Independência do Brasil redesenhou política do tráfico negreiro – Jornal da USP – University of São Paulo

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O século 19 foi marcado pelo fim do regime de escravidão negra nas Américas. Apesar de os movimentos que levaram ao fim desse sistema terem ocorrido de diferentes maneiras internamente em cada território, existem relações históricas que demonstram uma conexão global por trás do colapso.
A tese de doutorado A Política da Escravidão na Era da Liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1787-1846 mostra que a proclamação da Independência brasileira, em 1822, por exemplo, afetou o sistema global por trás da escravidão negra. O estudo foi desenvolvido por Tâmis Peixoto Parron no Programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
O pesquisador falou ao Ciclo22 sobre como a separação política entre Brasil e Portugal repercutiu no comércio de pessoas escravizadas, como as elites do País agiram para impedir o fim do escravismo.
A Era das Revoluções na Europa, como ficou conhecido o espaço de tempo entre os anos de 1789 e 1848, compreende momentos históricos como a Revolução Francesa e a Revolução Industrial inglesa. Ao fim desse período, a Grã-Bretanha passou a representar o “centro da geopolítica mundial”, conforme definiu o pesquisador.
“A posição surgiu em parte para defender interesses próprios e dominar linhas globais de comércio e produção; em parte para gerir o próprio império dela; em parte por motivos filantrópicos por uma nova sensibilidade social que não aceitava a escravidão como uma instituição natural”, definiu Parron.
As alianças políticas estabelecidas entre Portugal e a Coroa britânica desde a Idade Média culminaram, no século 19, em pressão inglesa pelo fim do tráfico negreiro transatlântico para o Brasil. “Não porque os ingleses eram bons, nunca foram, mas porque havia interesses econômicos, materiais e sociais em jogo.”
Apesar das pressões, Portugal consegue manter o tráfico de escravizados africanos como um comércio interno do Império por um certo período. Com a proclamação da Independência brasileira o sistema já fragilizado, porém, vai se tornando insustentável.
A Independência trouxe uma nova configuração no espaço geográfico do qual o tráfico de pessoas escravizadas acontecia, segundo o pesquisador. Seu estudo analisou uma rota dentro do comércio de escravizados que incluiu Estados Unidos, Cuba e Brasil, conforme mostra a série de vídeos abaixo. O material foi produzido no ano em que o pesquisador concluiu o estudo. 
A escravidão brasileira, bancada pela escravidão americana, como demonstrou a tese de Parron, foi então impactada com a proclamação da Independência, em 1822, e o consumo de café produzido no Brasil pelo país americano nesse período, por exemplo, pode ajudar a entender a aceleração do processo de emancipação da escravatura, segundo o pesquisador. 
A  popularização do café nos Estados Unidos no século 19 resultou no aumento da demanda pelo produto. Esse aumento, aliado aos ideais de liberdade, aceleraram o movimento pela promoção da mão de obra livre em detrimento da mão de obra escravizada, de acordo com Parron.
“O desenvolvimento dos Estados Unidos é central para você entender essa história porque eles começam como um pequeno comprador de café do Brasil, no começo do século 19, e em meados do século eles já compram metade do café brasileiro. É um movimento de aumento exponencial”, afirmou.
Foi após a Independência também que elites brasileiras entenderam melhor o colapso da escravidão. “Quando o Brasil rompe com Portugal, torna-se claro para as elites brasileiras que a permanência do tráfico negreiro transatlântico dentro do quadro político imperial português não seria mais possível”, disse. 
Esse entendimento impulsionou as elites a buscarem o apoio de Angola, colônia portuguesa à época, para manter o tráfico negreiro. Mas a tentativa falha e resta à elite escravista, formada especialmente por oligarcas do café de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, aceitar o fim do sistema de mão de obra escrava. 
A Lei de 7 de Novembro de 1831, que marcou o fim desse sistema, foi uma das leis mais radicais da época, para o pesquisador. “Quando a gente põe em perspectiva comparada, é super-radical porque você não tem nenhuma outra lei no Império Espanhol e nos Estados Unidos proibindo o tráfico negreiro que declarasse livre o africano introduzido no país, como essa lei fez. Na minha opinião, ela está entre as dez mais importantes da história do Brasil. Ela faz parte dos nossos mandamentos elementares como país, como nação”.
O pesquisador e a pesquisa
Tâmis Peixoto Parron é historiador e professor pesquisador do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense (UFF). Sua tese de doutorado, vencedora do Prêmio Tese Destaques USP de 2016, foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). 
O pesquisador relatou os desafios em desenvolver um estudo que o fez viajar por arquivos históricos do Brasil, Estados Unidos, Cuba e também de Londres, já que “a Grã-Bretanha era como a Organização das Nações Unidas (ONU) do século 19”, como definiu o pesquisador.
Para dar conta das relações entre política, economia, geopolítica e diplomacia, eu precisei aprender a trabalhar com diferentes séries documentais, documentos parlamentares, correspondências diplomáticas e balanças de comércio. São diferentes fontes documentais para narrar uma história enlaçando riqueza e poder ao mesmo tempo”, afirmou. A falta de digitalização desses documentos também foi elencada pelo pesquisador como outro desafio para o desenvolvimento da pesquisa.
Aos jovens que desejam fazer carreira na área de humanidades, o professor tem sugestões: “Tem que ter um senso de propósito muito claro e se colocar a serviço de uma causa que é a única que pode oferecer soluções para os problemas que temos“.
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