Por que a conversa não reduz a polarização política – Nexo Jornal

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Simpatizamos com aquilo e com aqueles que já estão dentro do nosso círculo moral. Vemos o nosso oposto como uma negação da nossa própria existência
A palavra do momento político é “polarização”. É um fenômeno que tem sido observado dentro e fora do Brasil. Basta entrar em qualquer rede social para encontrar uma briga, uma discussão “polarizada”. A percepção geral é de que as opiniões extremadas estão cada vez mais presentes no nosso cotidiano, principalmente na internet.
A verdade, no entanto, é que não é bem assim. A vida digital gera essa percepção, mas a polarização existe desde antes das redes sociais. A tecnologia, no fundo, não afeta nem mesmo a velocidade com que as pessoas mudam de opinião. Um estudo publicado recentemente na revista Nature avaliou a influência da tecnologia nos últimos 120 anos sobre a mudança de opinião.
Os resultados mostram que a mudança de opinião acontece com aceleração zero, ou seja, não é afetada, mesmo com o surgimento do rádio, da televisão e até, mais recentemente, das redes sociais. Temos uma percepção de que tudo está pior, quando, na verdade, permanece igual.
Claro que o fluxo de informação nas novas mídias é excessivo. Na neurociência, não conseguimos chegar a uma conclusão do quanto de informação podemos dar conta, mas sabemos que é uma quantidade limitada. Por isso, precisamos filtrar e, para isso, é preciso pensamento crítico. Existe, no entanto, um problema: o viés de confirmação, que é a nossa tendência de concordar com aquilo que vai ao encontro das nossas crenças.
É preciso, portanto, fazer um esforço para se policiar. É uma tarefa árdua, até mesmo entre cientistas e acadêmicos que estudam o tema. Nós rejeitamos aquilo que não está de acordo com as nossas causas e aceitamos qualquer coisa para defender nossa crença. Inclusive crenças, muitas vezes, indefensáveis. Essa é a dissociação cognitiva, uma ginástica mental para não enxergar o incoerente. Tudo inconsciente.
Por ser extremamente difícil criar este estado de vigilância sobre o que contradiz o que acreditamos, nos sentimos sozinhos. Na vida digital, nos incomodamos quando vemos amigos compartilhando coisas que não gostamos, e isso gera um efeito de solidão, porque você rejeita a opinião desses amigos e se afasta.
As pessoas acham que uma conversa serve para fazer o outro mudar de ideia. O problema é que as duas partes agem da mesma maneira

Ao contrário do que acontece nas redes sociais, nos encontros presenciais não vemos todas as facetas dos nossos amigos. Já a vida digital permite postagens sobre as opiniões de todas as pessoas que seguimos, vemos todas as facetas de alguém. E nenhum amigo vai concordar com tudo o que pensamos. Ninguém é um espelho nosso, nem mesmo gêmeos idênticos pensam igual, todo mundo é diferente – e isso é positivo. Esse dinamismo, no fundo, ajuda a evitar uma guerra civil em que todo mundo concorda com tudo sobre o lado que defende.
Por isso, estamos sempre em negociação: viver é conviver. Da hora em que acordamos até a hora de dormir: passamos o tempo todo negociando. Em todos os lugares estamos eternamente nos inter-relacionando uns com os outros.
Uma pesquisa de 2019 avaliou um velho ditado: o amigo do meu amigo é meu amigo? E o inimigo do meu amigo é meu inimigo? A conclusão é que nem sempre isso é verdade, justamente porque existe o dinamismo. As pessoas não estão sempre nos mesmos “clubinhos”: não torcem para os mesmos times de futebol e não têm as mesmas opiniões sobre questões sociais e políticas.
No cotidiano, pode ser difícil aceitar esse tipo de realidade. Alguns dados apontam que a polarização vai continuar. Então, como resolver?
Um estudo publicado na revista Science avaliou o quanto conversas podem ajudar a reduzir a polarização e aproximar os opostos. Os pesquisadores observaram que a rejeição inicial é reduzida – mas isso é um efeito momentâneo, dura pouco. A hipótese dos pesquisadores de que conversar ajuda caiu por terra.
Mas por que? Porque as pessoas acham que uma conversa serve para saber como fazer o outro mudar de ideia. O problema é que as duas partes fazem exatamente a mesma coisa, o que gera o impasse que conhecemos.
Ao contrário do que se pensa, um estudo de 2020 mostra que a polarização não é resultado de falta de empatia, mas sim do excesso de empatia com uma causa ou um grupo que exacerba a rejeição daqueles que não defendem a mesma causa ou o mesmo grupo. Essa é a lógica do linchamento.
Toda vez que dizemos que o outro não é empático conosco, precisamos nos atentar para o fato de que também não estamos sendo empáticos com este outro. Empatizamos com aquilo e com aqueles que já estão dentro do nosso círculo moral, porque vemos o nosso oposto como uma negação da nossa própria existência. A empatia não é o melhor guia moral, muito pelo contrário.
A verdadeira empatia é a verdadeira escuta – e não aquela que tenta desconstruir o argumento do outro, mas aquela que se coloca no lugar do outro, que aprende com o outro. Essa escuta é extremamente trabalhosa e custosa para o nosso cérebro, requer muita dedicação, ou seja, tempo e energia, que são recursos escassos. Indo além: energia cerebral é sinônimo de glicose, é ela que é utilizada para mantermos atenção no outro. Portanto, a empatia tem limite.
Sabendo desses processos, adquirimos ferramentas para não entrar em conversas que não levam à empatia e que podem até mesmo aumentar a polarização política. Uma sociedade melhor exige que sejamos respeitosos sem necessariamente empatizarmos com todas as pessoas.

Claudia Feitosa-Santana é neurocientista com pós-doutoramento pela Universidade de Chicago (EUA), doutorado e mestrado pela USP (Universidade de São Paulo) e autora do livro “Eu controlo como me sinto” (ed. Planeta).
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