Supremo Tribunal Federal não vai julgar fim da demissão sem justa causa – Consultor Jurídico

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Por Tiago Angelo
O Supremo Tribunal Federal pode retomar neste ano a análise de um processo que se arrasta na corte há um quarto de século e que pode afetar indiretamente as relações entre empregados e empregadores. 
Trata-se da ADI 1.625, que questiona um decreto assinado em dezembro de 1996 pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, suspendendo a adesão do Brasil à Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que limita as demissões sem justa causa. 
Ou seja, diferentemente do que começou a ser dito no último mês, o Supremo não vai decidir se é ou não possível demitir sem justa causa. O que a corte decidirá é se o presidente da República pode cancelar, sem a anuência do Congresso Nacional, a adesão do país a uma convenção internacional. 
Além disso, segundo ministros do Supremo e especialistas em Direito Trabalhista consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, mesmo que o tribunal derrube o decreto de FHC, não haverá nenhum efeito prático imediato sobre as demissões sem justa causa. 
Isso porque a convenção precisaria ainda ser regulamentada por meio de uma lei complementar, o que exigiria maioria absoluta nas duas casas do Congresso (41 dos 81 senadores e 257 dos 513 deputados federais). 
'Alarde'
Ricardo Calcini
, professor de Direito do Trabalho na FMU, diz que não passa de "alarde" dizer que o Supremo vai barrar as dispensas sem justa causa. "O principal ponto discutido hoje, muito embora já há 25 anos, é a questão da denúncia do decreto presidencial. Ou seja, se é ilegal ou não esse tipo de ato praticado exclusivamente pelo presidente." 
Ele diz que, mesmo com eventual decisão do Supremo contra o decreto de FHC, e aprovação pelo Congresso da lei complementar, dificilmente haveria entraves às demissões sem justa causa, já que as empresas poderiam continuar alegando motivações de ordem técnica, financeira e contábil, por exemplo, para demitir empregados, bastando para isso o pagamento da multa de 40% do FGTS.
O advogado Carlos Eduardo Ambiel, doutor em Direito pela USP e professor de Direito do Trabalho da Faap, afirma que a convenção sequer proíbe dispensas sem justa causa, prevendo demissões por questões econômicas, tecnológicas e estruturais. Ou seja, que não envolvem necessariamente a atuação do empregado. 
Além disso, explica o especialista, a convenção só recomenda mecanismos para "minimizar" os efeitos das demissões, o que também é previsto na CLT quanto às dispensas coletivas. 
"Ademais, o texto da Convenção 158 da OIT sempre se reporta à necessidade de suas disposições estarem em conformidade e de serem implementadas através da legislação local. No caso do Brasil, já há previsão para quase tudo o que está na Convenção 158, como seguro-desemprego, indenização pela dispensa, aviso prévio e direito a questionar a dispensa motivada em tribunal", comenta Ambiel. 
De acordo com o professor, a única previsão que está na convenção e o Brasil ainda não utiliza é a que preceitua o direito à defesa prévia do empregado dispensado por sua "conduta ou desempenho". 
"Não parece que teremos qualquer mudança significativa daquilo que já existe atualmente, vez que nossa legislação já é extremamente protecionista e, em algumas disposições, até supera as sugestões da Convenção 158 da OIT", conclui Ambiel. 
Decisão em 2023?
Outro ponto que, na visão dos especialistas, não corresponde à verdade é a certeza de que o Supremo decidirá o caso já em 2023. A discussão sobre a retomada do julgamento começou depois que a corte aprovou alterações em seu regimento interno para limitar a 90 dias corridos o prazo para a devolução de novos pedidos de vista, e a 90 dias úteis a devolução de pedidos de vista feitos antes da alteração regimental.
Com isso, o ministro Gilmar Mendes, responsável pelo último pedido de vista no caso, terá de devolver a ADI para análise colegiada em até 90 dias úteis (cerca de cinco meses) a partir da publicação da resolução, que sequer entrou em vigência ainda.
O processo, no entanto, só volta a ser analisado quando colocado em pauta. Para isso não há um prazo fixo definido. Há ainda a possibilidade de novos pedidos de vista ou de destaque, o que, no último caso, faria a discussão recomeçar do zero, com data incerta para nova inclusão em pauta e julgamento. 
ADI 1.625
A ação foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), em 1997. O último andamento do processo no Plenário Virtual ocorreu em 3 de novembro do ano passado, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista. 
Há oito votos no caso e três entendimentos diferentes. Joaquim Barbosa, que já se aposentou, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski entenderam que o presidente da República não pode, sozinho, revogar o decreto sem a aprovação do Congresso. Assim, tirar o país da convenção da OIT seria inconstitucional. 
Maurício Corrêa e Ayres Britto, também aposentados, disseram que o decreto de FHC precisa ainda passar pelo Congresso antes que o Brasil deixe a convenção da OIT.
Para Dias Toffoli, Nelson Jobim (aposentado) e Teori Zavascki (morto em acidente aéreo em 2017), o decreto continua válido. Toffoli e Zavascki, no entanto, sustentaram que será preciso que o Congresso aprove decretos semelhantes em todos os outros casos futuros, a contar da definição do tema pelo Supremo. 
Faltam os votos de Gilmar Mendes, Nunes Marques e André Mendonça. 
Além da ADI, o Supremo discutirá o tema na ADC 39, ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e pela Confederação Nacional do Transporte (CNT). 
As entidades pedem que o tribunal declare constitucional o decreto de FHC. Nesse caso, há quatro votos, sendo três deles pela inconstitucionalidade do decreto.
ADI 1.625
ADC 39

 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 16 de janeiro de 2023, 18h23
3 comentários
Vítor Márcio Diniz (Advogado Sócio de Escritório – Empresarial)
18 de janeiro de 2023, 5h27
Você não deve conhecer a justiça do trabalho do Brasil.
Assim que o STF decidir pela invalidade do decreto, eles vão aplicar a OIT.
Vai começar aquele papo de sempre: “não pode haver retrocesso nos direitos do trabalhador”, “que a norma está ratificada no Brasil, então não precisa de LC”, “princípio da continuidade do vínculo de emprego” e, se nada mais funcionar tem o famoso “princípio da dignidade da pessoa humana”.
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Márcio Flávio Salem Vidigal (Juiz do Trabalho de 2ª. Instância)
17 de janeiro de 2023, 11h56
Deixo aqui, a título de comentários, texto que publiquei há alguns dias:
O STF e a inconstitucionalidade do Decreto 2.100 de 20/12/199

Márcio Flávio Salem Vidigal

Sócio da VIDIGAL ADVOGADOS. Advogado e Consultor de Direito Individual e Coletivo do Trabalho e Direito Sindical / Negociação Coletiva / Tribunais Superiores. Desembargador aposentado do TRT 3ª Região.
9 de janeiro de 2023
É sabido que o Brasil ratificou a Convenção 158 da OIT cujo art. 4º dispõe que não se dará término do contrato de trabalho a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.

Após ser ratificada, a Convenção foi denunciada pelo Decreto 2.100 de 20 de dezembro de 1996 pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso. A denúncia ensejou a arguição de inconstitucionalidade do Decreto (ADI 1625) sob vários fundamentos, entre os quais o da violação do art. 49, I, da Constituição da República, segundo o qual é da competência exclusiva do Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”, procedimento que não fora observado.

A ação vem se desenvolvendo há 25 anos e recentemente foi incluída em pauta para apreciação em outubro do ano passado (2021), sendo certo que alguns ministros já se pronunciaram a respeito. Na última Sessão Virtual do STF o Ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos, razão pela qual foi adiado o julgamento.

A recente inclusão da ADI em pauta trouxe novamente à tona os efeitos que poderão surgir da decisão a ser proferida pela Suprema Corte e fez nascer enorme controvérsia a respeito na comunidade jurídica, além do temor por parte do
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Eliel Karkles (Advogado Autônomo – Civil)
17 de janeiro de 2023, 9h11
Com este judiciário / $TF que está aí, qualquer coisa é possível, o que já se viu de julgamento assusta qualquer um e nem precisa ser do meio jurídico. É muita INGENUIDADE achar que de uma decisão desta não teria reflexo. Pode ser muito pior que se imagina. Questão de tempo!
Responder
Lacerda e Vale: “Pejotização” e desregulamentação do trabalho
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