Rogério Marinho: “Lula insiste na narrativa do eles contra nós” – VEJA
Ex-ministro do Desenvolvimento Regional durante o governo de Jair Bolsonaro, o senador eleito Rogério Marinho (PL-RN) tem se colocado como um dos principais porta-vozes da oposição em um momento de rearranjo de forças na política brasileira. Principal adversário de Rodrigo Pacheco nas eleições que serão realizadas para o comando da Casa no próximo dia 1º, Marinho lançou oficialmente sua candidatura no fim de semana, apoiado por quadros importantes do ex-governo. Em entrevista a VEJA, o senador eleito diz que não será uma “oposição intransigente”, mas vê sua eleição como fundamental para colocar um freio no que chama de “volúpia” do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Como o senhor analisa os primeiros dias de governo do presidente Lula? Temos sinais preocupantes sobre a agenda que o governo quer implantar no país nos próximos meses. Estamos receosos com a clara tentativa de desmonte do legado virtuoso que se implementou nos últimos seis anos, como a revisita à reforma da Previdência e mudanças na legislação trabalhista. Qualquer aperfeiçoamento a esses temas pode contar com a boa vontade de todos, mas o retrocesso não. Nós assistimos também o ministro da Fazenda ir a Davos e propor um boicote a todas as empresas brasileiras que não votaram na Presidente Lula. É uma coisa inimaginável. Você fica se perguntando onde esse pessoal está com a cabeça. Tem a questão do COAF, que é retirado do Banco Central, onde era blindado, para que se tivesse um controle técnico… Então, nós estamos vivendo tempos muito esquisitos e isso tudo gera muita inquietação entre todos aqueles que tem esse sentimento de que o Brasil pode e até deve ter alternâncias democráticas, mas ele não pode jogar contra um legado virtuoso como o promovido pelo presidente Bolsonaro.
Como assim? Nós estamos encerrando 2022 com 8% de desempregados, quando chegamos lá tínhamos mais de 11%. Nós estamos terminando um ano com uma inflação menor do que a Inglaterra, do que a França, do que a Alemanha, do que os Estados Unidos, um crescimento comparável com a China. Então, é um legado virtuoso e é importante que ele seja defendido. Em pouco mais de dois anos de novo marco regulatório das ferrovias, nós tivemos mais de 20 mil quilômetros contratados. Agora, o novo ministro disse que quer rever o marco. Acontece o mesmo com o marco do saneamento básico. Então, eu acredito que há um sentimento, e eu tenho percebido isso nas conversas com os meus pares, de angústia, de perplexidade, de muita desconfiança em relação à agenda que está sendo anunciada por esse governo. Fora isso, há um bate cabeça evidente entre ministros e o próprio presidente da República.
O senhor tem conversado com o ex-presidente Bolsonaro? Eu estive com ele um pouco antes do Natal e conversamos por telefone um pouco antes do Ano Novo. De lá pra cá, eu não tenho tido mais contato com o presidente.
Muitos apoiadores pensam que ele deveria ter ficado no país para fazer uma oposição mais contundente ao presidente Lula… A ida dele aos Estados Unidos foi uma decisão pessoal do presidente. Como qualquer ser humano, ele tem o direito de descansar, de se reoxigenar, em função dos quatro anos muito intensos que passou aqui. Mais do que nunca nós precisamos ter no Brasil uma oposição construtiva e vigilante, que ao mesmo tempo defenda o legado do último governo e aponte um caminho diferente para que a população possa fazer juízo de valor.
O senhor acha que Bolsonaro errou ao não reconhecer a vitória do presidente Lula ou, ainda, que ele poderia ter sido mais atuante em relação aos acampamentos de apoiadores em Brasília? Eu não posso julgar as ações do presidente Bolsonaro. Ele tem as razões dele. Agora, é evidente que nós estamos passando por um momento que é muito preocupante no cenário político do país. O que ocorreu no dia 8 de Janeiro é reprovável, condenável, e nós repudiamos veementemente. Não é dessa forma que a oposição deve se manifestar. A barbárie, o vandalismo, a depredação e a interferência no direito de ir e vir das pessoas têm de ser punidos exemplarmente. Tem que se identificar e individualizar os crimes que, porventura, tenham sido cometidos e responsabilizar os verdadeiros culpados. Mas, o que nós não podemos aceitar é que esse episódio sirva como cortina de fumaça para permitir que todos encaremos como normal o fato de que quem se contrapõe a esse governo seja taxado e rotulado de nazista, de terrorista e de extremista. Ora, as pessoas têm o direito de ter uma opinião e uma visão diferente do mundo e do país.
Como a candidatura do senhor à presidência do Senado foi desenhada? Eu não esperava ser candidato à presidência do Senado, porque eu acreditava na vitória do presidente Bolsonaro na eleição. Ocorre que dentro das discussões internas meu nome surgiu, lançado por outros companheiros, e foi levado para senadores de outros partidos como uma candidatura em defesa da instituição, para restaurar e defender as prerrogativas do Senado e do Congresso Nacional, uma candidatura que tem a preocupação de fazer com que o Senado volte a ter sintonia com o sentimento da sociedade brasileira. Nós tivemos, em 2022, em torno de cinco reuniões da CCJ, a comissão mais importante do Senado. Essa falta de produtividade da CCJ impactou diretamente o trabalho das comissões temáticas e fez com que a qualidade da produção legislativa fosse muito ruim, porque os projetos todos terminaram sendo votados açodadamente no plenário com os pareceres sendo feitos ali na hora, sem nenhum cuidado maior. Hoje, eu tenho a convicção de que a recondução do senador Rodrigo Pacheco, por mais respeitável que seja a sua candidatura, vai significar a continuação dessa situação. Repetir a mesma fórmula e esperar resultados diferentes não me parece racional. Por isso, nós estamos propondo uma mudança de comportamento, uma mudança de postura, uma mudança de atitude do Senado.
Quais são as principais pautas que o senhor pretende colocar para votação caso seja eleito à presidência do Senado? A nossa principal prioridade é a de sermos um ator importante para tentar restaurar a normalidade democrática, o Estado de direito e a Constituição como a nossa bússola e guia. Essa é a principal ação que vamos empreender. Vamos defender intransigentemente a inviolabilidade dos mandatos, a liberdade de opinião e de expressão, o direito à divergência. Nós temos uma preocupação muito grande com esses valores. Hoje, a democracia vem sendo utilizada por alguns como pretexto para atacar a própria democracia no que ela tem de mais sagrado, que é a liberdade de expressão. Vou defender também o legado econômico que foi construído ao longo dos últimos seis anos em contraponto ao desastre, aos equívocos, ao corporativismo e à corrupção que existiam no país até meados de 2016, quando o PT saiu do poder. Esse legado permitiu com que o Brasil passasse de um cenário de caos econômico e desastre social para um país que se recupera diante do quadro de pandemia e de guerra em situações muito melhores do que os nossos países irmãos.
O que seria esse legado? Nós nos preocupamos muito com a forma pela qual o atual presidente criminaliza a principal atividade econômica do Brasil, que é o agronegócio, e também quando ele repete conceitos infantis sobre a atividade econômica e empresarial, não apenas em relação à macroeconomia e autonomia do Banco Central, como quando fala que a produção e o crescimento econômico se dá apenas pelo trabalho das pessoas que são remuneradas e não pelos empreendedores, uma clara tentativa de dividir o país entre nós e eles que permanecesse na cabeça do atual mandatário, inclusive contrariando o senso comum.
O senhor pensa em pautar o impeachment de ministros do STF? Esta possibilidade deve ser o último instrumento, o mais extremo. Se isso acontecer significa que as instituições não conseguiram estabelecer o diálogo que é tão desejável no processo democrático. Nós acreditamos que não há essa necessidade. Agora, é evidente que são ações institucionais e não de um individuo. Está na hora de restabelecermos a normalidade democrática. Para isso, nós vamos conclamar os nossos pares para que juntos, como instituição, possamos nos sentar numa mesa e tratarmos do espaço necessários para que isso aconteça. Quem vai ganhar com isso é a sociedade brasileira. Por exemplo, é inadmissível que num país como o nosso, nós tenhamos parlamentares amordaçados, impedidos de se manifestarem, de terem a plenitude dos seus mandatos por uma censura prévia. Uma democracia não pode viver a mercê e em função da condição do arbítrio de um cidadão ou mais, por mais respeitáveis que eles sejam. Nós precisamos urgentemente restabelecer esta normalidade e eu acredito no diálogo, no respeito às instituições e na democracia.
Como será o diálogo do Senado com o governo caso o senhor assuma o comando da Casa? Nós não seremos uma oposição intransigente, uma oposição contra qualquer ação do governo. Se o governo tiver o interesse, por exemplo, de promover uma reforma tributária, nós estaremos dispostos a nos debruçarmos sobre ela, sem abrir mão da nossa condição e da nossa prerrogativa de aperfeiçoarmos os textos e de colocamos a nossa visão. Nós não estamos nos colocando como obstáculo para a governabilidade de quem quer que seja, mas sim como um contraponto, como um moderador dessa volúpia que o atual governo está demonstrando com a tentativa de desmontar esse legado virtuoso dos últimos seis anos pelo bem do país. Acreditamos que é necessário que haja um equilíbrio, um contrapeso e uma moderação a esse governo.
Qual a justificativa que o senhor daria para a vitória de Lula sobre o Bolsonaro com ampla margem no Nordeste, região pela qual o senhor trabalhou nos últimos anos como ministro do Desenvolvimento Regional? No Brasil, a narrativa muitas vezes se sobrepõe à realidade. E há uma narrativa recorrente que está no imaginário da população mais fragilizada do ponto de vista econômico no nordeste brasileiro de que Lula é “o pai dos pobres”, que é alguém que se incomodou com as pessoas mais humildes, até dentro daquela visão antiga do Adhemar de Barros: “Rouba, mas faz”… Mesmo com toda a pecha de corrupção, de processos que foram respondidos, de desmonte da administração pública, de corrupção na Petrobras, ficou muito forte na população mais humilde de que Lula é alguém que se incomoda com eles. Um dos grandes desafios de quem está na oposição hoje é nos contrapormos à essa narrativa de que o novo governo pegou o país em um estado de terra arrasada, que foi a mesma narrativa que eles usaram quando assumiram após derrotar o Fernando Henrique Cardoso.
Alguns aliados do senhor e do ex-presidente Bolsonaro estão fazendo campanha direta nas redes sociais de seus pares, inclusive com discursos de ameaça e intimidação. Como é que o senhor vê esse tipo de atitude? Eu estou na vida pública há quase 40 anos. Já fui secretário, vereador e ministro da República. Quem está na vida pública normalmente sofre pressão. Eu, por ocasião da reforma trabalhista, sofri pressão em todos os locais que fui. Tive situações complicadas. Mas não estimulo nem apoio manifestações no sentido de constranger, de intimidar e de insultar a quem quer que seja. Não é assim que a gente convence as pessoas. Agora, ao mesmo tempo, não podemos impedir que os eleitores cobrem de seus representantes uma predileção entre os candidatos. Isso é normal no processo democrático. Eu não induzi, nem estimulei essas manifestações. Espero que haja civilidade na abordagem e que ela não seja excessiva, pois acho que quando se agride e constrange, o efeito causado tende a ser o oposto.
Como o senhor vê a tentativa do PT de promover mudanças na Lei das Estatais para facilitar a acomodação de suas lideranças nas companhias públicas? Eu acredito que qualquer tentativa no sentido de desmontar o que foi feito e que deu resultados positivos vai contar com a nossa resistência. Em 2015, último ano de Dilma na presidência, as estatais brasileiras deram prejuízo de mais de 30 bilhões de reais. Para 2022, a nossa perspectiva é terminar com mais de 250 bilhões de reais de lucro. Isso se dá graças a uma profissionalização na contratação dos principais executivos graças à Lei das Estatais. O Bolsonaro impediu que as vice-presidências dos bancos públicos fossem ocupadas por indicação política e nós temos resultados maravilhosos para mostrar o acerto dessa decisão. Portanto, nós vemos com muita preocupação o que esse governo tem tentado promover de mudanças. Eu não tenho dúvida de que não votarei pela diminuição do tempo da quarentena e bem como os outros critérios que permitem que haja profissionalização na gestão dessas empresas, até porque boa parte delas deveriam ser privatizadas.
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