Lula assusta o mercado ao sinalizar aposta na irresponsabilidade fiscal – VEJA

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Deslumbrado com os holofotes e com o status de líder global em sua passagem pela Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou sua ida ao balneário de Sharm el-Sheikh, no Egito, para desfiar declarações de efeito. A mais bombástica e controversa delas, no entanto, não dizia respeito ao clima, meio ambiente ou política internacional. Na quinta-feira 17, em um evento que reunia organizações da sociedade civil para discutir ações climáticas, Lula decidiu discorrer sobre a economia brasileira — e de forma bastante desastrada. “Não adianta falar em responsabilidade fiscal, a gente tem que começar a pensar em responsabilidade social”, começou o presidente eleito. “E se eu falar isso vai cair a bolsa, vai aumentar o dólar? Paciência. Porque o dólar não aumenta e a bolsa não cai por conta das pessoas sérias, mas é por conta dos especuladores que vivem especulando todo santo dia”, atacou.
Temerários por si só, os comentários ocorreram em um momento que já não era auspicioso. No fim do dia anterior, o coordenador da transição e vice-presidente eleito Geraldo Alckmin havia enviado ao Congresso uma minuta da PEC que propõe a retirada por tempo indeterminado de despesas com programas sociais do teto de gastos do governo. A expectativa é aprovar um valor extrateto de até 198 bilhões de reais, com o custeio do Bolsa Família e o uso de uma parcela das receitas extraordinárias para investimentos públicos. A proposta também prevê maior flexibilidade para gastos com universidades federais e projetos ambientais. Combinados, a PEC e o palavrório do líder petista tiveram o efeito que o próprio Lula previu. Por volta das 10h30 da manhã, o índice Ibovespa caiu 2% e o dólar registrava aumento de 1,75% — na abertura do mercado de câmbio a moeda americana havia chegado à cotação de 5,53 reais. Desde que conquistou a Presidência da República, Lula teve inúmeras chances de mostrar na prática que pretende iniciar seu governo de forma equilibrada e responsável. Ele tem a seu lado desde a última etapa da campanha eleitoral economistas como Henrique Meirelles, que conduziu de modo responsável e seguro o Banco Central na sua gestão entre 2003 e 2010, foi ministro da Fazenda de Michel Temer entre 2016 e 2018, e nos últimos quatro anos comandou de maneira impecável a Secretaria de Estado da Fazenda de São Paulo. Da mesma forma, estão na equipe de transição nomes como Persio Ari­da e André Lara Resende, membros do grupo que debelou o flagelo da inflação com o Plano Real, em 1994.
arte economia
No entanto, o líder petista de forma recorrente tem se enveredado por um caminho obscuro em que põe equilíbrio fiscal como incompatível com as necessidades da população desfavorecida do país. “Quando você coloca uma coisa chamada teto de gastos, tudo o que acontece é você tirar dinheiro da saúde, tirar dinheiro da educação, tirar dinheiro da ciência e tecnologia, tirar dinheiro da cultura, ou seja, você tenta desmontar tudo aquilo que faz parte do social e não mexe em um centavo do sistema financeiro”, disparou Lula em seu discurso no Egito.
No último dia 10, ele já havia feito outro discurso desastrado entre apoiadores em Brasília, em que criticou empresários, atacou as privatizações e defendeu aumentos nos gastos em nome do bem-estar da população. E a reação também foi imediata, praticamente uma antecipação da que ocorreria no dia 17, com quedas na bolsa e alta no dólar. “O que chama a atenção é, digamos assim, esse tom quase raivoso de Lula contra o mercado”, diz Ricardo Lacerda, sócio-fundador da BR Partners. “O mercado não são quatro ou cinco banqueiros contando dinheiro na Faria Lima. O mercado é a poupança dos brasileiros, a sua, a minha, a de todo mundo.”
Períodos de transição entre governos exigem comedimento e bom senso. É o momento ideal para a nova administração, aproveitando-se de seu capital eleitoral, expor e debater estratégias econômicas, entre elas a de ajuste fiscal. Medidas desse tipo não são novidade, nem mesmo para Lula. Em 2003, seu primeiro governo cortou o investimento público pela metade e aumentou a alíquota do PIS/Cofins no contexto de uma mudança tributária para arrecadar mais. Também realizou uma mudança estrutural importante com a reforma da previdência do setor público, que acabou com a paridade entre os salários dos ativos e inativos do governo central e instituiu a contribuição previdenciária para funcionários públicos já aposentados. No entanto, o Lula que chega às portas de seu terceiro mandato parece se fiar em outro receituário, esse bem ao gosto dos petistas, adotado na gestão Dilma Rousseff, com péssimos resultados. Fruto de uma política econômica errática implementada primeiro pelo ministro Guido Mantega e seguida por Nelson Barbosa (também membro da atual equipe de transição), o resultado foi uma crise econômica sem precedentes, que custou ao país seu grau de investimento em 2015.

Com seus discursos, o presidente segue uma linha de raciocínio simplista, que preconiza o aumento de gastos públicos como forma de aquecer a atividade econômica, gerar mais empregos, estimular o consumo e engendrar crescimento. “A sinalização é que o futuro governo está disposto a gastar o que puder. Aqui não há a percepção que aumentar o gasto é um problema. Não se entende isso como algo que possa ter consequências negativas para o país, mas sim como parte da solução”, diz o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central.
Além das oscilações da bolsa e do dólar, os impactos indesejáveis das declarações de Lula já são perceptíveis em outros aspectos da economia. O mais alarmante é a elevação expressiva do índice DI, que na prática nada mais é do que quanto o mercado cobra para investir no Brasil. Desde a definição do segundo turno, os juros de longo prazo para 2027 dispararam mais de 13%. O grande risco dessa arrancada é a sua influência na taxa Selic. “A percepção de que o controle fiscal tende a ser ainda mais frouxo coloca mais pressão sobre o Banco Central”, diz Silvio Campos Neto, sócio da consultoria Tendências. “Quanto mais o governo caminhar na direção de uma irresponsabilidade com as contas públicas, mais crescerá a possibilidade de o Banco Central não conseguir reduzir juros e eventualmente até precisar aumentá-los novamente.”
As declarações de Lula, obviamente, provocaram desconforto entre os economistas que apoiaram a candidatura petista mas não compactuam com as visões do partido e de seus técnicos. Para Meirelles, por exemplo, é essencial que a discussão avance além da licença para gastar acima do teto de gastos. “O que não está sendo debatido é o que se vai fazer depois”, afirmou, na última semana, durante o evento Brazil Conference, realizado pelo grupo Lide, em Nova York. Ele defendeu a necessidade de avançar com as reformas administrativa e tributária, além do fechamento de estatais que não têm razão de existir. Uma semana antes, já havia comentado que Lula ainda estava no “modo campanha”. No mesmo evento, o economista Persio Arida alertou para o fato de que, além de uma profunda reforma de Estado, será necessária uma abertura da economia do país. “O futuro do Brasil está na integração internacional. Não há economia que tenha se desenvolvido sem uma economia aberta. O Brasil tem de abrir sua economia, firmar o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, entrar na OCDE. Esse é o caminho”, disse. Anteriormente, Arida já havia alertado sobre a possibilidade de o Brasil incorrer nos mesmos riscos que deflagraram no Reino Unido a crise do governo-relâmpago da primeira-ministra Liz Truss, o mais breve da história britânica. “Serve como recado para que o novo governo evite começar com uma política econômica percebida como desastrosa.”
Um posicionamento exclusivamente focado em estimular gastos se torna um sinal indesejável de que o governo tem dificuldades em entender a importância do capital privado na criação de um ambiente econômico pujante. Assustando quem pode investir no país, por um revanchismo ridículo pós-eleitoral, perde-se uma oportunidade fantástica de inaugurar um círculo virtuoso em que mais investimentos (brasileiros e internacionais) estimulem a criação de empregos, promovam crescimento, queda do dólar, uma baixa na inflação e, como efeito colateral, gerem mais dinheiro para o Estado gastar com programas de auxílio. “É preciso não confundir a necessidade de atacar as questões sociais com um Estado indutor de crescimento. O principal desafio é não cair na tentação de voltar ao passado”, avalia a economista Elena Landau, que participou do programa da candidata Simone Tebet e depois apoiou Lula no segundo turno. “Não tem essa coisa de o governo estimular a reindustrialização, a formação de grandes empresas campeãs nacionais.”
O governo de Lula não começou ainda e sua equipe de transição é bem guarnecida de técnicos capacitados e de alto nível. Até agora o presidente eleito tem sido pouco feliz em seus pronunciamentos e lento na tomada de decisões cruciais, como a escolha do novo ministro da Fazenda. O tempo torna-se rarefeito, mas ainda há a chance de que esse mau começo seja superado. Basta que o presidente compreenda algo que Mansueto Almeida, ex-­secretário do Tesouro e hoje economista-chefe do BTG, sintetizou muito bem em um artigo recente: “Cuidar das contas é cuidar das pessoas”.
Com reportagem de Felipe Mendes, Luisa Purchio e Luana Zanobia
Publicado em VEJA de 23 de novembro de 2022, edição nº 2816
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