Relembre seis jogadores ingleses que passaram pelo futebol francês nos anos 1980 e 1990 – Trivela
Entre a metade final dos anos 1980 e o início da década seguinte, tornou-se comum a presença de jogadores ingleses em outras ligas europeias, em grande parte devido à suspensão imposta pela Uefa aos times daquele país nas copas continentais no contexto da tragédia de Heysel. Nessa “diáspora”, além de Itália, Espanha e da vizinha Escócia, outro país que recebeu com frequência nomes de destaque da Inglaterra foi a França, com atração especial exercida por seus principais clubes, como Monaco e Olympique de Marselha. Relembramos a passagem de seis atletas dos Three Lions ao atuarem do outro lado do Canal da Mancha.
(Monaco, 1987-90)
Centroavante alto (1,91 metro), forte e exímio cabeceador revelado pelo Coventry, Hateley viveu grande reviravolta na carreira em meados de 1984: jogava pelo Portsmouth, da segunda divisão, quando foi chamado para estrear pela seleção inglesa e logo em seguida se transferiu ao Milan. Em três temporadas com os rossoneri – que tentavam se reerguer após dois rebaixamentos para a Serie B – ele não levantou títulos, mas seu gol (de cabeça, naturalmente) que decidiu o derby contra a Internazionale em outubro de 1984 ficou no coração dos tifosi.
Em 1986, Hateley disputou a Copa do Mundo pela Inglaterra, mas acabou perdendo a titularidade após a segunda partida. E no meio do ano seguinte, ele trocaria o Calcio pelo futebol francês, tornando-se o primeiro contratado do novo treinador do Monaco: um certo Arsène Wenger. Logo em sua primeira temporada, a de 1987/88, e ao lado de outro inglês recém-contratado, o meia Glenn Hoddle, o atacante grandalhão seria fundamental para que o clube do Principado voltasse a conquistar a liga francesa após um pequeno jejum de seis anos.
Naquela campanha em que os monegascos terminaram seis pontos à frente do Bordeaux, Hateley marcou 14 gols em 28 partidas e foi o terceiro colocado na classificação dos artilheiros, liderada por Jean-Pierre Papin, do Olympique de Marselha. Nas duas temporadas seguintes, porém, as seguidas lesões juntamente com o aumento da concorrência no ataque fizeram com que o inglês passasse a atuar e marcar menos pela liga: foram 18 jogos e seis gols em 1988/89 e apenas 13 jogos e dois gols em 1989/90, sua última campanha pelo clube.
Em julho de 1990, ele trocaria o Principado por Glasgow para viver o período mais vitorioso da carreira defendendo o Rangers. Com os Teddy Bears, conquistaria cinco Campeonatos Escoceses seguidos, além de várias copas nacionais, formando dupla de ataque letal com Ally McCoist. No fim de 1995, voltaria a atuar no futebol inglês após 11 anos juntando-se ao Queens Park Rangers. Passaria ainda pelo Leeds e voltaria ao Rangers (mais uma vez campeão escocês), antes de defender o Hull e o Ross County, onde penduraria as chuteiras.
(Monaco 1987-90)
Meia-armador de técnica refinada, ótimo passe e visão de jogo e excelente cobrador de faltas, Hoddle foi um jogador muito discutido no futebol inglês dos anos 1980. Tido como imprescindível para a seleção com seu talento por uns, era contestado por outros que atribuíam a ele uma certa falta de garra – e entre esses “outros” muitas vezes estiveram os técnicos dos Three Lions. Michel Platini, porém, não tinha dúvidas: “Se fosse francês, Hoddle teria 150 partidas pelos Bleus”. Não à toa a França acabaria sendo seu destino em julho de 1987.
Depois de 12 temporadas no time principal do Tottenham (clube pelo qual torcia e onde havia se formado na base), com 490 jogos, 110 gols e os títulos da FA Cup de 1981 e 1982 e da Copa da Uefa de 1984, ele aceitaria a proposta do Monaco. E já em sua primeira temporada, a de 1987/88, ele conduziria os monegascos ao título da liga, derrubando a hegemonia do Bordeaux, vencedor de três das quatro edições anteriores do torneio. O meia ainda seria eleito o melhor estrangeiro do campeonato, reforçando seu status dentro do clube.
Hoddle era o jogador ao redor do qual aquele Monaco dirigido pelo ascendente Arsène Wenger estava formado. Era o condutor das jogadas, o maestro do meio-campo. O goleiro Jean-Luc Ettori, capitão da equipe, declarou anos depois sobre a passagem do inglês pelo clube do principado: “Para nós, Glenn era ‘le bon dieu’ – ele era um deus. Não há mais nada a dizer”. Na temporada seguinte à do título, ele teria desempenho individual ainda melhor: seria o artilheiro da equipe na liga com 18 gols em 32 jogos, marca expressiva para um meia.
Porém, uma grave lesão de joelho sofrida no início da temporada 1989/90 prejudicaria o restante de sua carreira no Principado. Ele entraria em campo apenas três vezes naquela campanha (com um gol marcado) e perderia também o início da seguinte, 1990/91. Sem conseguir se recuperar, ele deixaria o Monaco com rescisão amigável de contrato ainda em novembro de 1990 e voltaria à Inglaterra. Teria uma primeira passagem pelo Chelsea, na qual não chegou a jogar, antes de se juntar ao modesto Swindon Town como jogador-técnico.
Depois de conduzir o Swindon à elite pela primeira vez na história em 1993, ele voltaria ao Chelsea para exercer a mesma função de jogador-técnico, até pendurar as chuteiras em 1995, passando a se dedicar apenas a dirigir o time. No ano seguinte, seria chamado para comandar a seleção da Inglaterra, classificando-a para a Copa de 1998 e participando da competição na França. Ficaria no posto até 1999, antes de ter outras experiências bissextas como técnico no Southampton, no Tottenham e no Wolverhampton, até 2006.
(Paris Saint Germain, 1987)
Meia organizador revelado pelo Chelsea e que se destacou pelo Manchester United na primeira metade dos anos 1980, Wilkins disputou as Copas de 1982 e 1986 pela Inglaterra e seguiu para o Milan junto com Hateley em 1984. E como o centroavante, também ficaria até 1987 e seguiria do Calcio para o futebol francês, mas para outro clube, o Paris Saint-Germain. Sua passagem, porém, seria bem mais curta e discreta: sem se adaptar, ele ficaria no clube por apenas quatro meses, entrando em campo em somente uma dezena de partidas.
Com os parisienses em mau momento em meio ao desmonte do elenco que levantara o título francês na temporada 1985/86, Wilkins disputava uma das duas vagas de estrangeiros no time com o iugoslavo Safet Sušić e o argentino Gabriel Calderón, mas sequer chegou a virar o ano no PSG, saindo em novembro de 1987 para o Rangers. Em 1989, ele retornaria à Inglaterra para defender o Queens Park Rangers, clube no qual, entre novembro de 1994 e setembro de 1996, chegaria a acumular os postos de jogador e treinador.
Wilkins ainda teria passagem por outros clubes pequenos da Inglaterra e pelo escocês Hibernian antes de pendurar as chuteiras aos 40 anos, em 1997, e passar a trabalhar só como treinador, integrando por muitos anos a comissão técnica do Chelsea – chegou a comandar o time principal como interino após a demissão de Luiz Felipe Scolari – e da seleção inglesa sub-21. Em abril de 2018, ele faleceria aos 61 anos, vitimado por um ataque cardíaco.
(Bordeaux, 1988-89)
Nascido em uma família de jogadores, Allen foi um centroavante que rodou especialmente pelos times londrinos. Defendeu nada menos que sete clubes da capital: Queens Park Rangers, Arsenal, Crystal Palace, Tottenham, Chelsea, West Ham e Millwall. Pelos Gunners, sua curta passagem em 1980 foi anedótica: contratado do QPR pelo valor recorde pago por um jogador sub-20 e trocado logo em seguida com o Palace ainda na mesma pré-temporada, antes que pudesse fazer uma partida oficial pelo então clube de Highbury.
Seus melhores momentos foram vividos no Queens Park Rangers e no Tottenham. No primeiro, chegou à final da FA Cup em 1982 (perdida exatamente para os Spurs) e levou a equipe à quinta colocação na elite em 1984, após ter conquistado o acesso na temporada anterior. Ainda naquele ano ele se transferiria ao Tottenham, pelo qual, em 1986/87, marcaria expressivos 33 gols em 39 jogos (e 49 tentos na soma das competições), sagrando-se artilheiro da liga e eleito o jogador do ano tanto pela Associação de Jogadores quanto pela imprensa.
Em maio de 1988, ele seria vendido ao Bordeaux por um milhão de libras em um contrato de três anos, mas ficaria só uma temporada. Nela, enfrentou dois problemas: o limite de estrangeiros, que o fazia disputar espaço com o meia belga Enzo Scifo e o lateral iugoslavo Zoran Vujovic (e mais tarde, também com o dinamarquês Jesper Olsen), e a cirurgia de apendicite a qual teve de se submeter em novembro e que o tirou de parte da temporada. Mas apesar de atuar em apenas 19 partidas (metade do total), foi o artilheiro do time com 13 gols.
Na época, os Girondins começavam a passar por dificuldades financeiras depois da gastança de temporadas anteriores, o que também prejudicou o desempenho de toda a equipe. Mas na reta final daquela temporada 1988/89, Allen ensaiou boa dupla com um atacante que logo cruzaria o Canal da Mancha para fazer história no futebol inglês: Eric Cantona, que defendia o Bordeaux por empréstimo de seis meses, vindo do Olympique de Marselha. Ao fim da campanha, Clive Allen acertou sua volta à Inglaterra para defender o Manchester City.
O atacante, que fez cinco jogos pela seleção inglesa entre 1984 e 1988, encerraria a carreira em 1995, após defender o Carlisle United.
(Olympique de Marselha, 1989-92)
Ponteiro veloz, de drible insinuante e qualidade técnica inquestionável surgido no Newcastle no início dos anos 1980, Waddle foi, junto com Hoddle (seu colega de Tottenham por dois anos), um dos ingleses a deixar a melhor impressão no futebol francês. De fato, “Magic Chris” marcou época no timaço do Olympique de Marselha, para onde se transferiu vindo dos Spurs em julho de 1989 por 4,5 milhões de libras – valor que o colocava naquele momento como o terceiro jogador mais caro do mundo. E ele retribuiria com um futebol estonteante.
Waddle conquistou o título da liga nas três temporadas em que esteve em Marselha, marcando 22 gols em 107 jogos pela competição e contribuindo com vários passes e jogadas pelas pontas. E embora não tenha participado da conquista da Copa dos Campeões, vencida pelo clube logo na temporada seguinte à sua saída, deixou seu nome marcado na história do clube na competição em outras jornadas memoráveis. A maior delas diante do então bicampeão Milan de Arrigo Sacchi no confronto pelas quartas de final da edição de 1990/91.
Na ida, no San Siro, Waddle já assombrara a defesa rossonera e fizera o passe para Jean-Pierre Papin decretar o empate em 1 a 1 que carregariam para a volta, no Vélodrome. Duas semanas depois, em 20 de março de 1991, ele seria o nome do jogo: depois de um drible seco que deixou Paolo Maldini sentado e de um giro com lençol sensacional sobre Franco Baresi, ele apareceria aos 30 minutos da etapa final para escorar com um chute de primeira a bola ajeitada por Papin e anotar o único gol da partida, que teria fim tumultuado.
Perto do fim do jogo, depois que Waddle havia feito fila na defesa milanista, mas não conseguiu finalizar após driblar até o goleiro Sebastiano Rossi, uma das torres de refletores do Vélodrome se apagou, interrompendo a partida. Quando o árbitro se decidiu pelo reinício, o Milan se recusou a jogar os minutos restantes e acabou punido pela Uefa. O Olympique – que no ano anterior caíra nas semifinais do torneio por um gol de mão do benfiquista Vata Garcia – desta vez alcançaria a final, mas perderia nos pênaltis para o Estrela Vermelha.
O ponteiro, que no ano anterior havia sido um dos jogadores a desperdiçarem sua penalidade na partida contra a Alemanha Ocidental que valeu a eliminação da Inglaterra nas semifinais da Copa do Mundo da Itália, desta vez não bateu. Mas o fato de não ter conseguido conquistar a principal competição europeia não o impediu de ser apontado o segundo melhor jogador do OM no século, atrás apenas de Papin, em eleição realizada no centenário do clube, em 1998. Waddle deixaria o Olympique em julho de 1992, rumo ao Sheffield Wednesday.
Nos Owls, ele viveria outro bom momento em suas primeiras temporadas e ficaria no clube até 1996, quando começou a rodar por várias equipes menores e amadoras. Integrante da seleção inglesa nas Copas de 1986 e 1990 e na Eurocopa de 1988, ele foi praticamente ignorado ao longo do ciclo do técnico Graham Taylor (entre os Mundiais de 1990 e 1994), causando estranhamento no país justamente quando mais brilhava em Marselha.
(Olympique de Marselha, 1991-92)
Meia-direita revelado pelo Burnley, Trevor Steven participou da última grande geração vencedora do Everton (campeão inglês em 1985 e 1987, da FA Cup em 1984 e da Recopa europeia em 1985) e seguiu para o Rangers em 1989, quando o clube escocês se tornara ponto de atração para jogadores ingleses pós-Heysel. Mas, empolgado com o ótimo desempenho de Chris Waddle, o Olympique de Marselha não se importou em pagar mais de cinco milhões de libras (valor recorde por um inglês) para contratá-lo em agosto de 1991.
Quatro meses depois de sua contratação, porém, era noticiado que o clube enfrentava problemas financeiros e precisaria se desfazer de alguns jogadores – entre os quais o próprio Steven, cotado para retornar ao Rangers. A eliminação precoce na Copa dos Campeões daquela temporada, em que o OM caiu para o Sparta Praga nos gols fora de casa antes de chegar à rentável fase de grupos, ajudou a agravar a má situação econômica. Mas a única campanha do inglês em Marselha seria bastante digna, ajudando na conquista do tetra francês.
Ao todo, Trevor Steven disputou 28 partidas pela liga (27 delas como titular), fez três gols e várias assistências na campanha em que o clube superou o Monaco por seis pontos e ostentou o ataque mais positivo e a defesa menos vazada. Mas quando ele já havia se ambientado ao clube e ao idioma depois de um começo difícil, sua saída foi confirmada em julho de 1992, pouco depois de sua volta da disputa da Eurocopa na Suécia com a seleção inglesa. Num negócio de ocasião, ele seria revendido ao Rangers por £2,2 milhões.
Steven, que atuou 36 vezes pela seleção inglesa, disputando ainda as Copas do Mundo de 1986 e 1990 e a Eurocopa de 1988, penduraria as chuteiras no clube de Ibrox, em 1997, depois de sua segunda passagem pelos Teddy Bears ter sido minada por lesões.
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