Presença militar na política brasileira não é um fenômeno recente e ganha força no bolsonarismo – brasildefators.com.br
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Política
O Rio Grande do Sul elegeu, pela primeira vez na história da redemocratização, um senador militar. Contrariando a maior parte das pesquisas eleitorais, o atual vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) superou a chapa encabeçada por Olívio Dutra (PT). Também veste farda o mais votado do estado para a Câmara Federal, repetindo o feito de 2018, o Tenente Coronel Zucco (Republicanos).
A participação dos militares e das Forças Armadas na política brasileira não é um fenômeno recente, afirma o advogado e professor de Ciência Política da UnB e pesquisador sênior do Observatório sobre Defesa e Soberania Nacional do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, Rodrigo Lentz. Autor do livro República de segurança nacional – Militares e política no Brasil (editora Expressão Popular), ele analisa a presença militar na política desde a formação da República até o atual governo.
Sobre o pleito no estado, ele entende que salta aos olhos a militarização da política e a própria politização da corporação quando o deputado federal mais votado do estado é um militar e o único senador eleito é outro militar. “É um fenômeno mais profundo e sobre o qual a sociedade democrática deve levar a sério, elaborando política e estratégia a respeito. Sem alarmismo ou desdém, mas com realismo político”, defende Lentz.
Contudo, avalia que a eleição de Mourão, com 2,5 milhões de votos, contra 2,2 milhões de Olívio – uma diferença de 368 mil votos – não pode ser explicada apenas pelo fenômeno do avanço militar sobre a política. “Foi uma diferença próxima daquela entre Bolsonaro e Lula no estado, de 440 mil votos. Portanto, as eleições majoritárias refletiram o cenário nacional. E mostram que, apesar das diferenças pontuais e ‘de estilos’, há coesão eleitoral entre os militares candidatos.”
Primeiro suplente na chapa de Olívio, que trazia na segunda suplência a vereadora de Viamão Fátima Maria (PT), Roberto Robaina (PSOL) também analisa o resultado para além do Senado. “É evidente que a extrema direita expressa pelo bolsonarismo no Brasil emergiu com força em 2018 e se consolidou em 2022 como expressão institucional. É um projeto que tem traços fascistas, não se pode definir como fascismo no sentido de que não conseguiu se constituir como movimento de massas”, afirma.
Porém, o vereador de Porto Alegre ressalta que as urnas mostraram também uma ruptura com o bolsonarismo, evidenciada na vitória de Lula no primeiro turno. “Inclusive de um enorme setor da burguesia brasileira, que em 2018 deixou correr a extrema direita, mas que a partir da experiência de governo viu que ela não tinha competência para gerenciar seus negócios, no sentido de produzir algum projeto de país.”
“Infelizmente o estado elegeu Mourão por uma questão circunstancial, por esse ascenso do bolsonarismo, que no Rio Grande do Sul ainda é majoritário, embora tenha perdido muita base”, pondera.
“Militares nunca saíram do poder”
Dados levantados por técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) mostram que no primeiro ano do governo Bolsonaro, 3,5 mil militares ocupavam cargos no governo federal. Já em 2020, o número mais que dobrou, chegando a 6.175. Quanto a candidaturas, nas eleições de 2022, segundo levantamento publicado pelo Jornalistas Livres, 1.599 candidatos declararam ser militares ou trabalhadores de segurança, enquanto na eleição de 2018 foram 1.324.
Rodrigo Lentz prefere separar militares e civis nas “forças de segurança” do Estado, visto que as candidaturas militares “são mais coesas ideologicamente e, desde elas, as das FA mais ainda – cerca de 90% por partidos de direita”. Para o doutor em Ciência Política, o fenômeno já existia antes de 2016 e foi potencializado quando a chapa militar ganhou a eleição em 2018 e assumiu o governo.
Ele defende que a militarização da política de segurança pública foi difundida por governos que, apesar de terem orientação democrática, foram lenientes com o tema fundamental nas relações de poder. “Não há política e nem estratégia nesse campo. Este é o nó que precisa ser desatado”, sugere.
Sobre a presença no governo, destaca que desde 1985 são quase 40 anos sem mudanças significativas e estruturais nas burocracias que mantém os militares como forças desestabilizantes da democracia. Contra isso, é preciso compreender como os militares pensam a política para entender a história política do país.
“Coadjuvantes ou protagonistas, lideranças militares instrumentalizam a corporação e suas funções institucionais conforme interesses profissionais, de classe e partidários. E isso ocorre em tempos de ‘desmobilização partidária’, quando é mantida a coesão ideológica entre a corporação e construída a legitimidade social da politização dos militares. Conforme a conjuntura e outros fatores – inclusive de oficiais engajados na política partidária, o comando decide sair para a superfície política. Eis o cenário atual, desde 2016”, explica Lentz.
Robaina concorda, afirmando que “os militares nunca saíram da política brasileira, o que ocorreu é que teve formas diferentes de atuação”. Lembra que o golpe de 1964 foi do setor burguês chefiado pelos militares e que, depois, na mobilização de massa que impediu a continuidade do regime, em 1984, a saída das Forças Armadas foi de “paraquedas”.
“Negociaram uma transição e continuaram tendo enorme poder para tutelar e fazer com que a democracia brasileira fosse mitigada. Sempre foi uma democracia mitigada e sem democracia social, uma verdadeira plutocracia, que foi o que marcou a Nova República a tal ponto que ela entrou em decadência e gerou no seu interior o próprio bolsonarismo”, assinala.
A missão anticomunista
Sobre a ideia de anticomunismo, que no Brasil age como antipetismo e se enraizou no bolsonarismo, Rodrigo Lentz lembra que o fenômeno não é novo na história do país. “Há quem diga que o anticomunismo data antes do golpe republicano, ainda no ocaso do Império. Trata-se de um discurso religioso com profunda natureza de classe, alimentado de forma permanente e mobilizado em ondas, conforme a conjuntura das relações de poder.”
Ele destaca que a última onda se formou depois de 2013, “na roupa do antipetismo, e seguirá sendo alimentado e mobilizado, com amplo protagonismo das instituições de Estado militares que, anote-se, tem como missão institucional o anticomunismo”.
Nem todos são de direita
Da mesma forma que Lentz traz em seu livro, Robaina lembra ainda que na história do país nem todos os militares são ou foram de direita. “A cúpula é de direita e ela tem maior liberdade de atuação. Mas se tu fores ver na história não é assim, Luiz Carlos Prestes e o tenentismo não foi de direita, ao contrário, produziu movimento democrático importante, o questionamento do velho regime, da velha República”, traz o vereador.
Cita também episódios recentes, rebeliões que não foram de direita, como as mobilizações nas polícias militares em 1997. “Greves de PM e de Bombeiros que produziram lideranças confusas, em termos ideológicos, com peso da religião muito grande como o Cabo Daciolo, mas ele dirigiu a greve de bombeiros do Rio de Janeiro em 2011, que foi uma greve enfrentando o corrupto governo de Sergio Cabral e começou a desmantelar o governo do MDB. Não é à toa que a greve dos bombeiros foi muito apoiada em 2011”, avalia.
Lembra da eleição do policial civil Leonel Radde (PT) para a Assembleia Legislativa do RS, com a bandeira antifascista. E da reeleição da deputada estadual Luciana Genro (PSOL), que teve a segunda maior votação, com 111.126 votos. “Eu garanto que ela foi a deputada com o maior número de votos entre os praças da Polícia Militar no RS. Isso também é participação dos militares na política”, afirma.
Destacando pontos positivos, Robaina ressalta que, apesar do crescimento da extrema direita, as eleições deste ano trouxeram também uma retomada da força dos partidos de esquerda, com o PT puxado pelo Lula e o crescimento e consolidação do PSOL. “No Nordeste foi uma derrota enorme do Bolsonaro e aqui no RS, levando em conta somente Porto Alegre, o Olívio ganhou. Na votação da Assembleia, dos cinco deputados eleitos mais votados, dois foram do PSOL”, finaliza.
O levantamento do Jornalistas Livres aponta que, apesar do crescimento de 20% das candidaturas ligadas à segurança pública, somente 78 deles foram eleitos. Em 2018, foram eleitos 105, o que equivale a uma queda de 25%.
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Edição: Katia Marko
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