Por que Lula pressiona o BC – VEJA
Para entender os repetidos discursos de Lula e ministros sobre a taxa Selic é precisar aceitar uma premissa: há um consenso no Planalto de que a taxa de juros reais de 8% é um obstáculo instransponível para o sucesso do governo. Não há como Lula devolver “o Brasil do domingo dos pobres com picanha e cerveja” com essa Selic. A pressão sobre o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, não pode ser entendida como um debate econômico. É político.
O fato de Campos Neto estar pelo menos até 11 de janeiro num grupo de WhatsApp com o nome “Ministros do Bolsonaro” azedou a possibilidade de uma relação suave com Lula. Campos disse a amigos que foi incluído no grupo por ter de fato sido ministro de Bolsonaro e que saiu depois que uma foto na Folha de S. Paulo revelou a sua participação. Deveria ter saído quando o BC ficou independente em 2020.
Há três temas na mesa que o governo tem usado, em on ou em off, para chacoalhar a tranquilidade que o Campos Neto passou nos anos Bolsonaro: a mudança nas metas de inflação, a substituição dos diretores e a independência do BC. Este último é uma falácia. É nula a chance de o governo arriscar o seu capital político para tirar a independência do BC faltando apenas dois anos para indicar o novo presidente e sob a necessidade de uma maioria constitucional quase inviável neste Congresso. Quando diz que sob sua gestão, Henrique Meirelles tinha tanta independência quanto Campos Neto, Lula está se autoelogiando.
Sobre Metas de Inflação
A mudança nas metas de inflação é um tema que está na pauta do Planalto, mas não foi ainda discutido pelo presidente com a equipe econômica. Na entrevista à Globonews, Lula fez a pergunta retórica “por que o Banco Central é independente e (mesmo assim) os juros estão do jeito que estão? Você estabeleceu uma meta de inflação de 3,7%, quando você faz isso, é obrigado a ‘arrochar’ mais a economia para atingir aqueles 3,7% (a meta na realidade é de 3,5%). Por que precisava fazer os 3,7%? Por que não fazia 4,5%, como nós fizemos (nos governos Lula 1 e Lula 2)?”.
O mercado entendeu que Lula pretende mudar as metas, mas essa hipótese, por enquanto, é mais uma ameaça do que um plano estrutural.
A meta de inflação de 2023 está em 3,25%, com indicativo de 3% em 2024 e 2025. O centro da meta de inflação estava em 4,5% em 2005, com 2,5 pontos percentuais de margem. Em 2006, o intervalo caiu para 2 pontos e permaneceu assim nos anos seguintes, até ser cair para 1,5 ponto para 2017 e 2018, algo que está mantido agora até 2025.
A confirmação das metas de 2024 e 25, normalmente um ato burocrático, e a fixação do alvo para 2026 será tomada em reunião em julho do Conselho Monetário Nacional (CNM), composto pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, Planejamento, Simone Tebet, e Campos Neto.
Haddad tem noção que este debate é feito sobre gelo fino. Em 2017, em uma das medidas desesperadas para a reeleição, o então presidente da Argentina, Maurício Macri, mexeu nas metas de inflação, causando mais uma fuga de capitais. Não adiantou nada. Macri perdeu e a inflação argentina está em mais de 90%. O Brasil pratica hoje a taxa real mais alta do mundo (a do segundo colocado, o México é 3 pontos percentuais mais baixa), o que obviamente afeta o crescimento do País, mas garante que os discursos de Lula não causem solavancos no dólar por mais de um par de dias.
Sob Bolsonaro, o país não cumpriu as metas em 2021 e 22. Em palestra na UCLA Anderson School of Management, em Los Angeles, na quinta-feira (19), Campos Neto reconheceu que a inflação de 2022 só não explodiu pela manobra eleitoreira do corte de impostos estaduais sobre combustíveis. “A inflação estaria em 9%, e não em 5,8%, se não fosse essa redução de impostos”, afirmou. Para este ano, a projeção na pesquisa Focus é de um IPCA de 5,48%, de novo acima da meta.
Mas se as metas fixadas pelo CNM não são cumpridas, por que insistir em índices tão baixos? Para alguns interlocutores de Lula, como a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, cabe às metas de inflação o mesmo raciocínio do PT para a Lei do Teto de Gastos: uma meta factível é melhor do que uma que nunca será cumprida.
Logo depois da declaração de Lula, os pesquisadores do IBRE/FGV Ricardo Barbosa e Braulio Borges publicaram no jornal Valor artigo defendendo o aumento da meta de inflação para 4% em 2024. Em entrevista à CNN, o ex-diretor do BC, Sergio Werlang, foi na mesma linha, sem citar um número específico. “Com uma meta cadente, o Copom tem de ser mais duro do que deveria (aumentando juros). Agora, quando há uma explosão como a que estamos vivendo agora, ele terá que ser ainda mais conservador. Uma situação excepcional que justificaria uma revisão das metas”, disse Werlang.
Sobre Substituição de Diretores
Em 28 de fevereiro se encerram os mandatos dos diretores do Banco Central de Fiscalização e de Política Monetária. No primeiro caso, deve ser reconduzido o funcionário de carreira Paulo Souza. O segundo caso, mais estratégico para o mercado, é mais complicado. O atual diretor, Bruno Serra, já disse que quer sair e Campos Neto tem tido dificuldades para arranjar um nome. Inicialmente, ele vazou que convidaria Sandro Sobral, do Santander, mas também há a hipótese de uma solução interna, como chefe do Departamento das Reservas Internacionais do BC, Alan Mendes. Campos Neto deve apresentar sua sugestão ao ministro da Fazenda nos próximas dias. A intenção é que o nome seja enviado para a sabatina no Senado na semana iniciando em 6 de fevereiro.
A preços de hoje, um substituto de Bruno Serra sugerido por Campos Neto deve ser aceito pelo governo. Isso não significa, no entanto, que será assim em dezembro, quando terminam os mandatos dos diretores de relacionamento, cidadania e supervisão de conduta, Maurício Costa de Moura, e Assuntos internacionais e gestão de riscos corporativos, Fernanda Guardado. O mandato de Campos Neto e outros dois diretores vai até dezembro de 2024.
O custo
A relação do governo Lula com o BC será tensa. O governo tem legalmente o direito de indicar quatro diretores neste ano e ouvir apenas o que os senadores têm a dizer. Também pode revisar as metas de inflação de 2024 para frente. Tudo sem mexer uma linha nas regras do jogo.
O que não consta nesse raciocínio é o custo de um turbulência do mercado. Só as frases de Lula desta semana fizeram os juros futuros subirem 30 pontos. Desde segunda-feira, o real se desvalorizou 2% em relação ao dólar, o pior desempenho entre as moedas. Depois do que ocorreu no Reino Unido no governo de 40 dias de Liz Truss, é temeroso enfrentar o mercado por esporte.
Irritado com presença de Campos em grupo de zap bolsonarista, presidente quer recomeçar relação em outros termos. A tendência do governo Lula é aceitar as sugestões para as diretorias do BC e não mexer nas metas de inflação, mas para isso espera quer o BC Campos Neto jogue no mesmo nível parceria como fez com Bolsonaro. O teste dessa relação será a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para 31 de janeiro e 1.o de fevereiro. Há um consenso que a taxa Selic ficará estável, mas se no seu comunicado o BC mantiver sua postura crítica sobre a efetividade do plano de ajuste fiscal do governo, a relação pode desandar.
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