Susana Coroado: "Tem havido falta de vontade política para regular a boa conduta ética" – Diário de Notícias

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Investigadora nas áreas da ética e conduta política, presidiu à Transparência Internacional Portugal. Ao DN, comenta as recentes saídas no governo, esperando que se tenham tirado ilações.
Susana Coroado é investigadora nas áreas da ética e regulação política.
© Reinaldo Rodrigues / Global Imagens
O que mostram estes “casos e casinhos”, como disse António Costa? O que fazem à imagem do governo?
Acho que estes últimos casos têm demonstrado uma desorientação maior, mas na realidade não é caso único. O que não tem havido nos últimos anos – se é que alguma vez houve – é uma definição daquilo que são ou não as condutas aceitáveis por parte de titulares de cargos políticos e públicos. E quando há essa falta de clarificação de quais são essas condutas para além da lei – que também já tem algumas lacunas – a situação vai-se degradando aos poucos. Não havendo essa orientação, cada um faz o que quer e os casos e a desorientação vão-se acumulando. E depois culmina nisto.
política. Entidade para a Transparência continua no papel e ainda sem direção
Foi anunciado há dias o mecanismo de verificação prévia com 36 perguntas. Não sendo um questionário público, isto pode, de certa forma, aumentar a desconfiança no processo todo? Ou pode servir de prova documental, para no futuro o primeiro-ministro dizer que não sabia o que se passava?
Em primeiro lugar, acho normal que não se tornem públicas respostas dos potenciais candidatos que não chegarem a ser nomeados. Isso parece-me perfeitamente normal. Cargos públicos têm sempre alguma perda de privacidade, mas se a pessoa não chegar a ter esse cargo público também não há necessidade de ter essa perda. O facto de ser público ou não… Bem, já temos as declarações de interesse e de património, que são públicas – embora de difícil acesso -, portanto, o mais importante é o que o governo vai fazer com essas respostas. Aquilo que temos visto não é tanto que tenha havido falta de informação: ou era pública ou alguém dentro do governo sabia dela. Ou há falta de coordenação em relação a essa informação ou então não há regras claras e linhas vermelhas por parte do governo sobre o que aceita ou não. Ter essa informação não vai adiantar muito só por si.
Mas resolve este problema em parte, não resolve?
Acho que é um primeiro passo. Podia ser mais institucionalizado ou menos, não me choca necessariamente que as respostas não sejam públicas. Acho até que é um exercício que o governo poderia ter feito sempre, mas de forma mais discreta. Agora também está a querer dar um sinal, parece-me normal. A partir de agora, a primeira responsabilidade é sempre das pessoas que têm de dar essa informação.
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Susana Coroado: “A partir de agora, a primeira responsabilidade é sempre das pessoas que têm de dar essa informação [no questionário de governantes.]”.”
© Reinaldo Rodrigues / Global Imagens

Alinhavada em 2019, a Entidade da Transparência não existe até hoje. O que é que acha que se poderia fazer nestes casos? Acha que seria uma possível solução?
Em primeiro lugar, era preciso que a Entidade da Transparência existisse. O Tribunal Constitucional disse que ia nomear – ou pelo menos dizer o nome das pessoas que iam estar à frente da entidade até ao final do ano passado. Até agora ainda não tivemos nota de nada. Claramente que não há vontade do Tribunal Constitucional em criá-la, mas lá está: já há aqui um nível de escrutínio, que são as incompatibilidades e impedimentos da lei. Na minha opinião, até temos incompatibilidades e impedimentos legais a mais. Mais do que os impedimentos à entrada nestes cargos, estamos a criar barreiras, a fazer com que haja cada vez menos possibilidades de determinadas profissões poderem aceder a cargos públicos. Mas, uma vez lá, já ninguém controla isso. Ou seja, já há impedimentos legais que, eventualmente, serão avaliados pela Entidade da Transparência, caso acabe por ser criada. Agora aquilo que é este sistema de vetting… Tem a ver com a ética ou com avaliações políticas, e isso uma entidade administrativa não pode fazer, não pode fazer um julgamento político.
E, mesmo assim, já temos códigos de conduta para deputados e governo. Portanto, a pergunta que se coloca é: sente que há falta de vontade política em apertar a malha, criando mais regras para garantir a boa conduta ética dos políticos?
Tem havido falta de vontade política, mas também foi por causa dessa falta de vontade política que a situação se degradou a este ponto. Acho que passámos pela fase de haver problemas, mas a resposta era: “Isto é legal. À justiça o que é da justiça e portanto isto é perfeitamente legal, a ética é a lei.” Mas depois passámos para a fase do: “A lei não pode ser interpretada de forma literal. Vamos aqui pedir pareceres que justifiquem esta situação, de que temos dúvidas que seja legal”, até termos o culminar com o caso da ex-secretária de Estado do Turismo, que jura a pés juntos que está tudo legal. Acho que essa postura é o culminar de uma cultura em que tudo é justificável, tudo é aceitável desde que se argumente bem. É óbvio que foi um tiro no pé. Não havia regras, só os interesses políticos do momento. Foi resultando, mas também foi degradando as condutas e as posturas, ao ponto de isto ter saído do controlo do governo e o governo não ter noção do impacto. Depois da degradação, espero que a vontade política se tenha virado e que se tenha percebido a importância das questões da boa conduta ética.

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