação. O foco de ACM sempre foram os temas estaduais. 
“Na Bahia, esse debate de direita e esquerda tem menos importância do que a vontade de ter um bom gestor, um bom governador. Meu trabalho é voltado para a gestão pública, foco no que interessa”, explicou o candidato do União Brasil em entrevista ao jornal O Globo, em outubro de 2022. 
A tática funcionou durante boa parte da campanha. Os principais institutos de pesquisa convergiam em apontar uma sólida liderança de ACM Neto nas sondagens de intenção de voto. 
Em junho de 2022, por exemplo, um levantamento do Real Time Big Data mostrava o ex-prefeito com 56% da preferência do eleitorado, favorito a liquidar a fatura já no primeiro turno. Em maio, a Quaest registrava vantagem ainda maior: 67% das intenções de voto, mais de 60 pontos percentuais acima do candidato do PT ao governo baiano, ex-secretário estadual de Educação Jerônimo Rodrigues (PT), apoiado por Lula e pelo governador Rui Costa (PT). 
Além da boa gestão como prefeito de Salvador, uma das explicações para a ótima largada de Neto na corrida estadual foi a costura política com prefeitos espalhados pela Bahia. Habilidoso e negociador nato, ACM pôs o pé na estrada e começou a percorrer a Bahia antes mesmo de deixar o governo municipal, no fim de 2020. 
“Ele termina o mandato, elege o Bruno Reis e já começa as tratativas de sua pré-campanha a governador. Passou a rodar o estado e a conversar com lideranças regionais”, relatou Cláudio André de Souza, professor adjunto de ciência política da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), ao InfoMoney
Quando a campanha efetivamente começou, estimativas de aliados indicavam que ACM já contava com o apoio de pelo menos 18 prefeitos do grupo das 30 maiores cidades da Bahia – que representam quase 40% da população do estado. 
O ponto de virada da campanha do candidato do União Brasil aconteceu em meados de setembro, a apenas algumas semanas do primeiro turno. A autodeclaração de ACM Neto como pardo, homologada junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), virou assunto e gerou muitas críticas ao ex-prefeito. Ele foi questionado sobre o tema durante uma entrevista à TV Bahia, afiliada da Rede Globo. 
“Eu me considero pardo. Você pode me colocar ao lado de uma pessoa branca, há uma diferença bem grande. Negro não, jamais diria isso”, afirmou Neto. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra do Brasil é formada por todos aqueles que se declaram pretos ou pardos. Na Bahia, quase 80% da população é negra. 
À medida que a disputa avançou, em meio a esse inesperado desgaste político, ficou claro que Neto não teria vida tão fácil quanto se imaginava. Colado à imagem de Lula e de Rui Costa – governador em segundo mandato bem avaliado –, Jerônimo Rodrigues, até então uma figura desconhecida da maioria dos eleitores, conseguiu se apresentar à população e ganhou pontos. 
Espremido pelo apoio avassalador a Lula e ao PT na Bahia, ao mesmo tempo em que procurava evitar a associação com Bolsonaro, ACM Neto viu sua enorme vantagem se reduzir gradativamente, semana a semana. Ao final do primeiro turno, o candidato do União Brasil terminou em segundo lugar, com 40% dos votos válidos (3,3 milhões), atropelado pelo petista. Jerônimo por pouco não venceu a eleição logo na primeira rodada: teve 49,45% dos votos (pouco mais de 4 milhões) e ficou a apenas 0,55 ponto percentual da maioria absoluta. 
O resultado da eleição estadual de 2022 é determinante para as pretensões políticas de ACM Neto e do “neocarlismo” baiano. Em dezembro de 2021, em discurso durante o lançamento da pré-candidatura do ex-prefeito ao Palácio de Ondina, o comandante do União Brasil, Luciano Bivar, apresentou Neto como provável nome da legenda para a disputa pela Presidência da República, em 2026 ou 2030. 
“ACM Neto é jovem. Se conseguir se firmar como a principal liderança política do quarto maior colégio eleitoral do país, certamente estará credenciado para o cenário nacional. Acredito que teremos, nos próximos dez anos, uma renovação dos quadros no Brasil, até por uma questão geracional”, afirmou Cláudio André de Souza ao InfoMoney
É o que move o neto de Antônio Carlos Magalhães, político perspicaz que parece talhado para voos mais altos, seja em um futuro breve ou mais distante. Seu sucesso depende, mais do que nunca, do que o destino lhe reservará na Bahia “de todos os santos”.
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