Por ação ou omissão, Bolsonaro é o responsável pelos atos antidemocráticos – UOL Confere

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ricardo Kotscho, 72, paulistano e são-paulino, é jornalista desde 1964, tem duas filhas e 19 livros publicados. Já trabalhou em praticamente todos os principais veículos de mídia impressa e eletrônica. Foi Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003-2004). Entre outras premiações, foi um dos cinco jornalistas brasileiros contemplados com o Troféu Especial de Direitos Humanos da ONU, em 2008, ano em que começou a publicar o blog Balaio do Kotscho, onde escreve sobre a cena política, esportes, cultura e histórias do cotidiano
Colunista do UOL
04/11/2022 14h25
“Não é possível você proibir pessoas de se locomover. É grave, porque você pode comprometer a saúde das pessoas, abastecimento de hospitais, transplantes, vacina, alimentação, combustível. A pergunta é: quem vai pagar por esses prejuízos? Quem paga isso? Quem vai ser responsabilizado por esse prejuízo?”, perguntou o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin em entrevista após a primeira reunião da equipe de Lula com a de Bolsonaro no Palácio do Planalto.
Pouco depois, chamado para um rápido encontro com o ex-capitão no gabinete presidencial, Alckmin poderia ter feito as perguntas diretamente a ele, o principal responsável, por ação ou omissão, pelos atos golpistas que fecharam as estradas e ocuparam as calçadas dos quartéis nos últimos dias, para pedir o impeachment do presidente eleito Lula, antes mesmo da posse.

Bolsonaro foi, no mínimo, conivente. A quem mais poderia interessar a ação dos vândalos de camisetas verde-amarelas que paralisaram o país para agitar bandeiras nas estradas, queimar pneus, cantar o Hino Nacional, pedir intervenção militar e impedir a posse do presidente eleito com mais de 60 milhões de votos?
Mesmo que não tenha partido dele o “apito de cachorro” para mobilizar seus devotos em fúria, logo após o anúncio da vitória de Lula no domingo, nas duas vezes em que se manifestou brevemente sobre os atos, ele não os condenou, nem tomou providências contra a insurreição.
Ao contrário, justificou-os, ao dizer que eram manifestações legítimas muito bem-vindas contra as injustiças do processo eleitoral de que ele se julga vítima, sem dizer quais foram, criticando apenas os métodos que impediam o “sagrado direito de ir e vir”, como disse Alckmin. Ao se retirar das estradas, obedecendo a algum comando invisível, os golpistas anônimos foram marchando para a frente de instalações militares, para mostrar que simplesmente não se conformavam com a derrota de Bolsonaro nas urnas. Muito bonito, muito democrático!
Eu, e a imprensa em geral, também demoramos a nos dar conta da gravidade da situação, que só não degringolou de vez graças, novamente, à enérgica intervenção do ministro Alexandre de Moraes, o general sem farda e sem armas, que devolveu o país à normalidade. Até quando?
Ainda faltam dois meses de governo do ex-presidente em exercício. Moraes me fez lembrar o papel histórico de um general de verdade, Henrique Teixeira Lott, que garantiu a posse de Juscelino Kubitschek, em 1955, enquadrando os golpistas da época, que foram à forra em 1964.
Desde seus tempos de quartel, Bolsonaro sempre agiu nas sombras, com a mão do gato para se proteger e não ter culpa de nada _ neste caso, foi a Polícia Rodoviária Federal, controlada por um dos seus filhos, que levou séculos para começar a desobstruir os caminhos, mesmo assim só depois de um ultimato do presidente do TSE, que ameaçou prender o comandante da corporação se não liberasse logo as estradas para o tráfego.
Na véspera, dia da eleição, a mesma PRF tinha sido ligeira ao formar barreiras nas estradas do Nordeste, cumprindo ordens superiores, para impedir a passagem de veículos com símbolos e eleitores do PT, a pretexto de fiscalizar as condições dos pneus, dos faróis e dos limpadores de para-brisa dos ônibus.
Não poderiam ter escolhido outro dia melhor para fazer isso, foi mera coincidência, claro. Desconhece-se o número de eleitores que não conseguiram votar, mas isso poderá ser apurado nas “rigorosas investigações” a cargo da Polícia Federal, outra mão do gato bolsonarista.
Talvez, algum dia, quem sabe, quando os tribunais superiores concluírem os inquéritos abertos para apurar responsabilidades, ficaremos sabendo quem foram os aliados de Bolsonaro que organizaram e financiaram os atos antidemocráticos que infernizaram a vida dos brasileiros nas 72 horas seguintes à eleição, o tempo que Bolsonaro precisava para decidir o que fazer na vida. Decidiu não fazer nada, deixando tudo por conta dos devotos.
A nova tentativa de um “bolsogolpe” fracassou, mas a vida de um paciente de transplante em São Paulo continua ameaçada porque não conseguiu receber a tempo o coração de um doador de Goiânia, por conta dos bloqueios rodoviários que atrasaram e cancelaram voos nos aeroportos. O coração foi perdido porque precisava ser transplantado em no máximo quatro horas.
Quantos outros casos como esse não aconteceram e nem ficamos sabendo? Quantos transtornos causados na vida das pessoas, quantos prejuízos para a economia, quanto tempo perdido para o país? Tudo isso para quê? Para nada.
Ainda bem que esse martírio está chegando ao fim e, ao raiar do novo ano, vamos começar uma nova vida, com o governo governando e o presidente presidindo, apenas isso.
Para que isso seja possível, Márcio Seligmann-Silva, professor da Unicamp, escreve hoje no Painel do Leitor da Folha:
“Ou essas pessoas são devidamente barradas pelas forças da lei junto com seu líder máximo, este último sendo devidamente julgado por todos os seus crimes, ou estaremos condenando nossa vida política a ser assombrada e sugada por essa escória por décadas”.
De volta à coluna e à vida, como ele saudou esta semana na Folha, Ruy Castro gastou apenas um parágrafo hoje para elencar os crimes de que fala o professor, para ninguém esquecer:
Homofobia, xenofobia, racismo, desvio de verba pública (rachadinhas), formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, peculato, estelionato, corrupção passiva, crime hediondo (suas atitudes na pandemia), charlatanismo (como garoto propaganda da cloroquina), prevaricação, vazamento de dados sigilosos, uso de milícias digitais, propagação de fake news, ofensas e ameaças ao STF, abuso de poder, incitação à baderna, tentativa de golpe de Estado e, não por último, crimes contra a humanidade”.
A esse rol, pode-se agora acrescentar também o de prevaricação, no mínimo, por não ter agido a tempo e a hora para impedir os atos golpistas desta semana, o fim de feira do seu desgoverno, que infelicitou a vida de 215 milhões de brasileiros por quase quatro anos, e terminou com uma celebração nazista em frente ao 14º Regimento de Cavalaria Mecanizado, base do Exército em São Miguel do Oeste, Santa Catarina.
Ali, milhares de pessoas, enroladas em bandeiras e vestidas de verde-amarelo, cantaram o Hino Nacional fazendo o gesto de “Sieg Heil”, uma reverência a Adolfo Hitler, o megagenocida alemão que levou o mundo à Segunda Guerra e inspirou aprendizes de ditador mundo afora até hoje. Assustador.
Parece um filme de horror, e é. Mas já está saindo de cartaz.
Vida que segue.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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Ricardo Kotscho
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