Reserva para 15? Sobre o aumento do número de vagas no STF – Migalhas

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sexta-feira, 11 de novembro de 2022
MIGALHAS DE PESO
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sexta-feira, 11 de novembro de 2022
Atualizado às 13:23
A renovação do Senado após as eleições gerais de 2022 parece ter reacendido os holofotes sobre as propostas que visam reformar o art. 101 da CF/88 para elevar o número de Ministros do STF de onze para quinze. Neste artigo, pretendo expor brevemente os benefícios e malefícios que podem advir dessa proposição, apresentando tanto razões favoráveis como contrárias à sua implementação. Uma análise assim é relevante, pois, sejam quais forem os posicionamentos pessoais do leitor, será necessário que tenha instrumentos racionais para conseguir defendê-los.
Em primeiro lugar, vale mencionar a evolução histórica do tema. O STF nem sempre teve onze Ministros. Desde a criação da Corte, com a CF/91, o número de vagas mudou algumas vezes. Em 1891, o Tribunal foi inaugurado com quinze membros (art. 56 da CF/91). Por força do art. 73 da CF/34, esse número caiu para onze, mas o §1º do mesmo artigo admitia sua elevação até dezesseis. A disposição foi mantida no art. 97 da CF/37 e art. 98 da CF/46. Quase duas décadas depois, com o Ato Institucional 2 de 1965, a quantidade de cadeiras foi elevada a dezesseis. O art. 113 da CF/67 repetiu esse número, mas a regra durou pouco: em 1969, por meio do Ato Institucional 6, os juízes voltaram a ser onze1. Reafirmado pelo art. 101 da CF/88, a composição manteve esse tamanho até hoje.
O saldo disso é que o Tribunal existiu a maior parte do tempo (aproximadamente 84 anos) com a disposição atual, estando as composições diversas – de quinze e dezesseis – concentradas no primeiro período constitucional da República (1891 – 1934) e fração do regime militar (1965 – 1969). Mas isso pouco significa, uma vez que a competência jurisdicional e realidade processual não se mantiveram inertes ao longo da história. E é sobre elas que incidem os dados mais relevantes.
Em qualquer órgão público, um dos fundamentos do tamanho do corpo de servidores vem da amplitude do trabalho a ser realizado. Assim como um prédio não pode ser erguido por um homem só, não existe juiz capaz de decidir sozinho todos os casos enviados à Corte. Quando idealizado, o Supremo Tribunal Federal pretendia ser um órgão semelhante à Supreme Court of the United States, que julga pouquíssimos casos por ano. De fato, ainda que relevante, a atuação do Supremo nos séculos passados era quantitativamente menor do que aquela das décadas contemporâneas. Isso pode ter causa tanto pelo aumento populacional e subsequente litigiosidade como pelo amplo leque de competências delegado ao Tribunal pela CF/88. Hoje, o volume é colossal: só nos últimos seis anos (2016 – 2017), o STF recebeu 541.261 processos.
Atente-se, porém, que esse dado não deve ser analisado isoladamente. Com a passagem dos anos, o sistema processual mudou, havendo avanços tanto em aspectos burocráticos, graças à digitalização dos autos, como normativos, com as súmulas vinculantes, julgamento de recursos repetitivos etc. Ou seja, há vários fatores que fundamentam a ideia de um ganho de celeridade na atuação do STF. Por isso, deve-se verificar se a quantidade de processos baixados pelo Supremo acompanha a autuação total. Pelo que se extrai do Relatório da Gestão de 2021 do STF (BRASIL, 2022, p. 103 e ss.), ao menos no período de 2016 a 2021, o acervo processual geral (processos pendentes) caiu de 57.995 para 24.082 (com 74% autuados em 2021). Comparando ano a ano, o resultado indica uma taxa de produtividade (processos baixados sobre recebidos) sutilmente acima de 100%, isto é, mais processos julgados que recebidos. Em termos simplificados, pelo menos no período recente, o STF tem sim conseguido fazer frente à quantidade2 de demandas que lhe são apresentadas.
A partir dessa via, a ampliação do número de vagas poderia ser vista como desnecessária.
Mas não inútil. Mesmo que se argumente que o Tribunal consegue lidar bem com seu altíssimo volume de processos, há de se concordar que um corpo maior de juízes poderia acelerar a prestação jurisdicional, uma vez que a carga seria dividida entre mais operadores.
Por outro lado, um número maior de magistrados também elevaria a quantidade de votos a serem colhidos nos julgamentos colegiados. Certos litígios, é sabido, levam anos para serem decididos. Como o modelo decisório do Tribunal é seriatim – no qual se colhem os votos de cada julgador para só então dar o veredicto – a decisão só seria efetivada após todos os Ministros – inclusive os novatos – se pronunciassem. Além disso, nos processos em curso, a entrada de mais julgadores poderia causar imbróglios na computação dos votos. Considere-se, nesse cenário, o aumento potencial de pedidos de vista, tempo de discussão e, a depender da velocidade dos relatores empossados, tempo para colocação de um caso em pauta.
Ao que parece, portanto, o princípio da celeridade processual poderia sofrer tanto avanços como retrocessos com as novas cadeiras. O aprofundamento da discussão exigiria, assim, a participação de processualistas e constitucionalistas munidos tanto de dados estatísticos como práticos – os quais não disponho no momento. De todo modo, a fim de apresentar o restante dos argumentos, assumirei, por mera hipótese, que os benefícios superam os malefícios e que o aumento do número de vagas é desejável.
Pois bem. Como ele deveria, então, ser efetivado?
A forma de ingresso no STF se dá pela indicação presidencial seguida da chancela senatorial. Note-se que ambas as ações dependem de agentes eleitos, que representam vontades sazonais e periodicamente sofrem a rotatividade inerente aos seus cargos. Os juízes do STF, por sua vez, não. Como magistrados, gozam da vitaliciedade (art. 95, I da CF/88), podendo ficar no cargo até a aposentadoria por idade (LC n. 152/15). A despeito disso, a abertura dessas novas vagas necessariamente recairia à escolha dos governantes da época. Se for verdade que interesses eleitorais, ideológicos e até privados incidem nessas seleções (v. CHILELLI, 2022, p. 95 – 120), então é razoável pensar que os sucessores do presidente e senadores seriam contrários às nomeações feitas pelo governo anterior aos seus mandatos. Aliás, uma crítica à ampliação de assentos em 1965 foi justamente a tentativa de “empacotamento da corte” pelo governo militar (sobre isso, v. RECONDO, 2018, p. 111 e ss.).
Esse problema é ainda mais saliente quando se pensa em extremos próprios do processo eleitoral. Dou três exemplos: 1. um presidente sem apoio popular em seu primeiro mandato aproveita-se da ampliação de vagas para indicar vários Ministros, sendo, depois, derrotado na tentativa de reeleição; 2. senadores derrotados em eleição aprovam uma PEC e confirmam a indicação dos novos Ministros antes da posse dos sucessores (i.e., nos meses de outubro a dezembro do quarto ano da legislatura); e, semelhantemente, 3. um presidente realiza as indicações aos assentos criados meses antes do final do seu segundo mandato, retirando tal oportunidade do futuro presidente.
O último exemplo, por sinal, tem base histórica. Em 1801, nos EUA, o presidente John Adams indicou diversos juízes federais nos últimos dias do seu mandato, antes da entrada do seu adversário-eleito, Thomas Jefferson. Esses magistrados ficaram conhecidos como “midnight judges” justamente pela proximidade de seus apontamentos à entrada de um novo mandatário no cargo (para detalhes, v. TURNER, K., 1961).
Há, todavia, alternativas. É certo que as Emendas Constitucionais possuem vigência imediata, de modo que uma retificação no art. 101 ensejaria a seleção dos magistrados assim que publicada no DOU. Mas a própria norma pode estabelecer uma vacatio legis para adiar sua eficácia. Nesse ponto, também existe um instrumento para manejar as normas constitucionais no tempo: o ADCT. A partir dele, uma emenda que alterasse a quantidade de membros no STF poderia ser programada visando uma implementação estratégica.
A implementação dos novos cargos, portanto, teria como ocorrer tanto de forma concentrada como escalonada. Isso quer dizer que as escolhas poderiam ser todas delegadas ao próximo governo, em deferência à eleição mais próxima, ou realizadas gradualmente em cada uma das legislaturas vindouras, distribuindo equanimemente o poder dos governos seguintes (sobre isso, v. PRADO e TÜRNER, C., p. 62 e ss.). Caso o prazo para essas escolhas prejudicasse de alguma forma a prestação jurisdicional do Supremo, bastaria que fosse feita a convocação de juízes de outros órgãos para compor a Corte até que o calendário de transição fosse concluído.
O Legislativo, vale registrar, tem demonstrado interesse na ampliação. Na última década, três PEC (de números 3/13, 275/13, 449/14) dispuseram sobre o tema, todas tendentes ao número de quinze cadeiras3. Nenhuma delas, contudo, se preocupou com qualquer espécie de transição.
Independentemente disso, mesmo uma transição bem estruturada poderia ser negativa sob a ótica de que todos os governantes eleitos ganhariam ao menos uma indicação certa ao STF – e essa certeza poderia ser usada por candidatos ao Senado e Presidência como moeda eleitoral. Contra isso, só se poderia opor uma reforma no próprio método de seleção ao Tribunal Constitucional – assunto que remeto a outra oportunidade.
Afinal, o Supremo Tribunal Federal deve ser reservado para onze, quinze ou mais Ministros? Se tratada de forma objetiva, a questão levanta argumentos com diferentes vertentes – e todos merecem reflexão. Porém, creio que existe um fato certo: ignorar essa discussão é permitir que uma decisão futura seja tomada de forma banal. E, convenhamos, decidir quantos assentos deve ter a Corte Constitucional não é, nem de longe, o mesmo que marcar uma reserva num restaurante.
———————–
1 Isso ocorreu pela supressão das três vagas dos Min. Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva, aposentados compulsoriamente pelo AI n. 5, e das duas vagas dos Min. Gonçalves de Oliveira e Lafayette de Andrade, aposentados voluntariamente em reação à saída dos colegas. 
2 Mas que se registre que quantidade não é qualidade. Podem ser levantadas diversas críticas quanto à forma por meio da qual o STF decide, como, por exemplo, a maior incidência de decisões monocráticas em detrimento das colegiadas. No intervalo estudado (2016 – 2021), 590.790 decisões foram monocráticas em face de 93.283 colegiadas (BRASIL, 2022, p. 98 e ss.). Ou seja, 86% das decisões foram individuais.
3 A título de curiosidade, registre-se que, no âmbito acadêmico, há propostas na direção contrária, pretendendo a redução para nove Ministros (v. OLIVEIRA NETO e SOUZA, 2020).
BRASIL, Supremo Tribunal Federal (STF). Relatório de gestão 2021 [recurso eletrônico]. Brasília, Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, 2022. Modo de acesso: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoCatalogoProdutoConteudoTextual/anexo/RelatorioAtividadesSTF2021.pdf (acesso em 05.11.2022).
CHILELLI, Victor Magarian. A Seleção dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2022.
JALORETTO, Maria Fernanda; MUELLER, Bernardo Pinheiro Machado. O procedimento de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal: análise empírica. In Economic Analysis of Law Review, vol. 2, n. 1, p. 170 – 187. Universidade Católica de Brasília (UCB). Brasília: Universa, 2011.
OLIVEIRA NETO, Edilson dos Santos; SOUZA, Aldryn Amaral de. A reforma do Supremo Tribunal Federal. In Brazilian Journal of Development, vol. 6, n. 1, p. 4039 – 4049. Curitiba, 2020.
PRADO, Mariana; TÜRNER, Cláudia. A democracia e seu impacto nas nomeações das agências reguladoras e ministros do STF. In Revista de Direito Administrativo, n. 250, p. 27 – 74. Rio de Janeiro, 2009.
RECONDO, Felipe. Tanques e togas: o STF e a ditadura militar. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
TURNER, Kathryn,  Midnight Judges , 109 U. Pa. L. Rev. 494,  Pensilvânia, 1961. Disponível em: https://scholarship.law.upenn.edu/penn_law_review/vol109/iss4/2 (acesso em 01.11.2022).
VALÉRIO, Otávio L. S. A toga e a farda: o Supremo Tribunal Federal e o regime militar (1964 – 1969). Dissertação (mestrado em direito). Universidade de São Paulo (USP). Orientador: Prof. Dr. José Reinaldo de Lima Lopes. São Paulo, 2010.
Advogado. Bacharel (2019) e Mestre (2022) em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Foi pesquisador da pós-graduação pela CAPES (ênfase em Direito Constitucional).
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