Thaís Oyama – A eleição de Lira e a capitulação de Lula: o centrão … – UOL Confere
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Thaís Oyama é comentarista política. Foi repórter, editora e redatora-chefe da revista VEJA, com passagens pela sucursal de Brasília da TV Globo, pelos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S Paulo, entre outros veículos. É autora de “Tormenta – O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos” (Companhia das Letras, 2020) e de “A arte de entrevistar bem” (Contexto, 2008).
Colunista do UOL
31/01/2023 11h53
Variam os graus de constrangimento, mas a resposta é sempre a mesma.
Perguntados sobre os motivos que fizeram o presidente Lula decidir apoiar para a presidência da Câmara o arquiduque do centrão, Arthur Lira (PP), lideranças petistas apontam dois fatores: o matemático e o “Eduardo Cunha”.
Segundo afirmam petistas em coro, o ex-presidente da Câmara que, em 2015, desafiado pelo PT e menosprezado por Dilma Rousseff terminou pedindo o impeachment da presidente, encarnaria o “erro que o PT não pode repetir”.
Em português claro: um presidente da República e seu partido não devem desafiar ou menosprezar um candidato à presidência da Câmara quando esse candidato tem chances de ganhar a eleição e pedir o seu impeachment.
O segundo fator, “matemático”, é de ordem igualmente pragmática.
Arthur Lira tem votos, e Lula, não.
O apelidado “consórcio do Arthur” — formado por parlamentares do seu partido, o PP, Republicanos e parte do PL— reúne cerca de 90 preciosos votos na Câmara, como provou o placar de votação da PEC da Transição. O PT e os partidos de esquerda têm não mais que 138 cadeiras na Casa —o que, sem o apoio de aliados, não chega nem para uma maioria simples.
Desse modo, não restaria ao nascente governo Lula outra saída que não dar as mãos ao diabo, que só não se reelegerá amanhã na hipótese de o mundo acabar.
A partir daí, a relação que promete se estabelecer entre o presidente da Câmara e o novo governo será a de um passeio sobre o fio da navalha.
Como nas primeiras negociações com o governo, Lira pediu alto (não menos que ministérios do porte da Saúde ou da Educação) e não levou, já se prevê que, assim que começar a mostrar serviço, pedirá aumento.
Esse aumento, na forma provável de apetitosos nacos do governo, não dispensará, no entanto, a necessidade de negociações avulsas a cada votação em que o “consórcio do Arthur” se fizer fundamental para Lula.
E a tensionar ainda mais a relação, há o fato de que, nos próximos dois anos, o governo vai trabalhar para construir um nome para suceder Arthur Lira e Arthur Lira fará precisamente o mesmo, com a diferença de que os dois nomes não serão coincidentes.
Será, enfim, um casamento infeliz, mas ninguém pode dizer que algum dia Lira prometeu a Lula amor de verdade. Apenas se dispôs a não esfaqueá-lo pelas costas em troca de ver atendidas as exigências de acomodação de seu grupo na máquina pública.
Eis o ethos do centrão, eis o que aguarda o presidente e o Brasil.
Lula elegeu-se com o discurso de uma frente política cujo esperado programa, comum e negociado, nunca viu a luz do dia. Na prática, dá a largada se propondo a seguir a tradição política nacional — a da cooptação em massa de partidos e políticos visando a sustentação de seu grupo no poder.
No governo da “frente ampla”, o centrão, mais uma vez, é o verso.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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