Quem são os aliados do clã Bolsonaro na extrema direita dos EUA – Agência Pública

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Financiadores de Trump e do Partido Republicano estiveram no Brasil em 7 de setembro de 2021
Financiadores de Trump e do Partido Republicano estiveram no Brasil em 7 de setembro de 2021
Uma comitiva de 16 americanos, entre financiadores de campanha e aliados do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, estava no Brasil quando Jair Bolsonaro (PL) fez ameaças golpistas contra a democracia e instigou seus apoiadores a atacar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em 7 de setembro de 2021.
A Agência Pública apurou que no dia seguinte aos protestos eles estiveram com o filho do presidente brasileiro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), e executivos de grandes empresas do país em um elegante jantar no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.
Identificamos que pelo menos parte desse grupo – além de outros conservadores trumpistas que estavam no Brasil – se encontrou também com Jair Bolsonaro entre os dias 6 e 7 de setembro, em Brasília.
A viagem dessa turma ao Brasil é fruto de um movimento que Eduardo Bolsonaro tem feito desde antes de seu pai ser eleito presidente, em outubro de 2017, para estreitar as relações com a extrema direita americana. E que tem dado certo. No último 8 de setembro, Donald Trump declarou seu “endosso completo e total” à reeleição de Jair Bolsonaro. Essa proximidade é inédita na relação entre os dois países; tradicionalmente, políticos são cautelosos em se pronunciar para não interferirem na soberania nacional.
Nos últimos cinco anos, Eduardo Bolsonaro participou de ao menos 77 encontros e eventos com representantes e lideranças da ala política conservadora dos EUA.
Apesar de gostar de compartilhar fotos dessas reuniões, sempre exaltando sua proximidade, apoio e parcerias conquistadas com os figurões conservadores, o deputado federal escondeu dos holofotes a vinda do grupo norte-americano em setembro do ano passado. Assim como ele, os visitantes tiveram o mesmo cuidado de manter a discrição da viagem ao Brasil.
Na lista de convidados para o evento no luxuoso hotel carioca, à qual a reportagem teve acesso, havia empresários que fizeram doações à campanha de Trump, consultores políticos e o republicano Mike Lee, um influente membro do Senado que apoiou inicialmente os esforços de Trump para reverter o resultado das eleições. Para citar outros exemplos, estiveram presentes a doadora do Partido Republicano Carol Adams; Sergio Gor, que chefiou o gabinete do Trump Victory Finance Committee, um comitê de arrecadação de fundos para a campanha de Donald Trump e o Comitê Nacional do Partido Republicano; e o ex-assistente pessoal de Trump, Nicholas Luna.
O assunto nos jornais, naquela quarta-feira, 8 de setembro de 2021, era a repercussão dos ataques golpistas de Jair Bolsonaro nas manifestações que ocorreram no dia anterior, em Brasília e na capital paulista. Centenas de milhares de apoiadores acataram o pedido do presidente e foram às ruas das capitais, segurando cartazes denunciando o sistema eleitoral como fraudulento e pedindo o “fechamento do STF” e “uma intervenção militar”. Em São Paulo, 125 mil pessoas se reuniram na avenida Paulista e ouviram Bolsonaro prometer, do palco, não mais seguir as ordens dos ministros do STF. Caminhoneiros interromperam o trânsito em 14 estados. Alguns grupos tentaram invadir o STF mas foram impedidos. A tensão só seria aliviada no dia seguinte ao jantar, 9 de setembro, quando Bolsonaro publicou uma carta afirmando que não teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”.
Mas, na recepção elegante no Copacabana Palace, as manifestações de 7 de setembro nem sequer foram mencionadas – pelo menos do palco.
O jantar foi articulado, do lado brasileiro, por Sérgio Sant’Ana, parceiro de Eduardo Bolsonaro no think tank Instituto Conservador Liberal (ICL), e, do lado americano, por Sergio Gor, identificado na lista de convidados como representante da empresa Winning Team Consulting. Atualmente, ele é sócio de Donald Trump Jr. na Winning Team Publishing. A editora lançou um livro de memórias e fotos do ex-presidente dos EUA que conta com o registro de uma reunião com Jair e Eduardo Bolsonaro.
O convite oficial aos executivos brasileiros e representantes de associações comerciais que participaram do evento ficou a cargo da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Procurada, a entidade informou por meio de nota que “como representante da indústria brasileira, tem entre suas missões estimular o intercâmbio entre o Brasil e demais países e seus representantes para prospectar oportunidades para o setor”.
Recentemente, a CNI se recusou a assinar o manifesto em defesa do sistema eleitoral brasileiro elaborado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com a justificativa de que “dialoga com todos os políticos”. Em 2019, a entidade chegou a fazer campanha para que Eduardo Bolsonaro assumisse a embaixada do Brasil em Washington, conforme revelou a coluna do jornalista Jamil Chade, no UOL.
A Pública conversou com cinco pessoas presentes no Copacabana Palace naquela noite. Elas nos disseram que foram convidadas pela CNI para um “evento de negócios”. Uma das fontes ouvidas contou ter sido alertada sobre o perfil do grupo americano “de trumpistas” que estaria no jantar – entre os estrangeiros, nove políticos e apenas três empresários. Cerca de 50 pessoas participaram da recepção e, à medida que iam chegando, eram direcionadas às suas mesas, com lugares marcados previamente.
Sérgio Sant’Ana e Sergio Gor sentaram-se lado a lado numa mesa VIP posicionada perto do palco. Eduardo Bolsonaro, ao longo de seu discurso, agradeceu os “dois Sérgios” por possibilitarem o encontro, e especialmente a Gor, “pelo seu papel na organização da viagem”. A plateia aplaudiu.
Em entrevista à Pública, Sérgio Sant’Ana disse que o jantar com os executivos foi articulado pelo senador Mike Lee e que não teve relação com o governo nem com o ICL. “Foi um evento privado”, destacou. “Eu não sei exatamente o contexto dos americanos lá, mas foi coisa do senador [Mike Lee]”, disse. Segundo ele, Lee e Gor estavam de férias no Rio de Janeiro. “Não tinha absolutamente nada de política na viagem do cara, entendeu? Os americanos fazem essas coisas, viajam e levam gente que é ligada, amigo”, reforçou, e acrescentou: “Não tem nada demais nisso”.
A Pública entrou em contato com Eduardo Bolsonaro, Mike Lee e Sergio Gor, mas não obteve resposta. Tentamos contato também com Carol Adams e outros membros da delegação, sem sucesso.
O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, foi o primeiro a falar. Ele fez uma apresentação institucional e usou um Powerpoint para ilustrar os números da economia brasileira. Na pauta, agronegócio, energia e mineração. Na sequência, foi a vez do senador republicano Mike Lee. Ele disse que “os EUA são muito amigos do Brasil” e que a relação entre os dois países “tem que se fortalecer”. Lee destacou ainda que era sua primeira viagem após o início da pandemia de covid-19. O número de brasileiros mortos, vítimas do vírus naquele dia, ultrapassava os 584 mil.
Conforme relatos ouvidos pela reportagem, a apresentação de Eduardo Bolsonaro, a terceira e última da noite, foi a que teve o tom mais político. Ele propagandeou ações do governo de seu pai, dizendo que o país melhorou, e destacou as semelhanças de Jair Bolsonaro com Donald Trump. O parlamentar fez questão de ressaltar a relação de proximidade entre os conservadores americanos e brasileiros e o quanto eles têm em comum.
Eduardo havia desembarcado no fim da tarde no Rio, depois de uma agenda cheia de compromissos políticos em São Paulo e entrevistas para canais estrangeiros.
Antes de pousar no Rio de Janeiro, a maioria da delegação dos norte-americanos passou por Brasília, onde estiveram com Jair Bolsonaro, conforme nos relatou uma fonte que acompanhou a viagem. O único nome divulgado na agenda oficial do presidente, no entanto, é o do senador Mike Lee. A reunião aconteceu das 18h às 18h45 do dia 6 de setembro de 2021, no Palácio do Planalto. Os ministros das Relações Exteriores, Carlos França, e da Economia, Paulo Guedes, também estavam presentes.
Mike Lee foi um dos palestrantes do primeiro CPAC no Brasil – a versão brasileira do maior encontro conservador dos Estados Unidos –, realizado em São Paulo em outubro de 2019. Na ocasião, Eduardo Bolsonaro firmou um termo de cooperação com os conservadores americanos para intercâmbio de conhecimento. Dos dirigentes da União Conservadora Americana (UCA), organização que promove o CPAC, Mercedes e Matt Schlapp, Charles Gerow e Mike Lee assinaram o acordo.
Mike Lee minimizou o ataque ao Capitólio, dizendo que foram “manifestações democráticas”, e comparou os invasores a manifestantes do movimento Black Lives Matter.
Apesar de não constar na agenda oficial, o doador do Partido Republicano e empresário do Texas Don Huffines também participou da reunião com Jair Bolsonaro no dia 6 de setembro. O encontro foi divulgado no seu site pessoal. “No início deste mês, visitei um líder corajoso que chocou o mundo com sua vitória eleitoral, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro”, escreveu Huffines. “Conversamos sobre nossos valores cristãos compartilhados e discutimos estratégias para não apenas enfrentar o pântano do establishment, mas derrotá-lo”, acrescentou.
O empresário contou em entrevista à Pública que Eduardo Bolsonaro acompanhou o grupo em alguns passeios. “Eu não conhecia o Eduardo anteriormente, outras pessoas na viagem sim. Ele é articulado, inteligente sobre o mundo político e empresarial”, destacou. Segundo Huffines, enquanto se reuniam no gabinete de Jair Bolsonaro, do lado de fora era organizado o espaço onde o presidente falaria no dia seguinte.
Naquela mesma noite na capital federal, apoiadores de Jair Bolsonaro furaram o bloqueio da Polícia Militar que impedia o acesso à Esplanada dos Ministérios e ameaçaram invadir o STF. A manifestação contou com a presença de Eduardo Bolsonaro.
Huffines, que também participou da recepção no Rio, disse que viajou ao Brasil a convite do Sergio Gor. Ele afirmou à Pública que foi a turismo, para explorar oportunidades de investimento e se reunir com políticos e empresários. Segundo ele, a maior parte do grupo carioca foi a Brasília para se encontrar com o presidente, mas, quando solicitado a confirmar se Gor fazia parte do grupo, ele não quis comentar. Já Sant’Ana afirmou à reportagem que ele teria ficado apenas no Rio. Assim como Gor, Connor Hickey, ex-assessor do senador republicano Rand Paul, foi identificado na lista de convidados no jantar no Copacabana Palace, como representante da Winning Team.
Além de Gor e Hickey, os outros dois consultores políticos que estavam na comitiva dos americanos no Brasil são Doug Stafford e Nicholas Luna. Stafford é estrategista-chefe do senador Rand Paul. Já Luna foi assistente pessoal e guarda-costas de Donald Trump. Ele estava no gabinete junto ao ex-presidente quando este pressionou seu vice, Mike Pence, a não certificar o resultado das eleições, em 6 de janeiro de 2021.
Os nomes de Stafford e Luna constam na lista de convidados do jantar no Copacabana Palace.
Naquele fatídico mês de setembro de 2021, ocorreram pelo menos três eventos com os Bolsonaros e a presença de americanos do grupo político de Donald Trump: o jantar dia 8 no Rio, as manifestações golpistas de 7 de setembro e o CPAC – os dois últimos em Brasília.
Dias depois, Eduardo Bolsonaro ainda viajou aos Estados Unidos e se encontrou com Donald Trump, Donald Trump Jr. e Sergio Gor e visitou o escritório da Gettr – rede social comandada pelo ex-assessor de Trump Jason Miller, que já patrocinou pelo menos quatro encontros promovidos pelo ICL de Eduardo Bolsonaro, entre setembro de 2021 e junho de 2022: dois CPACs e dois congressos conservadores regionais, chamados de Brasil Profundo.
A proximidade de Jason Miller com Steve Bannon foi um dos motivos que levaram a PF a interrogá-lo quando esteve no Brasil, em setembro do ano passado (ele retornou ao país este ano, quando participou novamente do CPAC, em São Paulo, e das manifestações do bicentenário da Independência no Rio de Janeiro). No momento em que foi abordado pela PF, Miller estava acompanhado do empresário Gerald Brant, que foi quem abriu as portas dos círculos conservadores dos EUA para a família Bolsonaro, ainda em 2017.
A agenda do fundador da Gettr no Brasil no ano passado contou também com uma visita ao presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada em 5 de setembro. Fotos do encontro foram publicadas no Twitter por Matthew Tyrmand, membro do conselho do Projeto Veritas, uma organização conservadora que usa câmera escondida para “expor” jornalistas e pelo qual Eduardo Bolsonaro já demonstrou admiração.
Tyrmand, um repórter investigativo de direita populista, disse à Pública que ele, Brant e Mario Balaban, porta-voz do Projeto Veritas, também estavam no aeroporto com Miller. Os quatro foram questionados sobre com quem se encontraram no Brasil. Miller e Brant foram separados dos outros dois para posterior interrogatório da PF. Ninguém no grupo foi acusado de irregularidades. Miller chamou o incidente de “ridículo”.
Tyrmand disse que veio ao Brasil “para dar uma palestra sobre jornalismo” no CPAC e que estava viajando com Miller, da Gettr. Ele descreveu o apoio da direita americana a Bolsonaro como idêntico aos liberais dos EUA que apoiam seus próprios aliados ideológicos no exterior. Tyrmand atribuiu o incidente no aeroporto a “motivos partidários de membros anti-Bolsonaro do Supremo Tribunal Federal”.
Conforme apurado pela Pública, ataques ao STF são comuns em um dos mais populares podcasts da ultradireita americana, o War room, capitaneado pelo estrategista Steven Bannon.
“Acho que a eleição mais importante do mundo é a do Brasil”, afirmou Tyrmand em um episódio do podcast. A Pública analisou 923 episódios do podcast, o Brasil é citado em ao menos 96.
Além de Miller e Tyrmand, o CPAC, realizado em 3 e 4 de setembro de 2021, reuniu diversos outros membros da direita americana, para discutir, entre outros assuntos, “a urna eletrônica brasileira e a necessidade de ter voto impresso”, segundo declaração oficial de despesas do deputado republicano do Tennessee Mark Green, ao qual a Pública teve acesso.
O briefing enviado a ele afirmava que estariam no CPAC, além de Eduardo Bolsonaro, a então ministra e a secretária da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves e Angela Gandra, respectivamente; os então ministros das Relações Exteriores Ernesto Araújo, do Trabalho Onyx Lorenzoni, da Cultura Mário Frias, o embaixador Carlos França e os deputados federais Bia Kicis (PL-DF), Filipe Barros (PL-PR) e Guilherme Derrite (PL-SP).
Do lado americano, a estrela do evento seria Donald Trump Jr., mas ele cancelou a vinda ao Brasil por causa do mau tempo. Falou por videochamada e sugeriu que a China tem interesse em trocar Jair Bolsonaro por um presidente socialista. “Vocês vão no caminho do socialismo ou vocês permanecem fortemente com a liberdade? Para mim, não tem nem o que pensar, mas a gente não pode cometer o erro de presumir que estamos em uma luta justa. O que nós vimos no meu país é só um projeto do que vai acontecer aí”, incitou. “Espero vê-los tomando a decisão correta, lutarem pela liberdade no futuro”.
O republicano Mark Green – que votou contra a certificação da eleição de Joe Biden – também foi um dos palestrantes da conferência. No dia de sua apresentação (5/9), ele almoçou com os deputados Bia Kicis e Filipe Barros no restaurante Coco Bambu. No relatório de sua viagem, Green informou que conversou com os dois sobre “política de integridade de votos”.
Kicis e Barros fazem parte da tropa de choque de Bolsonaro no Legislativo que dissemina informações mentirosas sobre as urnas eletrônicas. A deputada também traduziu para o Brasil notícias falsas que levantavam suspeitas sobre a vitória de Joe Biden, conforme apontou reportagem da Pública. Ela chegou a pedir nas redes o não reconhecimento pelo governo Bolsonaro da vitória do presidente eleito nos Estados Unidos. “Vamos aguardar a justiça decidir se houve ou não fraude nas eleições americanas e quem é o vencedor. Até lá, toda manifestação, inclusive de autoridades brasileiras, é precipitada e desrespeita a Justiça e o povo americano”, tuitou em 7 de novembro de 2020.
O próprio Eduardo Bolsonaro chegou a compartilhar em suas redes sociais – nos dias 27, 28 e 29 de setembro de 2020 – vídeos feitos pelo Projeto Veritas apontando supostas fraudes nas eleições americanas. Um deles foi classificado pelo Instagram como “informação falsa”.
Bia Kicis é autora do Projeto de Emenda à Constituição (PEC) que obrigaria a impressão de votos para permitir a recontagem. Já Filipe Barros foi o relator da proposta de autoria de Kicis, rejeitada pelo Congresso em agosto do ano passado. O deputado federal participou da live do presidente no dia 4 de agosto de 2021, em que Bolsonaro levantou suspeitas sobre o processo eleitoral.
Apesar de ter ganhado as eleições por meio das urnas eletrônicas, Jair Bolsonaro vem levantando suspeitas sobre o processo eleitoral brasileiro desde quando assumiu a Presidência. No dia de seu discurso golpista em Brasília, em 7 de setembro de 2021, Mark Green estava lá junto ao presidente, conforme informou em seu relatório de viagem. Green ficou na capital federal de sexta-feira (3/9) a quarta-feira (8/9).
A UCA pagou cerca de US$ 15 mil para enviar Green ao Brasil e tem sido, ao longo dos últimos quatro anos, apoiadora do presidente Jair Bolsonaro. “Todos os que seguem a política brasileira rezam todos os dias para que o Jair ganhe as eleições”, disse à Pública Charlie Gerow, presidente da organização e estrategista do Partido Republicano. Ele também participou do CPAC no ano passado e esteve com Jair Bolsonaro em 7 de setembro. Em uma foto tirada no dia e mostrada por ele à reportagem, estavam, além do presidente, Eduardo Bolsonaro e Sérgio Sant’Ana.
Gerow afirmou não ter conhecimento de nenhuma ajuda financeira dos conservadores americanos à reeleição de Bolsonaro, o que, ele notou, seria ilegal, mas “na medida em que o conselho pudesse ser legalmente dado, se fosse solicitado, tenho certeza que ele receberia isso”.
É mais ou menos essa a postura pública de Steve Bannon, ideólogo do governo Trump que tenta há alguns anos construir um movimento mundial da extrema direita. “Tenho usado muito do meu tempo conversando com as pessoas nos bastidores [da disputa brasileira], afirmou em entrevista recente à BBC, completando que não está atuando diretamente na campanha.
Em 2019, Bannon nomeou Eduardo Bolsonaro como representante da América do Sul do The Movement, que até então era uma coalizão inteiramente europeia de partidos políticos de direita que o ideólogo fundou para “apoiar o nacionalismo populista e rejeitar a influência do globalismo”. O Movimento nunca decolou, mas o envolvimento de Eduardo aumentou ainda mais sua estatura nos círculos de direita globais. O deputado é visto regularmente socializando com VIPs no Trump Hotel em Washington e se tornou orador frequente em eventos conservadores internacionais.
Mesmo que Jair Bolsonaro perca as eleições deste ano, Steve Bannon é uma peça fundamental para o futuro do bolsonarismo no cenário mundial da ultradireita populista. Em entrevista à BBC, ele elogiou o “carisma” do presidente e de seu filho Eduardo, assim como o de Lula. “É algo que você não vê na política americana, com exceção de Trump e algumas outras poucas pessoas”, disse.
Eduardo Bolsonaro é, por outro lado, uma peça-chave para congressistas americanos tentarem entender até onde vão os tentáculos internacionais que chacoalharam a democracia dos EUA na tarde de 6 de janeiro de 2021, quando uma turba instigada por Trump invadiu o Capitólio tentando impedir a certificação da vitória de Joe Biden.
Eduardo Bolsonaro viajou sem anúncio prévio a Washington, onde chegou em 4 de janeiro e ficou até pelo menos 11 de janeiro, tendo se encontrado com personagens-chave para os eventos daqueles dias.
A Comissão Parlamentar que investiga a invasão do Capitólio está apurando a presença do deputado brasileiro em Washington. “A comissão está tentando compreender a magnitude total das ameaças que estão se abatendo sobre a democracia americana. E há uma dimensão global para essa ameaça”, afirmou à Pública o deputado Jamie Raskin. “Como membro individual da comissão, certamente estou investigando os laços entre o regime de Trump e o movimento de Trump com Putin e Orbán e Bolsonaro e outros políticos autocráticos de ultradireita ao redor do mundo”, revelou.
Passados quase dois anos dos ataques ao Capitólio, o paradeiro de Eduardo em 6 de janeiro nunca foi divulgado. No dia 5, ele esteve na Casa Branca e postou selfies nas redes sociais com Jared Kushner e Ivanka Trump. Naquele dia, também esteve com o CEO da MyPillow, Mike Lindell, um dos apoiadores mais fanáticos de Trump, que mais tarde disse que o presidente derrotado deveria declarar “lei marcial” se necessário para permanecer no poder. Em uma transmissão ao vivo nas mídias sociais em 6 de janeiro, Lindell explicou o plano de “criar um comitê [parlamentar] que daria dez dias para que pudéssemos obter as evidências” de fraude eleitoral. “O mundo inteiro assistindo. Encontrei-me com o Brasil ontem à noite, o filho do presidente do Brasil…”, disse.
Além de filho do presidente, na época Eduardo Bolsonaro presidia a Comissão de Relações Exteriores na Câmara dos Deputados. A visita não havia sido anunciada antes, e Eduardo estava de férias, segundo O Globo.
Na visita à Casa Branca, Eduardo estava acompanhado pelo embaixador nos EUA Nestor Foster, um olavista convicto, segundo apurou a Pública, que também não retornou às tentativas de contato da reportagem. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, não houve participação da embaixada brasileira em Washington no planejamento da agenda de Eduardo Bolsonaro. “O Ministério das Relações Exteriores não foi informado sobre a agenda e nem participou de seu planejamento”, destaca o órgão em resposta ao requerimento de informação de autoria do deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP), sobre a viagem do filho do presidente aos EUA.
No mesmo dia em que Eduardo chegava ao país, o secretário de Estado Mike Pompeo tecia elogios ao então chanceler Eduardo Araújo no Twitter, dizendo que não havia outro ministro do exterior que “ama a liberdade” tanto quanto ele.
Eduardo Bolsonaro, a caminho dos EUA, compartilhou a postagem.
“Justo reconhecimento. De fato a liberdade tem sido agredida globalmente e aqui estão 2 grandes defensores dela: @ernestofaraujo e @SecPompeo”, escreveu.
Para o ex-embaixador dos EUA no Brasil Thomas Shannon, é provável que Eduardo Bolsonaro tenha viajado para Washington a pedido de seu pai, para enfatizar o compromisso de seu governo com Trump e observar os eventos e buscar lições que mais tarde pudessem ser aplicadas ​​em casa. “As pessoas ao redor de Bolsonaro, e especialmente Eduardo, realmente estudaram os eventos de 6 de janeiro e concluíram que Trump falhou porque faltou apoio institucional de setores-chave, como os militares, e que Bolsonaro precisa descobrir isso e construir esse apoio institucional para ficar no poder se ele perder a eleição”, afirmou em entrevista à Pública.
Para Shannon, entretanto, Bolsonaro não seria capaz de fazê-lo, pois alienou tantos atores poderosos no Brasil, incluindo uma parte significativa do Exército – visão corroborada por Steve Bannon, aliás.
Eduardo Bolsonaro não respondeu às perguntas da Pública, mas negou ao site Metrópole qualquer ligação com a invasão do Capitólio. “Estão fazendo força, né? Me meter no meio… Vão tentar criar o máximo de dor de cabeça possível, mas isso daí sim que estressa. Eles só sabem do encontro que tive com o Lindell [empresário trumpista Michael Lindell] e com a Ivanka [Ivanka Trump, filha do ex-presidente] porque eu postei as fotos. Como vou planejar um atentado e postar com quem estou me encontrando?”, afirmou Eduardo Bolsonaro à coluna do jornalista Guilherme Amado, no dia 1o de agosto de 2021.
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