Racismo e futebol: paraenses analisam repercussão de casos – DOL – Diário Online
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O estudo, realizado por Artur Araújo e José Calasanz Jr., analisou mais de 2.600 reportagens em sites e blogs e constatou que “macaco” é o principal termo utilizado para ofender uma pessoa preta. Saiba mais sobre os resultados encontrados.
quarta-feira, 23/11/2022, 10:11 – Atualizado em 23/11/2022, 10:27 – Autor: Andreza Alves (@drezalves) e Enderson Oliveira (o_enderson_)
Novembro é o mês da Consciência Negra no Brasil e de início da Copa do Mundo do Catar. A mesma data, dia 20, que marca a morte de Zumbi dos Palmares, também assinalou o início da principal competição de seleções do planeta, cercada por uma série de críticas e polêmicas. Não por acaso, o futebol também é um dos principais cenários de tristes casos de racismo, sejam os alvos atletas, membros de comissões técnicas ou torcedores. Diante desse mal ilógico e anticivilizatório, virar o jogo para uma visão antirracista passa a ser uma missão.
Atentos a isto, dois comunicólogos paraenses, Artur Araújo e José Calasanz Jr., realizaram uma pesquisa que analisou reportagens publicadas de 01 de janeiro e 30 de junho de 2022, através da ferramenta Meltware, “uma das poucas de monitoramento que coleta e armazena uma quantidade enorme de reportagens em seu banco de dados, sendo uma grande oportunidade para compreender o impacto de cada assunto”, explica Artur, que CEO da Yesbil Consultoria e Treinamentos em Marketing Digital.
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Devido a esta amplitude da análise, foram identificadas 2655 reportagens com referências a “racismo” e “futebol”. Dentre os casos mais recorrentes, três ganharam relevo:
– Internacional-RS x Corinthians-SP: o meia colorado Edenilson acusou o lateral português Rafael Ramos de o ter chamado de “macaco”. Edenilson registrou queixa, Ramos foi detido, mas meses depois foi absolvido. Nenhuma imagem de câmera conseguiu registrar/ provar a possível ofensa
– Partidas entre Boca Jrs. X Corinthians na Taça Libertadores da América: nos 4 jogos realizados este ano (na primeira fase da competição e nas oitavas), ocorreram referências e denúncias de racismo. Nas partidas realizadas em São Paulo, houve até torcedores argentinos detidos.
– Fla-Flu: em fevereiro, ainda pela Taça Guanabara, Gabriel Barbosa, o Gabigol, disse que foi chamado de macaco pela torcida do Fluminense na saída para os vestiários. Semanas depois, foi realizado o julgamento e o Tricolor foi absolvido, já que não foi possível provar as agressões. Já o Flamengo, no mesmo dia, foi punido, mas por homofobia, devido a cânticos da torcida.
Nestes 3 principais casos analisados e em outros encontrados na pesquisa, o termo “macaco” foi a ofensa mais utilizado para hostilizar um atleta, comissão técnica, árbitros, times e torcidas.
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Observar isto nos mostra que tais xingamentos não são aleatórios. Os estádios e as redes sociais tornaram-se arenas para expressões racistas e discursos de ódio contra os pretos que compõem esse universo esportivo. Para Calasanz, “a identificação de quais ofensas racistas são mais proferidas no futebol mostra que podemos realizar ações e campanhas de combate ao racismo utilizando estes termos de forma estratégica, direcionando o discurso para falar exatamente com quem profere essas palavras e ataques”, sugere o publicitário, que é responsável também pela comunidade Métrica Power.
FUTEBOL DE TODAS AS CORES
Diante destes casos, a técnica em Enfermagem Camila Magalhães, 28 anos, mulher preta que vive Santo André-SP, comenta é necessário debater cada vez mais sobre as temáticas antirracistas dentro e fora de campo. Para que ocorram mudanças efetivas, é urgente existir amplo diálogo, leis mais duras e punições.
“Na minha opinião, no futebol, existe muita impunidade, pois a impressão que tenho é que sempre existiram esses casos de racismo no esporte por parte da torcida, dos jogadores, dos demais envolvidos e nada é feito, não existe uma punição para o racista”, complementa Camila, que é apaixonada por futebol.
É ainda a torcedora que lembra de outro triste momento de 2022, quando os torcedores do Ceará foram vítimas de racismo no Estádio de Avellaneda, em Buenos Aires. A equipe cearense enfrentou o Independiente em duelo da Copa-Sul Americana. Na ocasião, torcedores argentinos imitaram macacos e xingaram os jogadores, além de também arremessaram pedras e outros objetos nos alvinegros.
Episódios como este não se restringem ao território sul-americano. Na Europa, também existem injustiças raciais e xenofóbicas, inclusive, com brasileiros. Como foi o caso de Vinícius Júnior, atacante do time espanhol, Real Madrid. Constantemente, o jogador sofreu críticas pelo estilo de jogo e principalmente pelas danças que ele fazia ao marcar um gol.
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Na ocasião, Pedro Bravo, presidente da Associação de Agentes Espanhóis disse que Vinicius precisava parar de fazer “maquaquices”, a partir de tal comentário racista, vários torcedores e usuários sentiram-se legitimados para realizar mais ataques racistas e xenófobos em relação ao brasileiro.
Para combater esse tipo de ato racista, o jornalista esportivo, Mateus Miranda, acredita que os clubes de futebol precisam se posicionar mais efetivamente em relação à causa. “É preciso que os times façam campanha, conscientizem o torcedor que racismo é um crime e tratá-lo como tal. Não podemos normatizar a questão. Devem existir punições mais severas às pessoas que cometem racismo e injúria racial nos esportes”.
Para Mateus, homem preto, jornalista esportivo e fã de futebol desde a infância, existe uma melhoria ao que tange a compreensão da Consciência Negra e questões raciais, no entanto, é indispensável que exista estratégias mais simples, objetivas e didáticas sobre o “que é ser negro”, trazer à tona as histórias da cultura negra, racismo, injúria racial e como os negros conquistaram os direitos que ainda precisam reinvindicar.
O jornalista menciona o trabalho realizado pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol como exemplo admirável de conteúdos, estudos, relatórios e ações efetivas sobre o racismo, pois explora também outros fatores que influenciam atitudes racistas no futebol, como: desigualdade social, machismo, LGBTQIA+fobia, xenofobia, entre outras discriminações.
FUTEBOL E RACISMO NO PARÁ
No Pará, raros são os casos de racismo no futebol que ganharam maior repercussão midiática, o que sugere que o número de casos é, felizmente, pequeno. Um dos que mais foram noticiados ocorreu em 2014, quando o ex-jogador e ex-BBB Hadson Nery, então no Bragantino, foi denunciado pelo ex-zagueiro Yan Rodrigo, da Tuna Luso. De acordo com Yan, ele teria sido chamado de “macaco” e registrou Boletim de Ocorrência sobre o caso, que foi “esquecido” nos últimos anos.
Já em outubro deste ano, durante o clássico Remo e Paysandu pelo Campeonato Paraense Feminino, a atacante Silmara, do Bicolor, denunciou que foi ofendida por um torcedor remista. De acordo com ela, ele teria a chamado de “macaca”. Imediatamente, como reação, Silmara teve uma crise de choro e foi amparada pelas companheiras. Apesar da repercussão, não houve registro de Boletim de Ocorrência sobre o caso.
Ainda no cenário regional, cabe destacar que em todas as partidas da Copa Verde este ano, foi possível ver também placas da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) com campanha contra a LGBTQIA+fobia e também antirracista. A medida, ainda que tímida, pode ajudar a fomentar novas possibilidades e, quem sabe, conscientização de torcedores que, infelizmente, são os principais agentes (visivelmente) de reprodução de práticas de racismo.
A pesquisa desenvolvida por Artur, da Yesbil, e Calasanz, da Pense Play, pode colaborar também na percepção e mesmo ação dos profissionais da mídia não apenas diante dos casos, mas de como reportá-las. “No Jornalismo, assim como na Publicidade, por muito tempo se viveu de achismos e ficamos presos em nossas bolhas. Então, quando um jornalista tenta analisar qual pauta é relevante e quais as formas de se abordar aquele assunto, fica preso a poucos exemplos mais ‘famosos’ ou de outros jornalistas. Com pesquisas como esta, a construção dos conteúdos pode ir mais além, seja no Jornalismo ou na Publicidade”, finaliza Artur.
O QUE FICA
Pode parecer utopia, mas é preciso pensar e lutar por uma sociedade e, consequentemente, um futebol antirracista, em ambientes em que os jogadores, integrantes dos times e torcedores não tenham medo de simplesmente terem a cor da pele e a cultura pertencente a eles.
A célebre Elza Soares já entoava que “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. A saudosa e eterna cantora, na canção “A carne”, não se referia apenas ao barateamento ao qual em geral a mão-de-obra de pessoas pretas, é submetida, como infelizmente indicam algumas pesquisas. A música também faz referência a ausência de oportunidades, pelo menor número de negros nas instituições de ensino superior, em cargos de liderança e acessibilidade aos direitos básicos no Brasil.
A história brasileira, ainda, possui uma dívida histórica com a população preta, pois embora seja a maioria em quantidade, é minoria em chances e possibilidades. Daí surge o chamado racismo estrutural. Segundo a Constituição Federal de 1988, racismo refere-se a insultos devido à raça, cor, etnia, religião ou origem da pessoa. No Brasil, é considerado um crime inafiançável e imprescritível, mas cheio de “jeitinhos” para se evitar as punições.
Isto tudo mostra a perversidade que é possível enxergar em parte dos brasileiros, que ainda carregam um racismo enraizado e demonstram isso até nas arquibancadas e redes sociais. É preciso, finalmente, abolir não apenas práticas nocivas e discriminatórias, mas avançar em diversas estruturas da sociedade para que o futebol seja, de fato, um espaço de todos e o Brasil o país do futebol e do respeito.
Texto especial para o DOL de autoria de Andreza Alves, que é jornalista, mestra em Ciências da Comunicação (Uminho – PT) e possui experiência em redação publicitária, planejamento estratégico e atendimento ao cliente e Enderson Oliveira, jornalista, professor, doutorando em Antropologia e editor no DOL.
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