Petista alvo de fake news sobre facada em Bolsonaro celebra Lula: “Alma lavada” – Metrópoles

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Blog com notícias, comentários, charges e enquetes sobre o que acontece na política brasileira. Por Ricardo Noblat e equipe
08/01/2023 9:00, atualizado 08/01/2023 12:55
Na posse de Luiz Inácio Lula da Silva, há uma semana, a bancária Lívia Gomes Terra, de 42 anos,  estava na Esplanada dos Ministérios atuando no que chamam de zeladoria, no cordão de segurança de Lula ao lado de integrantes de movimentos sociais, como o MST.
Lívia é filiada ao PT, funcionária da Caixa e dirigente do Sindicato dos Bancários de Juiz de Fora, a 986 quilômetros da capital federal. Para trás, ela deixa uma história que a marcou para toda vida e que tem superado a cada dia. A vitória de Lula é uma das suas fases de superação.
A petista foi alvo de um ataque covarde, de uma fake news perpetrada por um bolsonarista, há quatro anos e meio. Naquele 6 de setembro de 2018, Juiz de Fora entrava para a história como a cidade onde o então candidato a presidente Jair Bolsonaro levou uma facada, de Adélio Bispo, e sobreviveu.
O nome de Lívia foi jogado nas redes sociais como uma mulher que teria sido vista entregando a faca para Adélio. Tudo mentira. Nem ela nem nenhuma outra pessoa fez esse papel.
Os bolsonaristas foram buscar nas redes “culpados” e encontraram o perfil de Lívia, que assinava “Lívia Lula Terra”, e continha fotos dela no acampamento Marisa Letícia, em Curitiba, nas vigílias para a soltura do líder petista, então preso na carceragem da Polícia Federal.
Lívia sequer estava no local, mas a sete quilômetros de distância do calçadão da Rua Halfeld, no centro da cidade, onde Bolsonaro foi atingido. Mas seu drama começou aí. Veio uma sequência de perseguição a ela nas redes, abordagem nas ruas, problemas sérios de saúde e dificuldade até para trabalhar. E o sindicato onde trabalha fica a 100 metros do local facada.
Sua vida virou nestes últimos quatro anos. Ela foi perseguida na rua, alvo de ameaças e precisou de tratamento psicológico para enfrentar o drama.
A petista entrou com uma ação contra o perpetrador que a apontou nas redes com essa acusação. Ela obteve, ano passado, uma vitória na Justiça, que condenou o engenheiro Renato Scheidemantel por 10 meses de prisão pelo crime contra a honra. Ele foi apontado como autor da publicação. Teve a pena convertida em prestação de serviços.
Na sentença, o juiz Flávio Itabaiana, do Rio, concluiu que havia provas suficientes de que o réu fez uma acusação falsa a Lívia de cometimento de um grave delito. Ele se defendeu na ação com o argumento de que seu perfil foi invadido. À Folha de S. Paulo, afirmou que tudo foi uma “armação enorme”, um “factoide”. E que uma suposta postagem nas suas redes não poderia atingir 500 compartilhamentos em duas horas. Ele recorre da sentença.
A vitória de Lula a fez sentir com a “alma lavada”, disse. Abaixo, trechos da entrevista que Lívia concedeu ao Blog do Noblat e ao podcast do Metrópoles sobre episódios de eleições passadas.
“Eu estava dormindo na hora”
Naquele momento, quando aconteceu o atentado, pouco depois, eu estava dormindo. Passei o dia todo dormindo e minha mãe me ligou, para saber como eu estava. E aí ela me falou: ‘minha filha, é verdade que tentaram matar o Bolsonaro?’. E respondi: ‘Mãe, não tô sabendo, onde foi isso?’ E ela me disse que foi aqui em Juiz de Fora. ‘Mãe, nem estava sabendo que ele vinha aqui em Juiz de Fora’. Realmente não sabia.
“Sou petista, mas não desejo a morte do adversário”
Liguei a TV. ‘Mãe, é verdade, tentaram realmente matá-lo.’ E disse a ela que já vivemos uma eleição tão conflagrada, um ambiente tão pesado. Lastimo que isso tenha acontecido porque isso ainda vai pesar mais o clima. Temo muito o que pode acontecer ainda em relação a isso. Senti um pesar. Não tenho porque esconder nem nada, sou petista desde 1997, sou militante, mas não significa que quero que meu adversário morra, de forma alguma.
“Comecei a receber xingamento na minha página”
Mal sabia eu o que iria acontecer comigo a partir de então. Lamentei pelo ocorrido sem saber que estava lamentando por mim mesma. No dia 9, por volta das duas e meia (14:30), ainda me convalescendo, comecei a receber xingamento no facebook, que nunca foi um perfil aberto. Mantive minhas redes com discrição mesmo, com troca de amigos que estão fora. Escolho realmente, é o conforto da minha bolha. E, por sorte, gerava pouco espaço para ser xingado e atingido. Mas nos poucos espaços para outros comentarem, comecei a ser muito atacada. Não compreendi de início o que estava acontecendo
A primeira postagem que a ligava à facada
Já era um compartilhamento da primeira postagem que me ligava ao episódio da facada. A imagem que foi utilizada, a primeira era até muito simples: uma foto do meu perfil do facebook, com camisa da CUT, com microfone na mão fazendo intervenção como sindicalista, com Lula. Meu perfil naquele momento era “Livia Lula Terra” porque o Lula estava preso naquele momento, era candidato e a gente estava em campanha. Tinha foto minha em frente ao acampamento Marisa Leticia, em Curitiba. Militante como eu sou. Tinha essas imagens todas, públicas. E a mensagem dizia: ‘essa é a Livia Terra, essa é a assassina do Bolsonaro’. Era o emogi do óculozinho que os bolsonaristas utilizam para identificar.
“A gente entra em choque”
Realmente não sabia o que fazer. A gente entra em choque. Eu vou na polícia, mas eu vou na polícia para me defender, ou para poder acusar? Já não sabia. Não sabia o que estava acontecendo na porta da minha casa. Moro num prédio, num bloco mais recuado e não sabia o que estava acontecendo. Ainda estava acontecendo a festa alemã no meu bairro, que estava movimentado. Eu não sabia como a polícia me receberia. Foi um pavor, sem saber o que fazer. Eu moro sozinha. Estava sozinha em casa.
“Virei a vilã perfeita”
Sempre foi uma curiosidade do porque eu. Acredito que virei a vilã perfeita. Só que ao olhar o meu perfil, Lula Lívia Terra, sindicalista, petista, toda de vermelho, deixa de ser um crime de um lunático e passa a ser de segurança nacional. E na época eu era dirigente do PT de Juiz de Fora, Era secretária de Comunicação. Os meus odiadores foram buscar dados nas postagens contra mim, com a acusação de que tinha passado a faca para o Adélio. Mas as postagem, depois,  já vinham Lívia Gomes Terra, meu nome todo, com minha idade, dizendo que eu era empregada da Caixa Econômica, que eu era de Chácara, uma cidade de três mil habitantes que qualquer um que chegar lá pode perguntar onde a Lívia mora, os pais dela, qualquer um vai indicar.
“Mito, essa é a Lívia”
Recebi ameaças, o endereço de sua família na internet, ameaças de todo o país. Me acharam lá no perfil e mostraram para o Bolsonaro: ‘mito, essa é a Lívia Terra que entregou a faca para o Adélio’. Não vi (se ele comentou). Não era qualquer crime. Não é ser  vinculado ao assassinato ao vizinho da esquina, que já seria muito grave. É um crime de repercussão nacional e histórico. E aí a orientação foi ir a Polícia Federal e prestar esclarecimento, se tinha fundamento e esclarecer. E também registrar um boletim na Polícia Militar com as ameaças e as postagens contra mim.
“No fundo do poço, acabada, destruída”
Eu estava realmente no fundo do poço, muito muito deprimida, muito  acabada, destruída. Não me sentia segura em lugar nenhum.  O comandante da Polícia Militar chegou a oferecer segurança, se notasse alguma coisa diferente poderia colocar ronda no entorno a minha casa.  Dentro da minha casa eu me sentia segura. Falei para minha vizinha o que estava acontecendo. Quando alguém tocava campainha da minha casa, minha vizinha ia junto comigo ver quem era. Minha mãe ficou comigo também um período. Tive um período, meus amigos. Tive uma rede de proteção. Para trabalhar, os diretores me buscavam em casa. Aqui no sindicato foi preciso colocar segurança. Também a gente temeu pela entidade, já que foi envolvida.
As pessoas te olham na rua
É estranho porque as pessoas te olham na rua. A minha cara rodou. Pode não ter rodado na imprensa oficial, mas no submundo bolsonarista, nos grupos de zap e outros. Conheço muitos taxistas aqui em Juiz de Fora…Os taxistas sabiam do meu caso e sempre me sentia protegida por eles, muitos eleitores do Bolsonaro. Me buscavam em casa e encontrava outra pessoa num ponto de encontro. Eu sempre estava com alguém.
“E o medo de linchamento?!”
E vem toda uma questão psicológica, começava não dormir. De sair, andar na rua, me lembro que tinha saído de um médico e fui comprar remédio. Não passava no calçadão, com campanhas eleitorais ali, com medo de ser reconhecida e alguém vir me agredir. E o medo de linchamento? Nesse dia, passou um homem me olhou, depois de novo, encarou. Será que tá me achando bonita? Estava me reconhecendo. E minha mãe de cara feia. O cara chegou o celular e com cara que ia tirar foto minha, só que minha mãe olhou quase rosnando para ele”.
Transtorno de stress pós-traumático
Ainda é algo extremamente doloroso. E o que que acontece. Desenvolvi transtorno de stress pós-traumático. Só saía acompanhada e depois peguei pânico. Conseguir vir trabalhar, mas não todos os dias e tinha ânsia de vômito, taquicardia, peito apertando, todas crises de ansiedade, pânico e tremedeira, crise de choro. Todos os dias eu passava por isso antes de sair de casa. Às vezes eu conseguia vencer e sair de casa.
“A volta de Bolsonaro a JF foi terrível, chorei o dia inteiro”
Ainda tem reflexo. E como é transtorno e é ano de eleição é como se fosse reviver. Num dia que ele (Bolsonaro) visitou a cidade meus pais vieram ficar comigo. Já me preparei para ser um dia horrível. Com a vinda dos meus pais não senti tanto, mas de qualquer forma, meu dia foi interrompido, sem condição emocional de sair de casa. Agora, no dia do lançamento da campanha, e ainda sendo no local onde aconteceu o crime, meus pais não puderam vir.  Decisão de Bolsonaro foi de sopetão. Fiquei em casa sozinha. Foi terrível, chorei o dia inteiro. É muito estranho. É óbvio que não tenho nada com isso. É muito estranho. A sentença que tenho de condenação de quem fez isso comigo, de me envovler nesse crime, eu andei com ela na bolsa por ser minha sentença de inocência. É a sensação que eu tenho E disse isso para o juiz.
“A normalidade não vai voltar”
Acho que a normalidade não vai voltar. A Justiça nunca vai me trazer uma compensação. Sei que tinha uma vida antes e que 2018 marca uma antes e depois na minha vida. Espero minimamente ir a um churrasco, me divertir sem ter uma crise de pânico antes. Nada vai me devolver o que passei nesses quatro anos. A gente amadurece também com isso. Já que a vida me deu essa cruz vou carregá-la e mostrar para que outras  pessoas não tenham que carregar essa cruz. Se foi me dado esse peso.
“O que ocorreu com o tesoureiro do PT, poderia ser comigo”
Fui vítima de um tipo de violência, e poderia ter sido vítima de violência física. Esse risco existiu esse tempo todo. O que ocorreu com o tesoureiro do PT (assassinado no Paraná durante a campanha eleitoral por ser petista), por que não poderia ter ocorrido comigo? Eu resolvi falar sobre isso para todos os cantos que eu puder falar. Primeiro porque é uma catarse. É expurgar. Você vê a sua cara te ligando a um crime. Hoje preciso ver minha cara no mesmo crime ligado à justiça. É minha forma de rebater cada postagem que foi feita dizendo que tenha participado de crime desse tamanho, que não é qualquer coisa.
Vitória de Lula
Atuei na campanha do Lula, fazendo cordão de segurança. No Rio, em Juiz de Fora e em Brasília. Comemorei muito o resultado. É parte do meu processo. É mais uma etapa cumprida pelo o que eu vivi. De alma lava, sim, mas que não vai apagar o que vivi e sofri.
“Os desprezíveis ataques terroristas à Democracia serão responsabilizados, assim como os financiadores, instigadores, anteriores e atuais agentes públicos que continuam na prática de atos antidemocráticos. O Judiciário não vai decepcionar o Brasil!” (Alexandre de Moraes, STF)
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